06.08.2009

 

Jornal "O Estado de S.Paulo"

Espaço Aberto

O Paraguai e o interesse nacional

Demétrio Magnoli

Fernando Lugo elegeu-se presidente do Paraguai sob o compromisso de conseguir uma revisão completa do Tratado de Itaipu. No seu encontro recente com Lula, obteve parte significativa do que queria. Pelo acerto, a estatal energética Ande ganhará o direito de comercializar eletricidade gerada pela usina no mercado livre brasileiro, desvencilhando-se da obrigação de vender apenas à Eletrobrás. É um Tratado de Itaipu 2, certo? Errado: o governo brasileiro promove a mudança por meio de um truque de reinterpretação do tratado original.

Os críticos, mesmo os liberais, reagem com curioso horror à quebra do monopólio estatal de compra da energia e parecem circunscrever o interesse brasileiro ao preço que se pagará pela eletricidade vendida pelo Paraguai.

A preservação do tratado original tem o único significado de converter o acordo entre os presidentes em algo como uma precária concessão da potência maior à menor, sempre passível de retrocesso. O "gesto generoso" de Lula, expresso oficialmente numa releitura enganosa do tratado, condensa uma concepção mesquinha das relações internacionais como bazar onde se intercambiam os interesses conjunturais dos governantes de turno.

Lugo é o polo de uma coalizão governista que se estende da extrema esquerda à direita. Na sua plataforma política, ao lado da bandeira de revisão do Tratado de Itaipu, encontra-se o projeto de uma reforma agrária que, na visão dos movimentos de sem-terra paraguaios da base de Lugo, começa com a expropriação geral dos colonos "brasiguaios".