O cerco aos ingás

Por Jairo Luis Brod

IngáO carro parou repentinamente. O outro que vinha atrás, quase bateu nele. O motorista da frente, não se abalou. Saiu do veículo e nem olhou para trás. Partiu igual lobo-guará em direção a uns pés de ingá, que generosamente se debruçavam sobre a via. Eram uns cinqüenta. Os galhos vergavam até o solo. Cheios desses “frutos capsulares, que se caracterizam por ter sementes embebidas numa massa carnosa”. Subiu numa árvore e rapidamente se empapuçou. O motorista do carro traseiro, mais temeroso que revoltado, perguntou-lhe timidamente, lá de baixo: “O senhor está bem ?”. O outro assentiu freneticamente com a cabeça. Convencido pelo sólido argumento, o segundo condutor pôs-se a degustar também a saborosa iguaria.


A cena acima poderia ter ocorrido numa bucólica estradinha rural, ou às margens de algum regato. Mas não. O fato se deu em ambiente urbano. E digo mais: os dois senhores não eram quaisquer senhores. Eram dois respeitáveis e vetustos senhores. Um deles, de paletó risca-de-giz, gravata com motivos florais, maleta 007, e o escambau. A bem da verdade, a maleta ficou dentro do carro. Mas que ele tinha uma maleta, ele tinha. Eu vi. Como viram as dezenas de pessoas que circulavam naquele hollywoodiano momento na ‘Alameda dos Ingás’. Que fica ali, no estacionamento atrás da biblioteca do Cedi. Sim, da Câmara. Dos Deputados. Se não acredita, dê um pulo para ver.


A esta altura, certamente os ingás já acabaram. Se ainda houver, observe o seu Francisco, da empresa Parceria. Ele movimenta uma vassoura. Perto dele, um latão. Ambos funcionam, alternadamente, como instrumentos de trabalho e de coleta extrativista. Aquele jovem ali, olhando para todos os lados, apanha disfarçadamente uma penca dos saborosos frutos. O ar de nem-te-ligo é para não pagar mico!!! Se lhe perguntar o nome da frutinha, ele dirá convictamente que não sabe. E de forma vacilante murmurará que são para sua mãe. Que é para ela recordar os tempos lá de Minas.


Olhe agora para a copa dos ingazeiros. Verá ali, numa concorrência desleal e predatória, bandos de estridentes periquitos se esbaldando com aquelas guloseimas. Responsáveis diretos pelas maldições lançadas por Dona Vitória, moradora de Ceilândia, que se dirigia até a parada de ônibus. Com a fome apertando - pois já passava de meio-dia - agachou-se para pegar o que parecia ser um suculento almoço vegetariano. Com desagradável surpresa, constata que a merenda está oca. O bem-bom devia estar no papo daquele periquito sem-vergonha!!!, cafajeste!!!... (e uma relação infindável de palavrões cabeludos).


Alguma dúvida de que a diversidade cultural e vocabular é a marca que distingue nosso hábitat legislativo?