05.08.2008
Jornal "Folha de S. Paulo"
Caderno: Dinheiro
"Lua-de-mel" depende de solução para os setores de trigo e carros
Trigo e automóveis são as duas principais sombras sobre a lua-de-mel Brasil/Argentina, a julgar pelas análises que empresários brasileiros fizeram ontem para o presidente Lula.
O caso dos automóveis é o mais complicado, na medida em que o setor de um lado e de outro da fronteira teme uma invasão letal de produtos indianos e chineses, para não mencionar os coreanos que já estão chegando. "É preciso aumentar a competitividade do Mercosul no setor", cobra Rogelio Goldfarb, diretor de Assuntos Corporativos para a América do Sul da Ford do Brasil. Ele reclama dos dois governos acordos bilaterais para enfrentar a concorrência externa, lembrando que o México já os tem com todos os grandes países ou blocos do mundo rico e se torna um competidor importante. Goldfarb olha não só para a União Européia, que todos mencionam como o acordo mais urgente que o Mercosul deve negociar, mas para países geralmente fora do radar, como Canadá, África do Sul e os do Golfo. Mas, antes, o Mercosul deve fazer a lição de casa, diz. Ele lembra que Brasil e Argentina têm normas técnicas diferentes em alguns casos, o que torna seus carros menos homologáveis internacionalmente.
No caso do trigo, o problema é que a Argentina "não tem mais" para vender, diz o embaixador Sergio Amaral, hoje presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo. O Brasil precisa importar metade de seu consumo de 10,5 milhões de toneladas/ano, mas a Argentina, o maior fornecedor, não pode atender a demanda.
Uma terceira sombra no namoro é a queixa do empresariado brasileiro de que "os investimentos do Brasil não são sempre bem-vistos na Argentina", como o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, relatou ao presidente Lula, no café da manhã de ontem. O exemplo mais citado pelos brasileiros é o da Alpargatas, tradicional empresa argentina que foi adquirida pela Camargo Corrêa do Brasil, compra ainda não autorizada pelas autoridades de defesa da concorrência argentinas.
Lula tomou nota da observação e aproveitou seu discurso no seminário empresarial, ao qual compareceram também executivos argentinos, para cobrar: "Empresário argentino não pode olhar o Brasil como um país competidor, mas como um mercado potencial de 180 milhões de pessoas". Cobrou também investimentos argentinos no Brasil, outra das reclamações dos brasileiros. "Cadê os investimentos?", perguntara Skaf pouco antes.
Jornal "Folha de S. Paulo"
Caderno: Dinheiro
Na Argentina, Lula fala de moeda comum no Mercosul
Presidente e Cristina Kirchner vêem momento excepcional na relação bilateral
Brasileiro mostra grande entusiasmo com integração sul-americana e diz a platéia de empresários que "Deus nos fez grudados"
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou sua palestra ontem para empresários brasileiros e argentinos num entusiasmado comício a favor do Mercosul e da América do Sul, a ponto de acenar com uma futura moeda comum.
Após lembrar que Brasil e Argentina estão prestes a adotar suas respectivas moedas, no lugar do dólar, para parte das transações comerciais, Lula disse que o esquema "pode ser o germe de uma futura integração monetária". O entusiasmo foi tamanho que enveredou por caminhos místicos. Lula chegou a ver "um sinal de Deus" na geografia sul-americana: "Deus nos fez grudados. Mesmo que quiséssemos nos separar, não pode", disse, para receber ao final aplausos fortíssimos de uma platéia que lotou o salão do hotel Sheraton mas aplaudiu só educadamente sua colega argentina, Cristina Kirchner.
O entusiasmo do presidente pela integração é genuíno, tanto que o derramara, antes, sobre empresários apenas brasileiros, em café da manhã na residência do embaixador do Brasil na Argentina. Chegou a dizer que era preciso "compartilhar a prosperidade" com os vizinhos, tema que retomaria no hotel.
"Uma Argentina industrializada e competitiva fortalece o Brasil, fortalece o Mercosul e fortalece nosso projeto sul-americano", afirmou.
Jornal "Folha de S. Paulo"
Caderno: Dinheiro
Fiesp cobra o início imediato de negociações "pós-Doha"
O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, cobrou ontem do presidente Lula que Brasil e Argentina comecem já o que chamou de "pós-Doha", ou seja, o início de negociações bilaterais para suprir a falta de um acordo global ante o colapso da Rodada Doha, que envolve os 153 países da Organização Mundial do Comércio.
Lula até comprou parcialmente a tese, tanto que, em seu discurso, disse que "a frustração com Doha exige que multipliquemos nossos esforços em outros tabuleiros para eliminar distorções no comércio".
Mas o presidente ainda insiste em dizer que não jogou a toalha e vai "continuar tentando ver se concluímos Doha". Skaf discorda. "Eu não perderia tempo com Doha", diz.
Quando Skaf cobra também da Argentina disposição para negociações bilaterais, alude a uma percepção disseminada entre o empresariado brasileiro de que o vizinho é dogmático demais e pouco inclinado a reduzir proteção à sua indústria ao mesmo patamar já aceito pelo Brasil. Não adianta a presidente Cristina ter voltado a negar qualquer dogmatismo e defendido o mais puro pragmatismo: "Nas negociações multilaterais, longe de questões dogmáticas, trata-se de saber o que nos oferece o outro lado".
Para Humberto Barbato, presidente da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), o Mercosul cria, para o Brasil, "uma camisa de força", já que o bloco impõe tarifa externa comum a ser cobrada dos parceiros extra-bloco. Barbato cobra uma flexibilização nas regras do bloco, tese que tem o apoio de Félix Peña, especialista argentino em comércio internacional. Ele defende "introduzir mecanismos que permitam flexibilidades compatíveis com as regras coletivas pactadas".
Jornal "Gazeta Mercantil"
Caderno: Agronegócios
Crise com EUA não deve ser igual à UE
A suspensão das exportações de carne bovina enlatada para os Estados Unidos não deve virar o "imbróglio" que se tornou a questão com os europeus. Na avaliação de analistas de mercado, diferente da crise com a União Européia - que exigiu mudanças no sistema de rastreabilidade, com certificação das fazendas - no caso americano, o governo agiu de forma rápida.
Na última sexta-feira, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento divulgou que suspendeu a emissão de certificados sanitários dos frigoríficos exportadores para aquele mercado - são 22 plantas - e irá auditar as unidades. A estimativa é que em três semanas o comércio seja retomado. O analista Paulo Molinari, da Safras & Mercado, diz que foram as próprias indústrias que pediram a suspensão da emissão dos certificados depois que duas plantas (do IFC e do Friboi) tiveram as exportações canceladas. "Elas queriam ter tempo para se adequar às exigências burocráticas dos Estados Unidos", diz. De acordo com ele, os Estados Unidos estão solicitando que na documentação conste todos os procedimentos porque passam o produto - o registro da entrada, dos cortes, até a saída.
"A gente nunca pode confiar, mas se for verdade o que o governo disse, as exportações estão suspensas apenas por um mês", afirma José Vicente Ferraz, diretor da AgraFNP. Ele lembra também que o produto enlatado vale menos que o in natura e o volume comercializado com os Estados Unidos é bem menor que com a União Européia (que respondia por 25% a 30% do total). Portanto, para efeito de resultado na balança comercial, seria pequeno. Ferraz acrescenta que o problema, diferente do europeu, é apenas nas indústrias, não em todo o sistema produtivo.
Para Alcides Torres, diretor da Scot Consultoria, o governo brasileiro se antecipou à uma possível sanção. "Os Estados Unidos são mais liberais que os europeus e o nosso produto é muito mais barato. Vale a pena para eles comprar", conclui. Torres não acredita também que a suspensão da venda do produto industrializado possa afetar as negociações sobre a abertura de mercado in natura - que têm emperrado sistematicamente por causa de surtos de aftosa (primeiro no Rio Grande do Sul, em 2000 e 2001, depois em Mato Grosso do Sul, em 2005).
Jornal da Câmara
Caderno: Geral
Pinga-Fogo - Rodada de Doha
Osório Adriano (DEM-DF) lamentou o fracasso das negociações da Rodada de Doha, promovida pela Organização Mundial do Comércio, que tinha por objetivo reduzir as medidas protecionistas dos países mais ricos em favor de uma maior liberação do comércio internacional. Para o deputado, a falta de um acordo levanta dúvidas quanto à capacidade da diplomacia brasileira de defender os interesses nacionais em uma negociação que se propunha a defender um desenvolvimento econômico mais justo para o mundo. Em razão do fracasso da rodada de Doha, Osório Adriano cobrou do governo federal um plano secundário para os futuros relacionamentos comerciais do Brasil com o exterior.