Documento de Referência da Consultoria Legislativa

DIRETORIA LEGISLATIVA
CONSULTORIA LEGISLATIVA
ASSUNTO: Mudanças Climáticas
CONSULTOR:
Ilídia da Ascenção Garrido Martins Juras

DATA: novembro de 2009

 

Mudanças Climáticas


1. Introdução

Verões extremamente quentes, chuvas torrenciais e índices pluviais muito acima da média em algumas regiões brasileiras e secas pronunciadas em outras são exemplos de anomalias climáticas cada vez mais freqüentes. Tal como o Nordeste, que convive com intensas secas permeadas, às vezes, por períodos chuvosos anormais, a Amazônia passou, em 2005, por uma estiagem de proporções inéditas, que atingiu mais da metade dos 62 municípios do Amazonas, isolando milhares de pessoas em comunidades ribeirinhas e, neste ano, viveu cheia há muito não observada. Os tornados, raros em nosso País, tornaram-se comuns: apenas no Estado de São Paulo, ocorreram sete em 2005. Outro exemplo é o fenômeno Catarina, cuja ocorrência jamais havia sido registrada no Atlântico Sul.
Esses eventos climáticos extremos não estão restritos ao Brasil, mas têm sido percebidos e registrados em todo o mundo. A média mundial de desastres naturais subiu de 260 em 1990 para 337 em 2003, e o número de pessoas atingidas por estes desastres cresceu exponencialmente. As inundações constituem os desastres que mais afetam a população mundial e também os que mais aumentaram, tendo-se registrado 206  em 2007, contra a média de 172 nos sete anos anteriores. Outros exemplos marcantes são o aumento na intensidade e na freqüência de furacões, como o Katrina, e as fortes ondas de calor e incêndios, alternadas por rigorosos invernos na Europa.
É certo que a Terra tem passado, ao longo de toda a sua história geológica, por enormes variações climáticas. No entanto, há evidências científicas cada vez mais fortes de que as mudanças mais recentes não são variações naturais, mas estão relacionadas com um aumento na temperatura da Terra – o aquecimento global –, causado por atividades antrópicas, em especial pelo consumo de combustíveis fósseis, como carvão mineral, petróleo e gás natural, assim como pelos desmatamentos e queimadas.
O fenômeno, conhecido como efeito estufa, decorre do aumento da concentração de certos gases na atmosfera terrestre, entre os quais destacam-se o gás carbônico (também chamado dióxido de carbono – CO2), o ozônio (O3), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), assim como o vapor d'água. Esses compostos são conhecidos como gases de efeito estufa, pois permitem a passagem da luz solar e retêm o calor, da mesma forma que os vidros de um carro fechado ou o revestimento de uma estufa sob a incidência do sol.

2. A base científica

O tema das mudanças climáticas e do aquecimento global começou a fazer parte da agenda internacional na década de 80 do século passado, com a adoção de algumas medidas importantes. A primeira delas foi a criação, em 1988, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que está aberto a todos os membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM), e conta com a colaboração de mais de 2.500 cientistas de todo o mundo. O papel do IPCC é avaliar, de forma abrangente, objetiva, aberta e transparente, as informações científicas, técnicas e socioeconômicas relevantes para compreender os riscos das mudanças climáticas induzidas pelo homem, seus impactos potenciais e as opções para adaptação e mitigação.
O IPCC já apresentou quatro relatórios de avaliação, o último dos quais em 2007. Esse Relatório conclui que é inequívoco o aquecimento global, a partir de inúmeras observações do aumento na temperatura média global do ar e dos oceanos, da ampliação do derretimento de gelo e neve e da elevação do nível do mar. A temperatura média da superfície terrestre aumentou em 0,76ºC entre os períodos de 1850-1899 e 2001-2005, e 11 dos 12 últimos anos (1995 – 2006) estão entre os doze mais quentes desde que as temperaturas começaram a ser registradas (1850).
O 4º Relatório ainda conclui ser “muito provável” (o que indica probabilidade maior que 90%) que o aumento na temperatura média terrestre ocorrido no Século XX seja devido ao aumento observado nas concentrações de gases de efeito estufa. Em relação a essas concentrações, o documento indicou que, desde a era pré-industrial até 2005, houve os seguintes aumentos: dióxido de carbono (CO2): de 280 ppm a 379 ppm; metano: de 715 ppb (partes por bilhão) a 1774 ppb; e óxido nitroso: de 270 ppb a 319 ppb.
Ainda conforme o documento, há evidências de que o aquecimento recente esteja afetando os sistemas naturais, incluindo diversas alterações relativas aos ciclos biológicos, de distribuição, migração e abundância das espécies. A mudança do clima em curso deve afetar a disponibilidade de água, sendo provável o aumento da extensão das áreas afetadas por secas e também o aumento na freqüência dos eventos de forte precipitação, elevando o risco de inundações. Há consequências predominantemente negativas do aquecimento global para a biodiversidade, com risco de extinção de espécies, variável de acordo com a elevação da temperatura.
Também é provável que as mudanças do clima afetem o estado de saúde de milhões de pessoas, em especial aquelas com baixa capacidade de adaptação, mediante: aumento da subnutrição e de disfunções conseqüentes, com implicações no crescimento e desenvolvimento infantil; aumento de mortes, doenças e ferimentos por causa das ondas de calor, inundações, tempestades, incêndios e secas; aumento das conseqüências da diarréia; aumento da freqüência de doenças cardiorrespiratórias por causa das concentrações mais elevadas de ozônio ao nível do solo; e alteração da distribuição espacial de alguns vetores de doenças infecciosas.
Projeta-se que a produtividade das culturas aumente levemente nas latitudes médias a altas, mas diminua nas latitudes mais baixas, em especial nas regiões secas sazonalmente e nas regiões tropicais, mesmo com aumentos leves da temperatura local (1 a 2°C), o que aumentaria o risco de fome. O litoral ficará exposto a maiores riscos, inclusive à erosão, e milhões de pessoas serão atingidos por inundações a cada ano, em razão da elevação do nível do mar, até a década de 2080.
No que se refere aos impactos do aquecimento global específicos para o Brasil, é previsto um aquecimento geral do território brasileiro. A agricultura deve ser bastante afetada, com redução na produção e na área plantada da soja, do milho, do feijão, do arroz e do café.
Em resumo, a mudança do clima ameaça os elementos básicos da vida das pessoas ao redor do mundo: acesso à água, produção de alimentos, saúde e meio ambiente. As consequências econômicas serão enormes, com estimativas de que,  se nada for feito, os custos e os riscos da mudança do clima serão equivalentes à perda de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano. Em contraste, os custos das ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e evitar os impactos da mudança do clima podem limitar-se a cerca de 1% do PIB ao ano.
Em 1994 , quando foram feitos os primeiros inventários de emissões de gases de efeito estufa, constatou-se que o setor de energia foi o responsável pela maior parcela de emissões de gases de efeito estufa tanto nos países desenvolvidos (mais de 80%) como nos países em desenvolvimento (cerca de 60%), à exceção da América Latina e Caribe, onde o setor de agricultura ocupou a primeira posição. No Brasil, a maior parcela de emissões de gases de efeito estufa foi proveniente do desmatamento e das queimadas (55,4%, cifra que sobe para 75% quando se considera apenas o CO2).

3. Os Acordos Internacionais

A divulgação do primeiro relatório do IPCC levou ao início das negociações que culminaram na formulação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, aberta para assinaturas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. A Convenção entrou em vigor em 21 de março de 1994 e conta com adesão de cerca de 180 países, além da Comunidade Européia.
Conforme reconhece a Convenção, a responsabilidade histórica e presente pelas atuais concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera é dos países desenvolvidos. A concentração atual desses gases resultou principalmente do efeito cumulativo das emissões geradas nos últimos 150 anos pelas atividades industriais dos países desenvolvidos. Por essa razão, a Convenção ressalta o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas entre os países, e a obrigação dos países industrializados de assumir a liderança na adoção das medidas nela previstas. Além disso, esse tratado reconhece o princípio da precaução, segundo o qual atividades capazes de causar danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente devem ser restringidas, ou até mesmo proibidas, antes que haja uma certeza científica absoluta de seus efeitos.
Por essa Convenção, os países desenvolvidos e os do leste da Europa que se encontram em processo de transição para uma economia de mercado (países do Anexo I), assumiram o compromisso de reduzir as suas emissões de gás carbônico e de outros gases causadores do efeito estufa, de forma a não ultrapassar os níveis verificados em 1990.
Cabe aos países em desenvolvimento, portanto ao Brasil, sob a Convenção, entre outras obrigações, a de formular e implementar programas nacionais contendo medidas para mitigar a mudança do clima. Esse compromisso, que é comum aos países desenvolvidos, apresenta-se de forma geral e não está articulado com nenhuma meta de redução de emissões de gases. Todos os países devem, além disso, elaborar um inventário de suas emissões antrópicas de gases de efeito estufa por fontes e de remoções por sumidouros – qualquer processo, atividade ou mecanismo que remova da atmosfera um gás de efeito estufa.
Em 1997, em Kyoto, durante a Terceira Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 3), foi assinado um Protocolo – o Protocolo de Kyoto – que obriga os países desenvolvidos, individual ou conjuntamente, a cortar, no período de 2008 a 2012, em média, 5,2% das emissões de gases de efeito estufa (foram aprovadas cifras diferenciadas para cada país) em relação ao ano-base de 1990.
A fim de cumprir essas metas, foram propostos três tipos de mecanismos: implementação conjunta (joint implementation), Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL (Clean Development Mechanism - CDM) e comércio de emissões (emissions trading). Os dois primeiros aplicam-se unicamente aos países do Anexo I.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que evoluiu a partir de uma proposta apresentada pelos negociadores brasileiros em Kyoto, destina-se a auxiliar os países não desenvolvidos a atingir o desenvolvimento sustentável e contribuir para o objetivo final da Convenção. Por esse Mecanismo, os países industrializados podem investir em projetos de redução de emissões de carbono nos países não desenvolvidos e receber créditos por essa redução. Podem candidatar-se projetos relativos a implementação de energia solar e eólica, co-geração, aproveitamento de biomassa, plantios florestais e reflorestamento.
O Protocolo de Kyoto entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, após ter sido aprovado por um mínimo de 55 países, que contabilizam, juntos, pelo menos 55% da quantidade total de dióxido de carbono equivalente emitida em 1990.

4. A reunião de Copenhague

Com a divulgação do 4º Relatório do IPCC, cresceu a certeza científica de que o aquecimento global é um fato e também a convicção de que, para evitar catástrofes ainda maiores, são necessárias medidas de mitigação urgentes e muito superiores às contidas no primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto (2008-2012).
Os cientistas advertem que o aumento de temperatura acima de 2ºC pode levar a mudanças meteorológicas sem precedentes e perigosas, conflitos por recursos naturais, perda de território e disputas fronteiriças, migrações por alterações ambientais, tensões em relação ao suprimento de energia e pressão sobre a governança internacional. O aumento de temperatura de 2ºC seria, então, o limite para alterações climáticas ainda suportáveis ou adaptáveis.
Para manter a temperatura nesse patamar, seria necessário estabilizar a concentração de CO2 na atmosfera ao redor de 450 ppm, o que, por sua vez, exigiria que as emissões cumulativas de CO2 ao longo do Século XXI fossem reduzidas de uma média de aproximadamente 2.460 Gigatoneladas (Gt) de CO2 para aproximadamente 1.800 Gt CO2, ou seja, as emissões anuais deveriam ficar, em média, em 18 Gt CO2 nos próximos cem anos. Ocorre que, atualmente, as emissões estão ao redor de 45 Gt CO2/ano, e, seguindo a atual tendência, chegarão a 61 Gt de CO2 em 2020 e 70 Gt de CO2 em 2030. Além disso, em 2020, a contribuição para a concentração de CO2 na atmosfera dos países em desenvolvimento será muito próxima àquela dos países desenvolvidos.
Nas reuniões que se seguiram à divulgação do Relatório do IPCC, pouco se avançou. Destaca-se, apenas que, na COP 13, realizada em 2007, chegou-se ao mandato de Báli ou “Bali Roadmap”, que prevê dois trilhos de negociação: a definição de metas para o 2º período de compromisso no âmbito do Protocolo de Kyoto; e o Plano de Ação de Báli, que envolve a definição de metas para os países desenvolvidos e também contempla medidas de redução de emissões para os países em desenvolvimento, com participação cada vez mais importante nas emissões globais de gases de efeito estufa.
Espera-se que na 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 15), a ser realizada em Copenhague, de 7 a 18 de dezembro do corrente ano, se chegue a um acordo que contemple medidas significativas de mitigação do aquecimento global e seus efeitos. Para os países desenvolvidos, discutem-se metas de redução de 25 a 40% de suas emissões em 2020 em relação a 1990. Os países em desenvolvimento, por sua vez, deveriam reduzir o ritmo de crescimento de suas emissões (desvio do cenário base).
A Conferência de Copenhague pode ser decisiva para o nosso futuro no Planeta. Quanto antes se atingir o ponto máximo de emissões de gases de efeito estufa e, por conseguinte, sua concentração na atmosfera, menores serão os esforços a serem realizados no futuro.

ILÍDIA DA ASCENÇÃO GARRIDO MARTINS JURAS
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Documento atualizado em 16/11/2009