Política e Administração Pública

Em audiência, deputados e juristas questionam pontos do projeto de combate à corrupção

Propostas mais polêmicas são o aumento de penas, a limitação para concessão de habeas corpus e o teste de integridade para funcionários públicos

10/08/2016 - 16:46  

Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Audiência Pública.
Nesta quarta, representantes da Ajufe,AMB e ANPR participaram de audiência sobre o projeto de combate à corrupção na comissão da Câmara que analisa a proposta

Em audiência pública na Comissão Especial que discute o projeto que altera a legislação de combate à corrupção (PL 4850/16), deputados e representantes de juízes questionaram alguns pontos da proposta, como o aumento de penas, a limitação para concessão de habeas corpus e o chamado teste de integridade para os funcionários públicos. O teste é a permissão para que um investigador simule a oferta de vantagens e que o resultado seja reconhecido como prova na Justiça.

O projeto foi apresentado pelo Ministério Público ao Congresso com o apoio de mais de dois milhões de assinaturas. A proposta prevê medidas polêmicas, que dividem os juristas, como a obrigatoriedade de o Ministério Público opinar sobre pedidos de habeas corpus.

O PL também garante o sigilo da identidade da pessoa que denunciar crimes, criminaliza o enriquecimento ilícito e aumenta as penas para crimes contra a administração pública. Além disso, torna hediondos os crimes contra a administração pública e permite ao juiz não aceitar recursos quando considerar que eles são apenas para atrasar o processo.

O projeto prevê ainda o chamado “confisco alargado”, que é o confisco do patrimônio do réu considerado corrupto, mesmo quando não existem provas de que aquele bem é fruto de corrupção, e responsabiliza os partidos políticos em caso de atos ilícitos, além de criminalizar o caixa-dois em campanhas eleitorais.

Penas
Os dirigentes de entidades representativas de magistrados defenderam mudanças na legislação contra a corrupção, mas também questionaram pontos do projeto que, segundo eles, agravam de maneira desproporcional as penas e ferem garantias individuais.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, o aumento de pena não necessariamente resolve o problema. “A resposta legislativa, com base no casuísmo, não tem se mostrado eficaz. A lei de crimes hediondos não acarretou diminuição dos crimes. No caso de crimes de colarinho branco, lavagem de dinheiro e corrupção, é preciso buscar a proporcionalidade. Talvez o aumento de pena se justifique em alguns casos de bastante gravidade, como abalar o sistema econômico do
País ou levar uma empresa à falência”, disse.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Carvalho Veloso, considerou que algumas penas previstas no projeto estão desproporcionais, como a pena mínima de oito anos de prisão quando o prejuízo for igual ou superior a dez mil salários-mínimos. Segundo ele, é a mesma pena de homicídios. “Achei que as penas estão muito graves. É preciso ver a questão da proporcionalidade”, afirmou.

O relator da comissão especial, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), defendeu o aumento de penas. Para ele, quem rouba dinheiro público está tirando dinheiro da segurança e da saúde, o que pode ser comparado a assassinato: “Quem rouba dinheiro tira dinheiro da saúde e mata gente”.

Lorenzoni admitiu que o aumento da pena, isoladamente, não é eficaz. Mas disse que a medida é destinada a impedir benefícios aos presos, como a concessão de indulto natalino, que segundo ele aumenta a sensação de impunidade.

Recursos
O relator também defendeu a restrição a recursos judiciais, prevista na proposta. “É muito raro encontrar gente presa no Brasil por crime de corrupção, graças a recursos”, disse. E deu como exemplo o caso do ex-senador Luiz Estevão, que demorou sete anos para ser preso depois da decisão transitada em julgado, graças a seguidos recursos judiciais.

Teste de integridade
Na audiência pública da comissão especial, alguns deputados, como Marcos Rogério (DEM-RO) e Celso Maldaner (PMDB-SC), questionaram a constitucionalidade do teste de integridade. “Parece algo inovador, mas que precisa de mais discussão. Criar um instrumento permanente de sedução é vedado pela Constituição. Tem que ser visto com cautela”, disse Marcos Rogério.

João Ricardo dos Santos, da AMB, também se disse preocupado com a legalização do teste. “O artigo 57 do projeto diz que a administração pública, durante o teste de integridade, poderá fazer gravações, respeitado o direito à intimidade. Mas, nesse caso, o direito já está sendo violado”, disse.

Ele também demonstrou preocupação com outros pontos da proposta, como a restrição a habeas corpus. Segundo a proposta, antes de conceder a medida, o juiz tem que consultar o Ministério Público. “Temos que garantir o estado de Direito. Habeas corpus é uma garantia para preservar a liberdade das pessoas. Vemos com muito receio qualquer restrição à concessão de habeas corpus. A necessidade prévia de ouvir o Ministério Público é uma restrição ao poder do juiz de conceder a liberdade”, disse.

Os presidentes da Ajufe e da AMB também questionaram os artigos do projeto que reduzem a possibilidade de nulidades processuais. Segundo eles, existem nulidades previstas na Constituição, como no caso em que os réus não tiveram direito a defesa, que precisam ser preservadas.

Ministério Público
Já o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, defendeu o teste de integridade e a limitação à concessão de habeas corpus. “O teste de integridade existe em vários países do mundo. A ideia não é invadir a privacidade ou criticar quem quer que seja no serviço público, mas criar uma cultura invertida no serviço público. Isso pode vir a ser uma pequena revolução na administração pública”, disse.

Já o habeas corpus, segundo Robalinho, é um instrumento que tem sido usado de maneira excessiva no País. “A amplitude que foi dada ao habeas corpus no Brasil não existe em nenhum lugar do mundo, onde o instrumento existe para garantir a liberdade de pessoas que estão presas. No Brasil, o excesso de pedidos de habeas corpus está inviabilizando a pauta dos tribunais superiores. Não é essa a função do habeas corpus”, disse.

Em relação à limitação dos casos de nulidades processuais, o procurador argumentou que a intenção é restringir a possibilidade de provas questionadas por pequenas falhas formais serem consideradas nulas e justificarem o pedido de anulação de todas as demais.

Reportagem - Antonio Vital
Edição - Luciana Cesar

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