Texto

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

 

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

 

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

 

ENTREVISTA COM LEÔNIDAS PIRES - PROGRAMA MEMÓRIA POLÍTICA

EVENTO: Entrevista                   

N°: ESP009/01

DATA: 16/11/2001

INÍCIO: 09h00min

TÉRMINO: 11h37min

DURAÇÃO: 02h37min

TEMPO DE GRAVAÇÃO:

PÁGINAS: 75

QUARTOS: 32

 

 

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

 

 

 

 

SUMÁRIO:

 

 

OBSERVAÇÕES

 

 

Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST 21/11/2008
            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)- General, eu queria que o senhor começasse contando como foi a sua infância, onde o senhor nasceu, como foi a sua formação, os primeiros estudos...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Olha, eu nasci na cidade de Cruz Alta, que fica no centro-norte do Rio Grande do Sul, terra de origem da família da minha mãe. O meu pai, que era médico, quando jovem foi trabalhar lá. Ele já era viúvo, um viúvo muito moço, quando conheceu minha mãe e casou-se com ela, em Cruz Alta. Lá eu nasci e vivi até os 2 anos de idade.

Então, por razões que eu hoje não sei exatamente quais foram, meu pai resolveu retornar a Porto Alegre. Foi na cidade de Porto Alegre que eu me criei, onde eu estudei. Estudei o primário e o secundário no Ginásio Anchieta, de jesuítas, que eu considero até hoje um grande colégio, que me deu muitos fundamentos, inclusive humanísticos.

Um belo dia eu chego em casa com um livreto e digo ao meu pai: “Pai, eu queria ir para esta escola”. Ele olhou, leu e disse assim: “Você quer ser soldado, meu filho?” “Quero, quero ser soldado”.

Meu pai era um homem muito flexível, muito inteligente, preparado também. Eu sempre achei que ele queria que eu fosse médico, como ele, aquela aspiração comum dos pais. Eu era o primogênito. Mas ele, com o maior entusiasmo, me propiciou todo o apoio de que eu precisava para ir para a escola militar — ainda não se chamava de academia militar.

Naquele tempo, era uma coisa distante. Isso foi nos idos de 1938. Não havia estrada de rodagem, não havia telefone. Para ir de Porto Alegre ao Rio de Janeiro, eram 3 dias e 3 noites de navio. A gente só se ligava efetivamente por carta de 10 em 10 dias, de 15 em 15 dias.

Eu deixei uma vida muito cômoda, uma vida de família de classe média boa, com automóvel e chofer, e fui andar de bonde. Mas, como eu era soldado vocacionado, eu não achava isso nada de mais. O meu objetivo era entrar na escola militar.

Fiz o exame, o primeiro concurso, em 1939. Naquela época, o exame para a escola militar era bastante difícil. Nós estávamos em plena época de guerra. A carreira militar tinha muitos atrativos. Eu me lembro de que éramos 1.850 candidatos para 200 vagas. Passaram apenas 200, e eu fui um dos que tiveram a boa chance de passar.

Ingressei na Escola Militar do Realengo no dia 1º de abril de 1939. Tive o privilégio de servir o Exército durante 51 anos, até o início do ano de 1990. Àqueles que me perguntam o que eu achei desse período, eu sempre digo, primeiro, que fui um homem feliz na minha carreira — ai de quem não tem estrela. Apesar das constantes mudanças, para cima e para baixo com a família, eu vivi um período que eu diria foi excepcional. Até faço um resumo meio jocoso: foi um céu. Porque sou um soldado vocacionado. Um soldado vocacionado tem no seu ânimo íntimo esse prazer na vida castrense, que a gente considera insubstituível.

Então foi esse o início da minha vida profissional.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – General...

(corte no áudio)

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - ... umas palavras da Escola Militar, antes, não é?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Claro.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Sua formação, os seus colegas...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Você sabe que eu fui de uma turma de privilegiados. Da minha turma de 110 oficiais há 3 Ministros de Estado. É privilegiada, não é?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Quais foram?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu, o Corsetti e o Haroldo Mattos.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Ah, eu me lembro, Ministro das Comunicações.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Os 2 são homens brilhantes. Mas militar fui só eu. Estrela, não é? Ai de quem não tem estrela. Já dizia Napoleão.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Pode continuar, por favor.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - O meu período na escola militar — é interessante — eu degustei bastante, mas não tenho muitas recordações, porque acho que foi um período simples. Não houve nenhum traumatismo de nenhuma natureza, nem política, nem nada. Então eu fiquei 4 anos na escola militar e, depois dos 4 anos, fui declarado aspirante a Oficial de Artilharia, em 1942. Aí fui mandado para servir no Rio Grande do Sul.

Na escola militar, tive grandes companheiros, rapazes de boa formação, absolutamente de todos os níveis sociais, mas todos eles merecedores de ter ingressado na escola, porque, como eu já disse, o exame não era fácil para entrar.

Entramos 200, saímos 110 aspirantes a Oficial. Desses 110, não que os outros 90 tenham sido cortados, é que uma grande parcela deles foi para a Aeronáutica, que tinha sido criada nessa época. Então nós perdemos uns companheiros que foram para a Aeronáutica. E desses 110, curiosamente, eu sempre digo, uma turma competente e feliz, porque em 110, 3 componentes dessa turma foram Ministros de Estado: Haroldo Mattos, Higino Corsetti, e eu, do Exército. Quer dizer, uma turma privilegiada.

Fui servir no Rio Grande do Sul, minha terra, inicialmente na cidade de Rio Grande, onde fiquei durante 2 anos estacionado nas praias, sem quartel. Foi uma vida bastante dura, mas que a gente assimilava com muita naturalidade, porque é aquilo que eu digo: soldado tem que estar preparado para isso. É o homem da adversidade. Eu repito muito esta frase: o soldado é o homem da adversidade, porque o nosso ofício maior, que é o combate, só é feito de adversidade. E ai de quem não tenha essa capacidade de enfrentar as adversidades!

Agora, a maior característica que um soldado tem que ter, também gosto de dizer quando alguém está me ouvindo, é a vocação, porque a nossa vida é uma vida muito áspera, muito dura, e quem não é vocacionado se desespera e segue descaminhos. Como a gente sabe, muitos companheiros nossos tiveram descaminhos.

Passados 2 anos, eu retornei para o Rio de Janeiro, onde fui servir inicialmente na Fortaleza de Santa Cruz, depois na Fortaleza de Copacabana. Nesse ínterim, o Brasil estava em guerra. Eu, junto com o companheiro — já falecido, aliás, há pouco tempo — chamado João Baptista Baeta de Faria, uma excelente figura de soldado e de homem, fizemos várias tentativas de voluntariado para a Força Expedicionária, mas nós éramos meros Segundos Tenentes, jogados lá no Rio Grande do Sul. Ninguém dava muita atenção para o fato de nós querermos ser voluntários.

Quando cheguei ao Rio, optei pelo seguinte: vou falar com meu ex-comandante da escola militar, General Álcio Souto, que foi um grande chefe que o Exército teve. Chegou a ser depois Chefe da Casa Militar do Presidente Dutra. Eu fui falar com ele, e realmente desse contato resultou que, como não haveria mais chance de mandar ninguém para a guerra, eu acabei como ajudante-de-ordens dele. Gosto de dizer isso porque ele teve muita influência na minha orientação profissional. Eu era um jovem com 23 para 24 anos e estive ao lado dele por 2 anos. Ele era um homem educador e mostrava as sendas corretas da vida profissional. Acho que ele teve bastante responsabilidade para que eu, que não tinha nenhum parente militar, entendesse o que era a vida militar. Depois, ele foi ser Chefe da Casa Militar do Presidente Dutra, e eu fui junto. Foi o meu primeiro bom observatório da vida política brasileira. Eu era jovem — já tinha 25 anos nessa época — e não era participante direto da Casa Militar, porque era apenas ajudante-de-ordens do Chefe da Casa Militar, mas era um jovem sedento de saber e de conhecer o que era a vida. Repito, foi o meu primeiro grande observatório da vida política brasileira. Aprendi muito nesses 2 anos lá.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General, o que o senhor observou nessa fase do Governo Dutra, da cassação dos comunistas? Foi uma fase também turbulenta, não é?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Olha, a fase não foi turbulenta, não. O que acontece é o seguinte: realmente, o Partido Comunista tinha acabado de ser legalizado em 1945. O General Álcio Souto, esse a que me refiro, repito, era um grande profissional, um grande soldado e uma grande figura humana. Ele era um anticomunista muito ativo e muito determinado. Eu o considero um dos responsáveis pelo fato de o Partido Comunista ter saído outra vez da legalidade. Isso aconteceu.

Eu participei — tive esse episódio histórico — da reunião do Congresso para a Constituição de 1946, e Álcio Souto, depois daquele episódio, fez tudo o que foi possível para colocar o Partido Comunista na ilegalidade, e conseguiu. Então essa foi a turbulência que eu vi, porque o Governo do Marechal Dutra é considerado um Governo tranqüilo do ponto de vista democrático, porque ele era um homem de autoridade e não deixou que as coisas descambassem.

Nós tínhamos passado por vários episódios duros antes do retorno da democracia, durante o período do Presidente Vargas, ditadura do Presidente Vargas, e o Dutra deu uma calmaria política ao Brasil. Eu acho que deu uma calmaria política ao Brasil.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, e qual era o argumento básico para o General Álcio, os militares de maneira geral, desejarem a volta à ilegalidade do Partido Comunista?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - O problema é o seguinte. A gente precisa entender o que houve com o sistema comunista no mundo. As idéias são de Marx e Engels, nós sabemos disso. Foram colocadas em prática na Rússia pelo Lênin. Depois do Lênin, assumiu, nós sabemos, o Stalin, que resolveu realmente implantar o comunismo na Rússia, a preço de milhões de vidas. Finalmente, com o Kruschev, veio a revolução mundial para a implantação do comunismo.

No período anterior ao de Kruschev, já tinha havido no Brasil, todos sabemos, aquela Intentona Comunista que vamos comemorar de novo no dia 27 de novembro, este mês ainda. Então nós tínhamos, em 1945, 1946... o Exército tinha recalques. Os oficiais mais antigos tinham recalques do que eles consideravam — e é verdadeiro — uma traição e uma atuação ilegal e até criminosa, porque muitos companheiros foram mortos naquele episódio. Então, um dos recalques que os oficiais mais antigos... Eu, em 1935, era um menino de pouca idade, não tinha muita noção disso. Mas o General Álcio Souto, que provavelmente conheceu as coisas melhor, por causa desse problema, não gostava da atuação comunista, porque a atuação comunista, nós sabemos, é internacionalista, e nós consideramos antipatriótica.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Qual foi o primeiro grande acontecimento político que o senhor presenciou, que teve impacto sobre a sua formação?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - O primeiro realmente foi o movimento que determinou a queda do Dr. Getúlio Vargas, em 1945, porque naquela época eu era ajudante-de-ordens do General Álcio Souto, e ele era o comandante dos blindados. O movimento democrático que então começou a crescer e vigorar no Brasil era conseqüência do retorno, de maneira bem genérica, mas verdadeira, da nossa Força Expedicionária Brasileira, que esteve na Europa combatendo o nazismo e combatendo o sistema ditatorial de Direita.

Então o que aconteceu? Começaram as aspirações democráticas contra a presença de um ditador. Eu assisti a essa movimentação toda em que indubitavelmente — e a História tem que dar mérito a isso — um dos homens responsáveis foi o General Álcio Souto, porque ele tinha um poder grande na mão. É a história do poder sobre a qual nós conversamos antes do início desta entrevista. Ele era o comandante da Divisão Blindada no Rio de Janeiro. Então, ele foi um dos responsáveis por aquela atuação. Tanto é verdade que, nesse período, logo depois da quebra do poder do Dr. Getúlio Vargas, quem esteve no Palácio Guanabara, para dizer ao Dr. Getúlio que, literalmente, ele estava preso, foi o General Álcio Souto, dizendo a ele que tinha o Palácio por mènage, em outras palavras, que ele estava preso.

            Esse episódio é narrado por alguns historiadores. Eu, que participei diretamente, digo que é narrado de maneira equivocada ou confusa, porque nesse lance específico, estiveram lá dentro do palácio o General Álcio Souto, o seu assistente, que era chefe do Estado-Maior, o Major Ernesto Geisel, e o Tenente Leônidas Pires Gonçalves. E nós tivemos contato direto com o Dr. Getúlio.

            Os historiadores contam que o contato do General Álcio Souto com ele foi pesado, com incriminações mútuas. Pura irrealidade: se trataram como 2 homens de estatura, 2 homens educados, 2 homens de respeitabilidade. Naturalmente, ele sempre tratou o General Álcio por Excelência e General, e o General o tratava por Presidente. Então, inventam muitas histórias por aí.

Nessa oportunidade eu fiquei impressionado, porque ele foi capaz de identificar — obviamente o General Álcio — o Major Ernesto Geisel, perguntando inclusive se ele tinha sido secretário na Paraíba. Para surpresa minha, me perguntou, depois que declarei meu nome, se eu era filho do médico Dr. Pires Gonçalves. Digo: “Sou”. Ele disse: “Fui amigo do seu pai de muitos anos, amigo de infância”. Vejam a memória daquele homem.

Finalmente, fiquei impressionado como ele acabou a conversa. O General Álcio perguntou para ele: “E agora, Presidente, o que o senhor vai fazer?”

Ele, que estava fumando um charuto, impecavelmente vestido, tirou uma baforada longa e respondeu: “Descansar”. Não era verdade. (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor conta em seu livro, depoimento (ininteligível), cita Bertold Brecht e diz “A verdade é filha do tempo”. O senhor contesta e faz uma afirmação polêmica, embora não seja... (ininteligível).

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - E eu considero isso uma verdade, porque é o seguinte: mais especificamente, quando eu me referi a isso, foi nas minhas doutrinações de ordem política internacional, porque está aí o mundo para mostrar. Isso de que a verdade é filha do tempo é filosofia. O que é verdade, na maioria das relações — nas internacionais, indubitavelmente —, é que a verdade é filha do poder.

O poder estabelece os itens da verdade. Por exemplo, eu digo sempre que atualmente nós temos estabelecido... Considero, não de maneira jocosa, mas para impactar, que estamos atualmente com novas tábuas mosaicas, que são mais ou menos os Dez Mandamentos que os poderosos do mundo querem que todos cumpram. São eles: a democracia; o mercado; a paz mundial por força internacional, portanto querem comandar; o controle de armas nucleares e armas químicas, e o controle dos 5 crimes chamados transnacionais, como o narcotráfico e o terrorismo.

Essa é uma idéia legítima, mas se trata de valores ocidentais, não de valores internacionais.

Eu, de uma feita, fazendo uma palestra sobre isso, uma senhora da embaixada americana me perguntou: “General, o senhor é contra esses Dez Mandamentos que o senhor chama de modernas tábuas mosaicas?”

Respondi: “Eu? Longe disso. Sou absolutamente a favor. Mas não se esqueça de uma coisa: eu sou filho cultural da democracia grega, do Império Romano, do Feudalismo, da Reforma, do Iluminismo e da Descoberta. O chinês não é. O Paquistanês não é.” Então, tais valores internacionais são ocidentais, o que eu sou, e eles não. Aí é que entra o que eu digo: a verdade é filha do poder.

            Os homens que mandam no mundo, os 7 grandes, agora G-8 — podemos já dizer que são 8 —, é que estabelecem essa verdade. Para nós, que somos ocidentais, ela é quase boa. Não é totalmente boa, porque faz restrições a um país como o nosso, por exemplo, que é emergente e que será grande. Ninguém vai barrar a nossa grandeza. Ninguém vai barrar. Ele perturba a nossa caminhada. Querer que a paz mundial seja feita por um exército internacional tira a nossa liberdade como nação. Não nos permitir a caminhada nuclear eu considero que não é uma coisa justa para um país do nosso tamanho, porque não somos um país pequeno. Temos todos os pré-requisitos geopolíticos para a grandeza, sejam eles riqueza, um grande mar aberto, ou um povo muito bom. A miscigenação nos caracteriza como um povo bom. Ainda não chegamos ao nível cultural que queremos, obviamente, mas nós vamos chegar lá. Não há um geopolítico internacional que não identifique o Brasil como uma futura potência mundial.

            Eu tenho uma experiência internacional que merece até ser citada. Fazendo uma visita à China, fui levado para um conjunto de faculdades que eles chamam de Universidade de Defesa, que lembra, estruturalmente, a nossa Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

            Fui levado à Faculdade de Estratégia. E me foi apresentado um estudo sobre estratégia mundial. Então, costumo dizer em minhas palestras que, quando eu prego que o Brasil vai ser grande, não é um problema de ufanismo brasileiro nem de coisa de menino de 18 anos, é racionalizado. E me repetiu isso nesse estudo o chinês. Foi um estudo muito bem feito. Uma hora de estudo, ponderando todos os aspectos do mundo. “Então, futuramente, teremos 4 grandes poderes no mundo”, dizia o doutrinador. “Dois já são os Estados Unidos e a Rússia”. Nessa época a Rússia não tinha sofrido nenhum solavanco. Mas não se engane, não. A Rússia ainda é um grande poder. Quem tem 25 mil artefatos atômicos ainda é um grande poder, haja vista a consideração que os Estados Unidos dão a ela. Então, dizia o chinês: “E 2 virão a ser, a China e o Brasil”.

            Que eu saiba, o chinês não é brasileiro. Então, não é ufanismo. É uma identificação das nossas possibilidades reais. É por aí.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor serviu no gabinete militar do Jânio e do Castelo?

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Certo. No gabinete do Jânio, a experiência foi interessante. Eu tinha um grande amigo, já falecido, o Coronel Marcelo Augusto Romero da Rosa. Ele era um homem muito ativo e inteligente, muito determinado. Sempre teve maior influência do que a hierarquia. E ele se transformou, quando serviu na cidade de São Paulo, em amigo do Jânio. E ele foi o homem mais ligado a mim de origem, porque somos da mesma turma da Escola Militar do Realengo.

            Então, quando o Jânio foi assumir, nós nos reunimos, e ele, com outros oficiais, estava assessorando o Jânio Quadros na contagem do Governo militar. Nós, então, acabamos sendo membros da Casa Militar por causa disso. E tínhamos muita influência — por incrível que pareça é uma realidade — na designação dos membros da Casa Militar.

            A experiência foi interessante. Nós éramos muito animados. O Jânio até se aproximava da nossa geração, era 2 ou 3 anos só mais do que nós. Então, nós tínhamos muita facilidade de entendê-lo, até o momento em que ele resolveu renunciar.

            Eu acho que a renúncia do Jânio, no meu entender...

Hoje o Almirante e Governador Floriano Faria Lima tem escrito quase hora a hora aquele episódio, e a maior parte com a minha letra, porque era eu quem registrava tudo. Ele ainda não deu divulgação disso. Eu acho que todo o mundo diz uma coisa que não é verdadeira. O Jânio não queria dar golpe nenhum.

            Eu acho que o golpe pregado depois da renúncia é um artifício político de seus seguidores porque estavam entre 2 opções: ou ele tinha dado o golpe, e saiu errado, que é um fato reversível; ou ele tinha dado o golpe porque era um descontrolado, um irresponsável, que é um fato irreversível. “Entre os 2, por qual optar?”, pensariam os políticos com seu pragmatismo? “Vamos optar pela idéia de que ele queria dar um golpe e não deu certo. Então, nós podemos voltar.” E voltaram. Tanto que ele voltou para o Governo da Prefeitura.

            Para mim, foi uma irresponsabilidade, porque ninguém dá golpe sem a participação de alguém. Nós conhecemos cada minuto das coisas que ocorreram, inclusive depois que ele chegou a São Paulo. Foi tudo registrado. Casualmente, quando ele foi para São Paulo, ele foi para a casa do irmão do Floriano Faria Lima, que era o Coronel Roberto, do Comando da Base de Cumbica.

            Tenho um grande amigo, um homem muito culto e preparado, que se chama Edison Prado, que durante muitos anos foi professor do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra. O tema do seu mestrado e doutorado político nos Estados Unidos foi a tese de que Jânio Quadros queria dar um golpe e deu errado. Nós nunca nos entendemos por isso. Eu estou convicto — digo isto porque vivi ao lado do Jânio — de que realmente ele não era um homem equilibrado. Ele era um grande artista político. Ele sabia manusear a opinião pública, aquelas coisas dele, mas não foi o responsável. Pode até ser um vezo de soldado porque missão, para nós, é coisa sagrada, vamos até o fim.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Castelinho, que foi Secretário de Imprensa, publicou um livro, que eu tenho lá em casa, de memórias só sobre esse fato. Então, Castelinho sustenta que era... Ele não disse que é um golpe. Ele não fala disso.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mentira.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele disse que o Jânio queria voltar ao poder nos braços do povo.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Isso é clichê inventado por essa razão que eu estou explicando. Esse é o meu ponto de vista. Para mim, é clichê inventado. Porque tanto foi mal-avaliado por ele que não houve nenhum movimento nesse sentido. Nenhum movimento nesse sentido.

            Ele, que sabia manusear tão bem o povo, não ia cometer um erro tão grave como ele cometeu. É porque ele não queria mesmo. Ele ficou chocado com alguma coisa.

            Eu convivi nessa época muito com o Castelinho, daí por que tenho boa amizade com ele e com o meu querido amigo — realmente meu amigo até hoje — que se chama José Aparecido. É uma figura singular o José Aparecido, com quem eu me dou muito bem. Nós temos uma amizade bastante sólida, às vezes com pontos de vista diferentes, mas isso é secundário. Até é bom para a gente ter motivo de conversa quando estamos juntos.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Então, o senhor acha que forças ocultas seriam o quê?

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Forças ocultas eram a cabeça dele, que não estava bem no lugar.

            Eu digo isso com convicção. E até a figura de Jânio Quadros nunca foi desprezível para mim. Absolutamente. Ele era uma pessoa tão interessante... Quando servi com ele, eu era major. Passados uns anos, eu era Ministro do Exército, ele foi ao meu gabinete para me visitar. E aí disse para mim: “General, eu precisava que o senhor me desse um homem para uma área específica, para uma Secretaria específica lá em São Paulo”.

            Depois, na hora de ir embora, eu disse: “Olha, Prefeito, dentro de 48 horas eu lhe mando uma lista tríplice”. E ele: “Não, senhor, mande um nome”. Eu mandei um nome e ele nomeou. (Risos.) Esse era o jeito dele.

            Agora, realmente eu lamento ele ter ido embora, porque ele perdeu uma grande oportunidade de ajeitar o Brasil — perdeu —, embora sua visão não fosse nacional. Ele tinha uma visão muito provinciana. Muito provinciana.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O General Cordeiro contou aquele negócio de invasão da Guiana em 68.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É verdade.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O General Cordeiro me contou que ele era brilhante. Ele chamou os Ministros militares para fazer uma exposição porque o Cheddi Jagan tinha ganho o poder na Guiana Inglesa. Ele era de origem indiana. E os ingleses dividiram entre os hindus e os negros para eles terem o poder lá. E o Jânio Quadros fez uma exposição para os Ministros militares ...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - O Jânio?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Jânio Quadros.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Olhe aqui, quem sou eu para contestar qualquer coisa desse chefe tão respeitado e que estamos homenageando, o General Cordeiro de Farias, mas eu nunca ouvi falar dessa reunião. Eu vi, sim, o bilhete, porque quem recebia os bilhetes éramos nós. Eu era, nessa oportunidade, o assistente do Chefe da Casa Militar, o General Pedro Geraldo de Almeida; nós que recebemos o bilhetinho. O que eu recebi foi o bilhetinho. Uma coisa dessas tão importante colocada num bilhetinho não é do meu gosto. Eu depois tive funções importantes e sei que um chefe, do nível de Ministro — muito menos que Ministro — não dá ordens através de bilhetinhos. Não é do meu gosto, não.

Eu não sei se essa reunião houve. Estou respeitando. Tanto que quando o bilhete veio, nós o congelamos. Claro! Não tinha cabimento uma coisa dessas.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Segredo de estado.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Claro! E o bilhete é verdadeiro. Então, a surpresa da renúncia dele foi muito grande. Eu lembro que um oficial do Gabinete da Marinha me telefonou. Eu era, vamos dizer, o homem da hierarquia menor — major — que tinha a maior influência, porque era o assistente do Chefe da Casa Militar.

Ele me telefonou e disse: “Leônidas, está acontecendo uma coisa estranha aqui, porque o Presidente queimou uns papéis e está indo embora para o aeroporto”. Ninguém sabia disso na Casa Militar. Nós é que fazíamos todos os planejamentos de viagens dele.

Eu achei estranho aquilo. O General Pedro Geraldo não estava em seu gabinete. Eu peguei o telefone e falei com o Comandante da Aeronáutica, o Coronel Bordeaux. Ele respondeu: “Não. Não tem coisa nenhuma, pois eu que organizo as viagens. Não tem coisa nenhuma”. Aí ele pegou o telefone — ainda era telefone de parede, com manivela — e telefonou para a base. Eles disseram: “É verdade, sim. O avião está na cabeceira da pista decolando”. Ninguém sabia disso no Gabinete Militar. Como ninguém soube, no Gabinete Militar — ninguém soube! — quando ele condecorou o Che Guevara. Ele escondeu.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Qual era o objetivo?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu costumo dizer que ele tinha umas atitudes — eu uso uma expressão suave — de falta de equilíbrio. Por que ele escondeu de nós? Ele ouvia muito a Casa Militar, mas quando ele queria fazer alguma coisa que ele sabia que a Casa Militar não ia concordar, ele escondia. Nós não íamos concordar com a condecoração de Che Guevara.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Segundo o General Cordeiro, nessa exposição -- ele disse que isto é fato, o Cordeiro me contou aqui na firma do João Santos —, ele sustentou a seguinte tese: “A eleição de Cheddi Jagan pode provocar uma intervenção americana em nossas costas. Seria uma desmoralização para nós. Nós temos que nos antecipar”.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Se o General disse isso, está bem. Eu tinha ciência de tudo o que acontecia, exceto da renúncia dele. O Chefe da Casa Militar sabia tudo. O homem com quem ele conversa é sempre o assistente. E eu não era nenhum desconhecido do General Pedro Geraldo. Nós servimos juntos no Rio Grande do Sul. Eu era um homem muito ligado a ele, vamos dizer, um homem de confiança dele. E ele nunca me relatou uma coisa dessas. Eu não estou negando — quem sou eu para dizer alguma coisa diferente do que disse o General Cordeiro —, mas eu nunca tomei conhecimento disso.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, como os militares, que eram tão prestigiados pelo Jânio — essa elite que trabalhava no Gabinete Militar — receberam a notícia da renúncia e o que os senhores fizeram a partir daí?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Bom, quando recebemos a notícia, ele já estava no ar voando, não havia mais nada para fazer. Não havia mais nada para fazer. Eu sempre disse, na audácia de major: se eu fosse Ministro, ele não saía. Eu dizia quando era major, não agora. Estou dizendo que naquele tempo eu dizia isso. Se eu fosse um dos 3 Ministros, eu o teria “peitado” para ele não sair, por causa das conseqüências negativas. Agora, nós não tínhamos o que fazer. O que nós fomos fazer foi o seguinte: arrumar nossas malas para ver para onde nós iríamos.

O homem tinha ido embora. Quando soubemos, ele já estava decolando, como eu disse aqui. O gabinete ficou acéfalo. Quanto àquela história de que encontraram um conjunto de servidores civis rindo às gargalhadas e coisa e tal, não sei qual é a verdade daquilo. Eu só noto que também os componentes da Casa Civil não esperaram ele ser trazido pelo povo ao poder, todo o mundo já estava tomando caminho. Então, é a prova de que... Estava todo o mundo tomando caminho já também.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor não tomou conhecimento nem participou de alguma forma dessas negociações dramáticas que envolveram a volta do Jango da China?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Bom, esse é outro episódio. Essa parte do Jango na China nós, por exemplo... O Governo... Perdão, a Casa Militar e coisa e tal foram desfeitas, cada um foi para algum lugar. Então, essa outra parte já começou a ser comandada por escalões mais altos do Exército. Eu sempre digo: estou dizendo coisas que eu vivi. Eu não vivi nada desse episódio do Jango na China. Em relação ao problema do Jango na China, a gente sabe o que determinou aquele trauma todo. Houve aquele trauma todo porque realmente o pessoal achava que a posição do Jango era legal, mas não era legítima. Legal porque, de acordo com a Constituição, quem tem que ser é o... Mas ele tinha sido eleito, nem por maioria de voto, numa tríplice disputa. Então, a gente achava que o Jango... E ninguém acreditava muito nas possibilidades do Jango. Eu sempre digo assim: o João Goulart, para mim, sempre foi um ungido, as qualificações dele eram ter sido ungido pelo Dr. Getúlio Vargas. Como pessoa humana, ele era bom, mas qualificações para ser um Presidente do Brasil, que precisa ter qualificações de estadista, eu não via isso nele também. Foi daí que começou a coisa.

Agora, não tive participação nem ciência exata do que aconteceu, porque fugiu da nossa hierarquia, nós saímos da Presidência da República, e passou à mão dos chefes maiores.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Essa intolerância ao Jango era um consenso no meio militar?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Completamente consenso, completamente consenso. Era consenso. Aí que está o problema. O Jango desde logo começou a se ligar a gente que nós sabíamos estava querendo caminhar numa direção que considerávamos equivocada. A partir de 1961, ele começou a se ligar a elas, e veio a acabar na Revolução de 1964.

Aqueles episódios — não vou relatar todos eles porque seria monótono — que começaram a espocar nos davam ciência de que o Jango tinha sido envolvido por uma esquerda que queria transformar o Brasil num país marxista-leninista, indubitavelmente. E nós tínhamos a plena... Primeiro, os recalques de 1935; depois, a convicção de que aquilo era contra a índole do povo brasileiro. Eu sempre digo: nós, das Forças Armadas — e eu digo o Exército, porque nós sempre tínhamos preponderância —, sempre tivemos um faro muito grande, um faro político de saber que o comunismo era um embuste, que se provou assim, afinal, na segunda metade do século 20. Aquilo era um embuste, não era verdade. E nós tivemos esse faro político. Eu peço sempre que a sociedade brasileira nos faça justiça, porque nunca admitimos ditaduras no Brasil, quer de direita, quer de esquerda. Por isso que nós participamos da derrubada do Dr. Getúlio e depois participamos também da derrubada do Jango, com seus assessores.

Ficam contando outras histórias, mas a verdade é esta — todo o mundo cita a frase do Prestes: “Já estamos no Governo, só nos falta o poder” —: ficou caracterizado que eles queriam fazer um governo comunista no Brasil, e as Forças Armadas sempre foram contra isso. Alguém pode dizer assim: “Bom, foram contra isso, mas os senhores depois fizeram 20 anos de ditadura”. Nós fomos levados a fazer 20 anos de ditadura.

Eu fui ligado ao General Castello, tive esse privilégio no período em que fui instrutor da nossa Escola de Comando de Estado-Maior, quando o conheci — já o conhecia, obviamente, mas tive a oportunidade de me aproximar dele. Era um homem — para repetir o conceito que todos têm — culto, preparado, um estadista, impoluto, com conduta pessoal impecável, respeitado e respeitável. E o General Castello Branco, quando viu aqueles episódios todos ocorrerem...

É interessante dizer isto: o Exército, a Marinha e a Aeronáutica sempre quiseram realizar a queda do Jango, mas nós andávamos à procura de um líder. Hoje, conversando com um amigo, nós falamos sobre o Tenentismo. E é interessante isso. O Tenentismo é um movimento tão incensado assim, mas a minha geração não gostava daquilo, não, porque nós considerávamos quebra de hierarquia. Eu nunca fui impressionado, nem os meus companheiros de geração, por aquele movimento.

Uma das razões por que em 1964 fomos atrás de um líder que realmente fosse capaz de liderar a Revolução de 64 foi esta: nós não queríamos a quebra da hierarquia. Isso porque a quebra da hierarquia é um perigo, depois acaba como aconteceu lá em Cuba, com os Batistas da vida. Começa um general, depois quem comanda é um coronel, do coronel cai para um tenente, e acaba um sargento tomando conta.

Então, nós fizemos essa escolha do General Castello. E os senhores sabem muito bem que o General Castello jamais tinha participado de uma revolução. O General Castello foi um homem legalista a vida inteira. Então, eu me perguntei e dei a resposta: por que o General Castello concordou em liderar a Revolução de 64? O primeiro motivo foi o problema da quebra da hierarquia e da disciplina. Enfim, isso foi o último momento. A verdade é que a Revolução de 64 não foi política, foi uma revolução ideológica. E foi por isso que ele ingressou na Revolução de 64. Esse é o meu ponto de vista. Se fosse uma revolução política, eu tenho certeza de que ele seria contra, como foi contra sempre. Mas quando ele viu que o problema não era político-partidário, e sim um problema ideológico, e que a ideologia que iria se implantar no Brasil era contra as nossas características, contra as características do nosso povo, dos nossos desejos, ele tomou para si a responsabilidade e o fez de maneira bastante prudente, na minha opinião.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, General, se o senhor me permite, eu fui repórter naquele tempo aqui. Eles não tinham armas, não tinham poder nenhum para dar golpe. O Jango era um homem fraco, todo mundo sabe disso. As organizações sindicais não tinham poder para isso. Aquilo ali foi um grande porre nacional. Aquilo não tinha esse poder...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas o que acontece é o seguinte: eles já estavam envolvendo algumas facções do Exército, as facções que, por ambição pessoal, já estavam dando cobertura. Aí que está o problema.

            Agora, aquele movimento deles é um movimento típico. Você sabe que o comunismo obteve sempre as suas conquistas por 2 linhas, uma militar, que é essa que você está dizendo que eles não tinham, mas há a outra, a política. Muitos países da Cortina foram conquistados pela linha política, porque eles queriam fazer a conquista. Essa é a resposta que eu te dou. É a linha do... E, afinal, o Gramsci  se pregava, etc. e tal. É a linha política.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu me lembro. Até nós estávamos conversando, o Ivan e a Ana. Eu estava na assembléia dos sargentos, no clube....

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Automóvel Clube.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Automóvel Clube. Eu era repórter do Jornal do Brasil, o Gen. Assis Brasil e o Abelardo Jurema estavam ao lado do Jango, de quem eu gostava, era uma pessoa muito cordata, muito simples, e até afetuosa, como todo gaúcho. E eu me aproximei. Eu disse: “General — o Assis Brasil vermelho —, e o dispositivo militar?”

O nosso papel é cobrar, é provocar. Eu queria uma frase. Aí ele disse assim: “É só apertar um botão”.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Para você ver como eles tinham esperança, porque eles estavam com algumas ligações. Agora, nós, quando digo nós, é a geração nova, majores, tenentes-coronéis e alguns coronéis, nós vínhamos trabalhando há tempo no problema. Sempre esbarrávamos com uma liderança. Aí me perguntam: “Mas o Exército não tinha grandes generais e bons líderes?” Eu digo: “Tinha”. Mas nós não estamos satisfeitos ainda com os considerados, nós queríamos era o Castelo.

O Castelo foi um homem interessante, porque o Castelo eu conheci, eu era cadete e ele era major instrutor de tática na Escola de Estado Maior. Já tinha auréola de grande oficial. Nós já olhávamos aquele homem, porque ele nunca foi beneficiado pelo aspecto físico, mas se deixasse conversar estava envolvido.

Ele passava naquele pátio: “Lá vai o Castelo, lá vai o Castelo”. Ele era major. Depois, ele foi para a FEB. Sabe que na FEB, realmente, do ponto de vista operacional, quem comandava a Força Expedicionária Brasileira era ele, era tenente-coronel e coronel. A gente, que conhece bem a nossa hierarquia, sabe quanto de qualificações, de competência precisa ter um oficial para se projetar como tenente-coronel e coronel num ambiente de guerra como ele se projetou. O ataque do Monte Castelo, da vitória, foi planejado integralmente por ele.

Então, quando ele voltou, realmente, ele era um homem bastante conhecido, bastante respeitado. Foi promovido a general, começou a ter as suas missões e foi comandante da Escola de Estado Maior, onde eu tive o privilégio de servir com ele e aprendi muito com ele e onde eu tive também a possibilidade de me aproximar mais dele. E sempre a sua capacidade de transmitir idéias, de transmitir pensamentos, de transmitir orientações era apreciada e respeitada. Então, quando chegou nessa hora grave, nós sempre desejamos que o Castelo fosse o nosso líder. E conseguimos. Vou passar a repetir: quando ele se convenceu que a revolução não era uma revolução política e, sim, uma revolução ideológica.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - General, é que o Gen. Castelo, embora tenha sido o primeiro Presidente e esse líder que os militares que fizeram 64 procuravam, não era o verdadeiro comandante e sim o Gen. Costa e Silva.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, você está equivocado.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Aí depois se impôs...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Bom, o problema é o seguinte, ele era o verdadeiro comandante sim. Só que a revolução, nós últimos momentos, teve mais de um núcleo, mas o núcleo que comandou a revolução realmente era formado pelo Gen. Castelo, o Gen. Ernesto Geisel, o Gen. Ademar de Queiroz e Gen. Golbery e uma série de alguns coronéis, entre os quais está o Ivan Mendes, eu, e outros mais que não vale a pena citar, Murilo, etc. Esse conjunto é que realmente comandava.

O Gen. Castelo, o que aconteceu foi o seguinte, eu assisti à cena: depois que a revolução venceu, estávamos reunidos no Estado Maior do Exército fazendo os acertos para os comandos. Nessa oportunidade, o Gen. Orlando Geisel chegou ao hall do andar do Estado-Maior do Exército, escolheu meia dúzia de oficiais para levar com ele para assumir o comando da Vila Militar. E eu fui para lá, junto com (ininteligível). Mas antes de eu ir para lá, eu assisti a uma cena interessante: a cena que se discutia as missões. É interessante, a gente precisa entender a personalidade dos homens. Eu devo dizer para os senhores que uma coisa é história, uma coisa é narração, mas na hora da verdade a coisa é complicada. É complicado tomar decisões na hora da verdade.

Então, na hora da verdade, as personalidades eram o seguinte... O Gen. Costa e Silva era um homem denodado, era um homem agressivo, era um gauchão de boa cepa. Sempre digo: ele era um homem corajoso. E na hora da divisão, a certa altura ele disse: “Eu sou mais antigo, eu vou tomar conta disso”. Mas a revolução já estava ganha e sedimentada. E tomou conta da revolução propriamente dita. Por quê? Porque o general citado por nós, o Cordeiro de Farias, não estava presente, que seria mais antigo do que ele. É problema da hierarquia militar.

Mas ele tomou essa decisão e foi fazer os atos institucionais, etc. e tal. E os outros 4 homens que sempre estiveram juntos, o Castelo, o Golberi, o Gen. Geisel e Gen. Ademar, fizeram uma manobra política e fizeram o Castelo Presidente. Então, um ficou encarregado da parte executiva da revolução e outro ficou encarregado da parte política, para chegar ao comando institucionalizado. Essa foi a manobra. Agora, do meu ponto de vista, eu acho que a maior repercussão, o maior comando, até a revolução ser vitoriosa, foi de Castelo Branco.

Está respondida a sua pergunta?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Sem dúvida, o grupo mais intelectualizado do Exército foi o do Gen. Castelo Branco.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Claro.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Para complementar a pergunta sobre a resposta que o senhor nos deu, como o senhor analisa esse período do Governo Castelo Branco e, sobretudo, a sucessão, que talvez não tenha sido a que o Presidente Castelo Branco gostaria.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu acho que sim. Eu acho que o Castelo — que Deus o tenha na sua grandeza —, na minha opinião, eu tenho a coragem histórica de dizer isso, ele cometeu o erro, se é que estou correto, de acabar o mandato. Não tinha nada de acabar o mandato.

O que seria ideal para o Brasil e para os nossos propósitos era João Castelo ter iniciado um período de 6 anos, tempo em que poderia ter marcado o que nós desejávamos. Eu, que conhecia João Castelo, convivia com ele, tinha convivência diária com ele, sabia bem das idéias de João Castelo. O João Castelo nunca imaginou... Aliás, tinha horror à ditadura. Tanto é verdade que uma das condições para ele assumir ele queria uma votação no Legislativo. Foi a condição que ele estabeleceu, mas erradamente quis acabar o período do Jango.

Já que a revolução era uma coisa que podia se institucionalizar propriamente, devia ter começado 6 anos, atingir os objetivos aí e, no fim de 6 anos, acabar. Essa eu tenho quase a convicção de que era a idéia de João Castelo e a da maioria dos que o cercavam, inclusive eu, pessoalmente, sempre achei isso.

E acho que os 21 anos que tivemos aí foram de descaminhos, que, na minha opinião, nos onerou muito historicamente. Agora, nós não somos culpados por isso. O que acontece é que as forças antagonistas começaram a nos fustigar de tal maneira que nós fomos obrigados a fazer atuações sistemáticas para neutralizá-las. E nessas atuações sistemáticas o tempo foi se prolongando.

Agora, o Governo do Gen. Castelo eu considero um governo brilhante. A frase do Gen. Castelo que eu mais gosto e aprecio foi quando ele deixou o Governo e disse uma coisa que é verdade: “Eu encontrei impasses e deixei opções”. Ele deixou todas as opções de grandeza para o Brasil. Se nós não soubemos aproveitar, a culpa é de nós todos, mas ele realmente deixou opções brilhantes.

Acho e concordo com quem me interrogou, que realmente eu não imagino que o Gen. Castelo tivesse a preferência, no que ocorreu depois, para o seu substituto, embora ele e o Gen. Costa e Silva fossem homens de grande amizade pessoal. Eles tiveram juntos no Colégio Militar de Porto Alegre desde os 12 anos de idade.

Eu sempre conto que assisti a uma frase interessantíssima do Gen. Costa e Silva para o Gen. Castelo. Entrávamos no avião para ir a Brasília, e sempre tinha aquela parte separada, onde o Gen. Castelo se sentava com alguém importante que estava junto com ele. E passávamos no corredor para sentar lá trás. Quando passei, ouvi nitidamente — isso é uma verdade histórica — o Gen. Costa e Silva dizer: “Castelo, você é um grande homem.” Que homenagem de um amigo dizer para o outro: “Você, realmente, é um grande homem”. Então, por preferência — e preferência não se discute —, dizem que a preferência dele era ora o Bilac Pinto, ora o Juracy Magalhães. Não sei, porque também eu era membro da Casa Militar do Castelo, assistente do Chefe da Casa Militar, que era o General Ernesto Geisel, mas nós não tínhamos acesso a esse tipo de confidência. Então, eu acho que...

Agora, aí vem o problema das condições humanas. Os homens que cercavam o Gen. Costa e Silva, mais do que ele, achavam que lhe cabia a Presidência da República. Essa é a condição humana. A condição humana é essa mesma. Queremos ter poder e vamos em busca do poder. E eles, então, quase que atritaram as forças revolucionárias, chegaram a...

O senhor podia perguntar: “General, como é esse detalhe?” Não posso dizer. Sabe por quê? Porque, nessa oportunidade, eu era adido militar fora do Brasil.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eram 2 que estavam dentro do gabinete do Ministro da Guerra de então, chamava-se Ministério da Guerra: o Cel. Jaime Portela de Melo, depois general-de-brigada, o Portelinha, e de outro lado, também muito ativo, envolvente e simpático, homem bonito...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Andreazza.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mário David Andreazza. Eram os 2. Agora, eu me lembro do seguinte: esse grupo, o senhor tem razão, era o grupo realmente mais civilizado. Agora, a maior parte do Exército era de trupie, e o Costa e Silva representava os trupies. Era considerado um homem bravo, pessoalmente bravo,...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - E é justiça isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... de bom trato, muito astuto.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Muito. Inteligente. Fazem brincadeira com ele, mas ele era um homem inteligente, indubitavelmente. Basta dizer que ele era o primeiro aluno da turma dele.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Eu me lembro de que o Castelo fez o Gen. Cordeiro ter aquela...

            (Intervenção fora do microfone. Corte no áudio.)

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - ...Não, não. O bando negro era o Brasil se transformar numa república de sindicato comunista — essa é a verdade — e mandada por aqueles homens que não tinham nenhuma característica, mas tinham a agressividade dos... Como é o nome daqueles...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - (Fora do microfone. Ininteligível.)

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É aquela gente. Esse é o grande... Por que assim... Há uma anedota muito interessante que se conta de um pensador russo. Perguntaram a ele como era na Rússia. E ele disse que na Rússia era o seguinte: faz de conta que o dourado é a nobreza; aqui, a classe média e, aqui, a enxurrada. O que aconteceu foi isso. Era do que nós tínhamos medo também: que a enxurrada fosse para a frente do Brasil. Quem comandou a Rússia no começo foi a enxurrada, inclusive um homem que tinha codinome. Lenin tinha codinome. O nome dele nem era esse.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas nessa escala desse abridor de carta, onde fica o povo?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - No meio. O que ele falava estava aqui. Ele se defendeu, pegaram aqui, inverteram. Ele disse que a enxurrada trouxe para cima a pior coisa do... Realmente...

 O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor sabe que o Felinto era um anticomunista.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Sei.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Felinto dizia que essa enxurrada eram os intelectuais.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não. Olha, o que acontece é o seguinte: há 2 tipos de comunismo, inclusive para o meio atuante. Há os que eu chamo de subversivos de beca e os subversivos travestidos de tudo o que for possível para ficarem absolutamente com o low profile. Então, os intelectuais têm muita responsabilidade, mas o que efetiva as coisas é a enxurrada.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quem organizou o Exército mesmo?

(corte no áudio.)

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - ...Quando eu voltei, todo mundo sabia que eu era o homem da área do Gen. Castelo. Quando eu encontrava alguém que tinha sido o nosso companheiro, mas que estava na área do..., eu notava uma certa restrição. E eu dizia: “Mas vem cá, o que está acontecendo?” Porque eu não tinha vivido aquilo. Mas aí a coisa também se aplainou depois. As coisas se aplainaram.

Agora, para o meu gosto, eu sempre acho que a solução teria sido o Gen. Castelo fazer um governo de 6 anos, e a revolução acabar naquele mandato.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General, o senhor me desculpe a interrupção, mas, em relação a isso, eu tenho um certo conhecimento, não tenho o que o senhor tem, porque o senhor estava lá dentro.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Claro, claro.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas a convicção que havia era a de que o Castelo, esse intelectual, não representava... O grupo dele era um grupo minoritário dentro do Exército, como todo grupo de elite. Agora, o Costa e Silva e seus trupies representavam a grande maioria do Exército. Então, o senhor veja o seguinte, só uma coisa para o senhor se lembrar. Eu acho que isso aí... Só para ajudar o senhor a narrar. Quando o Costa e Silva abafou aquela rebelião contra o Castelo... A rebelião era para derrubar o Castelo. O Pitaluga, com os tanques em Campinho, o Rafael de Almeida Magalhães e o Carlos Lacerda conspirando com os militares para tentar derrubar o Castelo. A verdade é essa.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É verdade, é verdade.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A verdade histórica. O Costa e Silva foi lá e abafou a rebelião no grito. Naquela hora, ele foi eleito Presidente da República.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Na verdade, eu não nego esse episódio. Embora tenha dito que eu não vivi o episódio porque não estava aqui, mas eu sei que isso aconteceu. Foi‑me relatado.

            Realmente, o que acontece é que... Eu acho que o Gen. Costa e Silva, até por sua participação na revolução, tinha méritos históricos para chegar lá. Eu acho que ele tinha méritos. Eu digo agora, analisando friamente. Inclusive, estou analisando, agora, friamente. Eu acho que ele tinha méritos históricos para chegar lá. Eu não sei por que não queriam que ele fosse. E eu acho que essa preferência do Gen. Castelo não era anti‑Costa e Silva. É que ele sabia que Costa e Silva significava ainda a permanência da revolução que ele não queria mais. Ele queria botar um civil para a coisa abrandar, para a coisa voltar muito antes à democracia, que sempre foi o objetivo da revolução.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas será que a doença de Costa e Silva não foi porque ele já estava deposto, não? Costa e Silva adoeceu depois de deposto, sob grande pressão?

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Pois é. Também não conheço bem essa coisa. De uma feita, no livro do Florestan Fernandes, perguntaram-me como eu fazia a comparação entre os 2. Eu disse que, para ser justo, não dá para fazer comparação entre o Gen. Castelo e o coisa. Não sei se recordam disso. Quando o Gen. Castelo assumiu, ele era um homem hígido, com a cabeça perfeitamente no lugar; o Gen. Costa e Silva, que sempre foi um homem inteligente, apesar de fazerem maldades com ele, quando assumiu, era um homem doente, inclusive já estava sem suas habilitações, inclusive tem que usar é na plenitude. Então, não dá para comparar 2 homens nessa situação. E acho que no episódio da revolução propriamente dita, todos os 2 tiveram uma atuação de destaque e que somou para que a vitória da revolução de 64 existisse.

Por isso que eu digo: hoje — não é naquela época, porque eu não vivi a época, não estava no Brasil, como disse — eu acho que ele tinha mérito histórico para ser o sucessor.

Julgo que a facção do Gen. Castelo Branco não desejava — parece que isso ficou bem nítido — porque não queria mais prosseguir com a revolução, e Costa e Silva significava revolução. Este é o meu ponto de vista atual.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor não respondeu à pergunta. Quando o Gen. Costa e Silva teve um insulto cerebral, ele já estava deposto?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, ele não estava deposto. O problema dele foi todo em função da doença. A doença é que determinou as coisas, porque realmente ele perdeu a capacidade de comandar. Ele perdeu a capacidade de comandar. Então, vejam. É a velha história que eu digo, para nós — eu digo nós porque eu tenho essa idéia —, tudo que subverte a hierarquia não é de nosso agrado, nós repudiamos sempre. Então, quem é que ia mandar gente que não era o titular? É essa a reposta que eu te dou. Nós não gostamos que... Se o Gen. Costa e Silva ... Repare bem. As atitudes que o Costa e Silva tomou no início do governo foram boas. Ele era um homem humano, era um homem acessível. Agora, dizem — quem diz isso é o Dr. Rinaldo delamare. O Rinaldo disse que, quando foi eleito, ele já estava doente, mas estava no início. Não sei se era realidade isso. De qualquer maneira, foi uma falta de sorte individual dele e uma falta de sorte do Brasil.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - General, o  Rinaldo Delamare era o pediatra?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Rinaldo Delamare é um médico.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Pediatra?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Pediatra. Ele me disse... Ele se dava muito com... era muito amigo do Andreazza. Então ele disse um dia. “Sabe, na verdade, general, quando o Gen. Costa e Silva foi eleito, ele já estava doente”. Mas no início.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Na revolução entrou o Castelo, o regime foi recrudescendo, evoluiu, passou pelo Costa e Silva e chegou ao Médici. Era intenção, exatamente, de fortalecer, de endurecer?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu já entendi a sua pergunta. Vamos voltar um passo para ver como era. Eu sempre digo assim: a revolução de 64 foi vitoriosa. Na verdade, no episódio e nos anos que se seguiram não houve nenhuma violência nem por parte dos revolucionários. Não houve nenhuma morte. Veja bem. O que nós adotamos? Nós adotamos tirar os direitos políticos e fazer a cassação. Ora, essas medidas eu considero altamente civilizadas. Por quê? Porque elas são milenares. É o ostracismo da Grécia e o banimento de Roma. Há 2 mil anos já se fazia isso. Não houve nenhuma morte. A gente precisa lembrar isso. Há livros e livros aí contando. Como é que começou a violência que houve? Começou, na realidade, no primeiro ato de violência, que foi um terrorismo não pontual, e sim um terrorismo indiscriminado, foi a bomba no aeroporto de Guararapes.

A bomba do aeroporto de Guararapes, se os senhores não estão lembrados, eu relembro agora. Foi o seguinte: estava sendo esperado, de avião, o Gen. Costa e Silva, que era candidato. Houve um problema técnico no avião, por isso não pôde decolar. Então, ele veio de carro. A bomba estava no aeroporto, e o aeroporto ficou vazio por esse motivo, e ele não ia pousar lá. Quando a bomba detonou, matou o Almirante Fernandes, matou um colega dos senhores, o jornalista Régis, e feriu, se não me esqueço, 13 pessoas. Na verdade, isso foi o legítimo terrorismo indiscriminado, porque, se o aeroporto estivesse cheio, teria sido uma mortandade. A partir desse momento, é que começou a dureza. Eu costumo dizer até, eu fico submetido as minhas origens portuguesas, e aí vem aquele velho aforismo: quem semeia vento colhe tempestade.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O Riocentro também.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas o Riocentro não matou ninguém, e nem tinha objetivo de matar ninguém. Mas, por isso, toda vida somos punidos, e ninguém fala mal de Guararapes. Todo mundo sabe que foi a AP que botou lá. Essa é outra injustiça histórica.

            A sua pergunta é boa, e a minha resposta é melhor. (Risos.)

            Por que não se fala em Guararapes? A senhora quer me explicar?

Disse o livro do Ronaldo Costa Couto que o Betinho disse a ele que sabia quem era, que tinha sido a AP. No entanto, ninguém quer levantar culpado em Guararapes.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - A Ação Popular católica?

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É. Foi a AP, que era APML, que era a AP Marxista/Lenista, depois se adoçou.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - AP está no poder.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É, totalmente. Agora, está no poder e faz coisas que, por exemplo, não é do nosso agrado.

            Inclusive, o meu amigo Tarcísio Holanda deve ter lido. Eu não considero a revisão histórica — não considero a revisão histórica; não considero dinheiro, não — da figura do Lamarca muito injusta.

            O Lamarca, para mim e para o Exército Brasileiro, não passa de um desertor, traidor do seu comandante, um assassino frio. Matou. Eu estava lá, em Retiro. Matou aquele pobre Ten. Mendes com coronhada na nuca para não fazer barulho e ainda levou o cofre lá daquela senhora...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Capriglione.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É. Da Capriglione. Nós o achamos um homem cheio de defeitos. Em qualquer país do mundo — em qualquer país do mundo! —, ele teria sido fuzilado com toda a pompa.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Mas, e foi.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, mas não com toda a pompa. Foi brigando. Conversa fiada. Querem botar nisso... Foi brigando, porque quem estava lá atrás dele era um homem de ação e absolutamente ético. Jamais faria a morte que querem atribuir.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General?

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, não vem com essa história que ouviu o tiro, não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quero fazer um relato. Sabe que eu...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu lhe faço outro relato.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O relato é do Gildásio, que era o repórter da Globo que acompanhou os acontecimentos. O oficial a que o senhor se refere...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Cerqueira.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele matou o coisa com um tiro na cabeça.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas isso, provavelmente, ele já estava nos estertores. Provavelmente.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Disse que ele estava armado, que ele estava ...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas era homem contra homem, não era uma força poderosa contra ele. O Cerqueira, estava ele e mais 1. Era homem contra homem.

            E, cá para nós, vamos fazer justiça também ao Lamarca. O Lamarca era homem. O Lamarca era um homem decidido.

            Por isso que eu digo: não foi um sentenciamento, não; foi uma luta que acabou com... Eu até admito — que eu não conheço esse episódio final —, eu até admito. Mas isso é o acabamento da luta. Foi o acabamento da luta.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Primeiro, ele disse: “Você é traidor. Eu vou lhe matar”.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É, mas ele já estava em estertores também, vou falar, porque ele estava com 3 ou 4 balaços já. Três ou quatro balaços.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Tem uma coisa importante...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mais uma coisa. Não sei se você sabe que eu...

            (Intervenções simultâneas. Ininteligíveis.) (Risos.)

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Pergunte.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eles [a equipe da TV Câmara] dizem uma coisa certa: às vezes, eu interrompo, e isso prejudica o raciocínio.

             O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não prejudica o raciocínio não. Nós estamos aqui... Olha, essa conversa está bem descontraída. Fiquem à vontade também. Fiquem à vontade também.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, a coisa mais importante do seu livro, desculpe-me falar isso aqui...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – General antes, que o Senhor contasse não é segredo o que nos interessa...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O negócio do Lamarca?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Exatamente.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É, o senhor depõe sobre o caso Lamarca.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Olha aqui, o problema é o seguinte: o Lamarca fez algumas coisas que nós achamos imperdoáveis. Por exemplo, ele tentou fazer uma zona de resistência lá em São Paulo, em Retiro, ali. Nós acabamos com ela, debelamos. Debelamos e coisa e tal.

            Agora, realmente, um homem com a nossa formação, com o curso completo da nossa Academia Militar, a gente acha imperdóavel as atitudes que ele tomou. Inclusive, ele traiu, de maneira miserável, o seu comandante, que era um oficial de estirpe e que, por causa disso, teve a sua carreira cortada, que é o Cel. Lepiani.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) -  Coronel...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Lepiani, Comandante do Regimento lá em São Paulo. O Cel. Lepiani nos chamou e perguntou o que estava acontecendo. Ele disse: “Essa senhora é maluca, veio aí dizer que eu estou cantando o marido dela para ser comunista”. Era um sargento. E na semana seguinte roubou todos aqueles armamentos.

            Ele, para nós, é uma figura do desertor traidor. E outra coisa: uma coisa que me irrita aqui, botam esses subversivos como homens idealistas. Idealistas somos nós que tivemos sempre a preocupação de não deixar este País descambar para as coisas de falta de interesse. Eu me considero um idealista quando lutei contra a subversão, sou mais idealista do que eles porque eu acho que o meu objetivo tem maior tamanho, maior grandeza.

Olha, uma pessoa com quem eu dialogo hoje em dia sistematicamente é o Elio Gaspari. O Elio Gaspari, há tempo, já me disse isso, e hoje está comprovado: “General, todas as organizações subversivas, que eu estudei a fundo”... Sabem que o Elio está publicando um livro, agora, com 1.600 páginas, se não me engano.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Com base nos documentos dele?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não. Geral. Ele não estuda o período revolucionário por dia. É por hora. É inacreditável. Então, ele disse: “General, não existe uma organização, uma organização subversiva sequer que fosse segmento democrático”. Ninguém era antiditadura. Todos queriam estabelecer a sua ditadura, que era a ditadura de tendência comunista, marxista-leninista ou comunista.

Muito bem. E, agora, o Araão Reis fez um depoimento dizendo assim: “Vamos acabar com essa” — não sei se ele usou a palavra falácia, mas coisa parecida — “de dizer que nós éramos segmento democrático da ditadura”. Não éramos não. Nós éramos um movimento que queria a nossa ditadura. Então vamos acabar com isso, porque: “a ditadura militar...”. Ninguém que nos combateu tinha como objetivo a democracia! Quem tinha objetivo por democracia, originalmente, fomos nós, e eles sempre queriam fazer a ditadura deles. Por isso que eu digo, nós somos muito mais idealistas do que eles, porque nós estamos defendendo o Brasil de um mal que, depois, o mundo provou que era um mal, que é o comunismo.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - General, o senhor acredita que o Ministro José Serra, o Ministro Sérgio Motta, o Aloísio Nunes, que hoje é Ministro da Justiça, o Betinho, o próprio Fernando Henrique queriam implantar uma ditadura no País?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Olha aqui, vou lhe dizer uma coisa: eu não tenho nenhuma convicção de que eles não queriam fazer. Eu tenho convicção de que eles queriam fazer, uns intelectualmente e outros efetivamente. Todo dia os jornais estão com a nomeação de Aloísio [Nunes] Ferreira. O Aloísio foi motorista do Marighella, foi assaltante do trem pagador de Jundiaí, e quando ele assumiu, o José Dirceu foi lá e disse à imprensa — os senhores devem lembrar: assumiu, o José Dirceu foi lá, e disse à imprensa: “Não vim cumprimentar o Ministro e sim o guerrilheiro”. Então, para mim, ele é um guerrilheiro e queria fazer a ditadura comunista.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O Ministro Aloísio Nunes?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Claro. Ele fez isso, ele fez isso. O currículo dele não é bom não. O currículo dele não é bom.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele é um sujeito conceituadíssimo na Câmara. Ele é advogado, um sujeito seríssimo.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Muito bem. Mas o fato é que ele fez isso como estou contando.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Mas eu acho que ele não é mais isso não.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Ah, bom, isso é outro problema. Agora, ela me perguntou se eu achava que eles queriam. Estou me reportando à época que ela me perguntou. (Risos.) A sua pergunta não é essa? Eu estou dizendo à época.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Não querem mais.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu acho que agora ele não quer mais, até porque ele já viu o que é o comunismo. (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor sabe que os seus companheiros do Exército, eu estava contando aqui para os colegas, vou fazer uma confidência aqui, o Gen. Cesário, me convidou lá, porque eu fui tratar de uma oitiva.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É o filho do Cesário, o pai dele era general também, revolucionário.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Fui tratar com ele de uma entrevista com o Gen. Gleuber. Então, sabe o que ele me disse, a parte mais importante do seu livro, e é importante isso que eu vou falar agora, o senhor diz que os que estão no Poder revelam recalque,...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É mesmo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... ressentimentos, frustrações em relação ao Exército quando pingam recursos orçamentários para o Exército, negando ao Exército recursos compatíveis com as dimensões do Brasil, com a responsabilidade da instituição. Isso tudo está certo. Agora, o Gen. Cesário me dizia o seguinte, em frente a todos os oficiais dele, a minha inteligência não aceitou a tese (Risos), refugou, porque não era sensato dizer que o “Fernando Henrique e os seus auxiliares eram gramscistas, quer dizer, leitores do Gramsci, e que estavam dedicados à tarefa de instituir no Brasil o comunismo”. Bom, eu digo: General, o Fernando está promovendo a internacionalização capitalista do Brasil; está entregue aos banqueiros. Como é que banqueiro é comunista? Onde se ouviu falar em banqueiro comunista!? Os banqueiros estão querendo é ganhar dinheiro. E  o Fernando está ótimo para eles, porque ele aparece como de esquerda e, na verdade, está fazendo um trabalho de direita. Essa é a minha convicção. Não sei qual é a do senhor. Preciso que o senhor me explicasse essa tese aí.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - O que eu acho é o seguinte: primeiro de tudo, vamos começar pela parte econômico-financeira. Você sabe muito bem que esse sistema financeiro iniciado na época do Presidente Fernando Henrique Cardoso teve uma fase brilhante, que foi acabar com a inflação. Mas ele carregou com ele esse problema cambial, que foi catastrófico para o Brasil, porque determinou, como uma de suas maiores conseqüências, essa brutal dívida interna e externa que temos. Todos sabem, e qualquer economista iniciante repete — nem sequer sou iniciante, sou apenas curioso —, que dívida não se paga, mas os encargos da dívida têm que ser pagos.

Aliás, o capitalismo internacional está interessado mais nos encargos da dívida do que em qualquer outra coisa. O encargo da dívida brasileira chegou a tal montante que não sobra dinheiro nenhum para investimento. E por causa disso o nosso lençol é muito curto. Quando chega a hora do lençol muito curto, a prioridade estabelecida pelo Governo é contra as Forças Armadas.

Olha, eu digo sempre e repito: o Exército nunca foi melhor do que agora, mas as responsabilidades brasileiras... Inclusive o Presidente Fernando Henrique, recentemente, fez uma declaração sobre algo que sempre falo. Já disse que prego em nossa Escola do Estado‑Maior, desde que eu a criei, em 1986, o problema internacional. Eu prego uma possibilidade de pertencermos ao Conselho de Segurança Permanente, mas ai de quem estiver no Conselho e não tiver força. Então, ele acabou de pregar isso, mas não nos dá o dinheiro de que precisamos. Nós estamos sistematicamente com o quantum satis para viver. E só temos um Exército direitinho, arrumado, operacional, dentro das nossas limitadas responsabilidades, porque a nossa gente é muito competente.

Vou contar só uma história, para ficar bem caracterizado isso. Visitei certa vez o Exército americano, em uma organização chamada Traydock, quando me foi feita uma exposição por um general americano, que disse que estava muito preocupado aquele ano — não me lembro exatamente o número, mas vou errar por 5 ou 10 —, porque ele tinha recebido apenas 274 bilhões de dólares. E eu devo ter manifestado um sorriso. Ele era um homem muito amável, ele se dava muito bem comigo o Gen Juan. E ele me perguntou: “O que é, Gen. Leônidas?” Eu disse: “Eu recebi 3”.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Que diferença, hein?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É uma coisa. Agora, diga-se de passagem que ele vem recebendo essa quantia há 50 anos. Por isso que, se você somar, Tarcísio Holanda, todo o poder, por exemplo, da União Européia — excetuando a arma nuclear —, eles não chegam a 10% do poder americano. A assimetria de poder que o americano alcançou é inacreditável. Mas é um país que tem laivos de grandeza.

O Governo atualmente costuma dizer que devemos ter o Exército, as Forças Armadas, que podemos ter. Acho isso um equívoco. Acho que devemos ter Forças Armadas um pouco maior do que a que devemos ter, porque as nossas responsabilidades internacionais estão a perigo.

Então, por isso, talvez, o Cesário tenha essa visão tão, vamos dizer, chocante a respeito disso.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Um absurdo.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É chocante. Agora, realmente, fazendo uma análise com bastante tranqüilidade, identifico que o Presidente Fernando Henrique é internacionalista. Sem dúvida. Não sei se sabem da existência de uma ONG chamada Commission... — já vou dizer o nome —, criada pelo Willy Brant, em 1990, que publicou um livro intitulado Our Global Neighborhood. Esse livro diz quais são as idéias dessa ONG, as quais tiveram uma boa aceitação na ONU, ainda na época do Boutrus-Ghali. Inclusive as idéias dessa ONG foram muito bem aceitas.

O livro prega o internacionalismo, o controle econômico-financeiro e uma Justiça mundiais, etc. Enfim, esse livro possui 28 redatores. E qual é o redator brasileiro? Fernando Henrique Cardoso.

Então, fica bem claro. São idéias respeitáveis, não tenho a menor dúvida, mas são as idéias dele.

Saibam que eu sempre defini o Presidente Fernando Henrique, com quem tive alguns relacionamentos antes de ele chegar à Presidência, como um bom brasileiro. Sempre o achei interessado em coisas brasileiras, mas acho que ele é mais interessado nas coisas do mundo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General, o próprio Marx diz que no homem não interessa o que ele pensa, mas sim as ações concretas dele. As ações concretas dele são diferentes, não são?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas não são tão diferentes assim. Não são tão diferentes assim. O que acontece é o seguinte: é o problema do pragmatismo. Não acredito que o Presidente Fernando Henrique queira abandonar a vida pública. Acho que ele quer ter vida pública internacional, inclusive. (Interferência.) Ações internacionais. Entendeu?

Vou repetir o que conversamos antes. O que o Presidente disse lá, em Paris, mutatis mutandis, sem nenhuma pretensão, é o que eu prego em nosso curso de Política Estratégica, desde 1986. Nesse momento, eu só achei que não era oportuno, porque o americano havia sofrido esse impacto brutal no seu orgulho, que foram os episódios de 11 de setembro e que eles estavam como pólvora escorvada, sensíveis a qualquer facho de fogo.

Mas acho que é isso mesmo: o Brasil tem que lutar pelas suas coisas, porque o momento atual é monotemático, só se fala em terrorismo, terrorismo, terrorismo, esquecem... Nós não temos problema de terrorismo, e os problemas que nos interessam ficaram escondidos. E ele lembrou os nossos problemas. São problemas de comércio internacional, além do problema econômico‑financeiro internacional. Com muito propósito. Mas exagerou quando disse que a unipolaridade americana era quase igual ao terrorismo. Aí foi um exagero também, não é.... Foi um exagero.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - General, nós passamos para o terrorismo, por ser um tema mais atual. Mas estávamos querendo fazer uma trajetória na história.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES -  Bom, podemos voltar. Mas só o fiz para justificar o problema do...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Com certeza. Mas chegamos ao Governo Médici...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Foi quando o terrorismo e a subversão foi mais ativa. Então, como contrapartida, recebeu mais atividade do Governo. Eu atribuo ao Presidente Médici essa atividade de que todos se queixam, porque foram os anos de chumbo. Mas devo dizer que os anos de chumbo foram conseqüência... Sempre digo que a repressão é fruto da subversão. A repressão é conseqüência. A repressão não é ato primário, ela é conseqüência. Como  o ato de subversão aumentou — e conhecemos todos esses problemas de subversão —, a nossa repressão também aumentou. E é uma coisa natural. É a velha lei da física: a toda ação corresponde uma reação igual, em sentido contrário.

            Então, foi só por isso que ela aumentou, porque era um homem que eu conheci pessoalmente, um homem humano; não era um Torquemada, nunca foi. Foi um homem equilibrado. Agora, acontece o seguinte: a subversão subiu de uma maneira brutal. Tinha que fazer a contrapartida. Era isso que eu queria explicar.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - A tortura que houve no...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - A tortura que houve... Eu vou lhe dizer que conheço bem o problema da tortura. Ela houve e, se houve, não é mentira, mas não fui nunca política, nunca foi ordem e nunca foi determinação dos superiores.

            Às 2 horas da manhã, lá nos confins de um subúrbio desse, você não consegue conter essa condição humana de 2 seres se digladiarem, tenho certeza disso. Agora, sabe que eu fui Chefe do DOI/CODI do Rio de Janeiro, no período em que o João Reinaldo era o Comandante, porque por função o DOI/CODI é subordinado ao Chefe do Estado-Maior. E no livro da Getúlio Vargas eu desafiei e continuo desafiando alguém que tenha sido torturado durante os 2 anos e 10 meses que estivemos aí. O desafio está feito. E ninguém voltou até hoje.

            Eu também aprendi 2 coisas interessantes lidando indiretamente com subversivos, porque eu nunca lidei diretamente com subversivo nenhum, e eles não gostam quando eu digo isso: não tem ninguém com maior disposição para a denúncia, para o alcagüete do que um comunista. Então, para justificar isso, eles dizem que foram torturados. Da mesma maneira que, quando um subversivo quer sair de lá, ele tem medo por causa do justiçamento. Não é brincadeira entrar nesse esquema de subversão. Não sai mais, não sai mesmo.

            Agora, para generalizar, atribuem a nós 300 mortos e nós atribuímos 200 mortos a eles. Primeiro, eu faço aquela matemática que pode ser uma matemática perversa, mas é verdade. Foi um preço em vidas humanas não muito alto, considerando-se o que aconteceu no resto do mundo. Na área comunista, milhões; nesse incensado senhor lá de Cuba, 17 mil; e até hoje tem prisões lá. Ninguém fala nada. O tapete vermelho está aí quando ele chega.

E, nós, que salvamos este País de entrar naquela fase que eu considero que seria a pior possível para a história deste País, a de se transformar num “Cubão” — “Cubão” é aumentativo de Cuba —, atribui-se que nossas ações foram altamente desumanas, porque durante a luta morreram 300 de um lado e 200 do outro. Eu acho que essa matemática foi muito discreta para o bem que nós causamos ao Brasil. Respeite os mortos? Respeite os mortos. Mas, nos outros países, para conseguir o que nós conseguimos, como no Khmer Vermelho, morreram milhões; na Rússia, milhões; no Leste Europeu, milhões; na África, milhares e milhares. E nós salvamos toda a América Latina, que seguiria a nós, por um preço humano bastante pequeno, mortes que eu respeito, porque uma morte humana já é duro.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Voltando a esse assunto mesmo, a gente sabe que houve a tortura...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não houve tortura. Houve poucas torturas, não é tortura generalizada. Não bote isso, porque isso não é verdade. Eu já lhe disse que eu nunca fiz... No meu período — e continuo desafiando —, nunca uma pessoa foi torturada. Continuo desafiando. Que venham.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O que eu queria saber é o seguinte: se todos os setores do Exército ou das Forças Armadas estavam cientes e aprovando esse tipo de...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas eu acabei de dizer para a senhora que isso nunca foi política, nem ordem, nem determinação dos escalões superiores. Nunca foi. Eu, por exemplo, quando me tocava, eu chegava no DOI/CODI de madrugada e fazia uma inspeção de todo mundo.

            Agora, eu vou dizer uma coisa. Eu sempre conto essa história, que é inacreditável. Depois do episódio lá de São Paulo, a gente ficou cada vez mais cuidadoso. Nós tínhamos um sistema de som e de imagem nas 8 prisões que nós tínhamos. Um belo dia, o oficial que estava de serviço começou a ouvir um som estranho. Aí ele percorreu e nada. Esse episódio está no livro da Getúlio Vargas.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O episódio de São Paulo é o do Vladimir Herzog?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É o do Vladimir Herzog. Depois, se quiser, eu entro nele também. Aí ele, de novo, não sentiu nada. Aí ele resolveu entrar em cada uma das celas. Quando ele chegou — eu era chefe também —, ele  encontrou uma senhora que tinha cortado a virola do lençol, fez uma trança e estava se estrangulando, estava quase morta. Imagina se ela tivesse morrido. Está no livro. Eu botei isso no livro da Getúlio Vargas. E nós salvamos essa mulher, porque, por sorte, o oficial que estava de serviço passava a noite inteira acordado, vendo a TV  e o sistema de som. Salvou essa mulher nas últimas horas. Eu sempre me pergunto o seguinte: mataram o Herzog e o Fiel para quê? Eu não admito aquela morte. A minha tese ainda é de suicídio, até hoje. Não tem razão nenhuma. É a mesma razão que pergunto aos que dizem que os revolucionários mataram o Presidente Juscelino Kubitschek. Matar o Presidente Kubitschek para quê? Não tem razão nem motivo. Matar o Herzog para quê? Matar o Fiel para quê? Não tinham significado nenhum,  não significavam nada, não tinham valor nenhum. Agora, não esqueçam uma coisa: um homem despreparado para subversão, como os 2, mais ainda o Herzog era, assustado quando foi preso nas suas manobras de apoio à área subversiva, faz qualquer bobagem, porque um homem assustado faz qualquer bobagem. Essa é a minha tese e quero que a respeitem também.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, eu queria que o senhor comentasse  essa colocação que eu vou fazer, que é uma colocação muito corrente  entre nós jornalistas.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Sim.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O que se diz é o seguinte: essa estrutura informal, vamos dizer assim, que foi montada para servir de ponta de lança no combate à luta armada...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, informal coisa nenhuma.  Formalíssima.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Essa estrutura da Operação Bandeirante...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, a Operação Bandeirante se esteava em organizações militares com comandante, subcomandante e com atuantes. A Operação Bandeirante só usava... Também não servi lá, não servi lá, mas o que eu tenho alcance ela usava os meios em dinheiro que davam os civis, os homens ricos lá. Mas não era uma coisa fora do controle, não era nada fora do controle, porque era subordinada ao esquema do II Exército. Eu, por exemplo, acho... Eu conheci muito bem o General Comandante do Exército que foi demitido pelo Presidente Ernesto Geisel, meu colega de turma da Escola de Comando e Estado-Maior. Um homem íntegro, incapaz de fazer uma coisa daquela ao comando dele, jamais, jamais, jamais. A minha tese é diferente da dos outros. Não é para defesa institucional, não, porque eu sempre fui atrás dos exagerados. Não posso me esquecer de uma coisa: a miserável condição humana. A condição humana é miserável. Tem gente que não tem compostura. Tem gente que não pode ter poder.  E a gente tem que vigiar.

Eu vigiava quando era responsável pelo DOI-CODI do I Exército. Eu vigiava minha gente. Sabe por quê? Porque eu tinha gente do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, dos Bombeiros, da Polícia Militar, dos civis, tinha todas as origens. Como é que eu poderia saber a formação de um homem que não passou pela Academia Militar das Agulhas Negras? Eu chegava lá às 2 horas da manhã e olhava os presos. Os presos só usavam um macacão, porque não podia deixar nada com eles. Bater cabeça na parede, essas coisas tudo é normal para eles. Esfregar a coisa assim para dizer que levou choque tudo é normal para eles. Agora, os subversivos profissionais são respeitados nas suas atuações. Eles são respeitados. Eles não são brincadeira, não.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, é notório que o senhor...

O SR. ENTREVISTADOR  (Ivan Santos) - Tarcísio, só para ele responder essa colocação. Essa colocação que eu fiz, General, nos foi feita por um General seu comandante, o General Reinaldo. E ele nos disse, no depoimento dele...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - A opinião do João Reinaldo é respeitável, mas ela não é a minha, não, não é a minha, não.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Deixe eu só dizer qual é. Ele nos disse que, naquela época, quando ele assumiu o II Exército, até em defesa do General Ednardo também, ele disse que muitas vezes era difícil ao 4 estrelas comandante saber o que se passava, porque eram estruturas que muitas vezes não estavam sob o comando imediato deles.

 O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Você é um homem inteligente, eu vou lhe fazer uma pergunta. Vamos atuar num aparelho às 3 horas da manhã lá em Piedade. Qual é o controle que você tem?

O SR. ENTREVISTADOR  (Tarcísio Holanda) -  É, é claro...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Só o controle de disciplina intelectual. Agora, você chega lá, o sujeito, na véspera, era amigo do Martinez. Uma mulher deu um tiro na cara do Major Martinez. Ele estava com ódio do sujeito. Ninguém agarra essa miserável condição humana. Não entre por aí, porque isso não é. Eles eram piores do que nós. No terrorismo deles, eram piores do que nós. Não se esqueça que quem começou o terrorismo indiscriminado, não pontual, foi a subversão, não fomos nós, não. 

O SR. ENTREVISTADOR  (Tarcísio Holanda) - Eu não estou fazendo a defesa de nenhum...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, mas eu quero dizer o seguinte. O Reinaldo diz isso e ele tem razão, mas é nesse aspecto, mas não na estrutura, porque a estrutura funcionava com ordem, com disciplina, com princípio e com vigilância. Agora, quando me perguntam: houve tortura? Eu digo: houve, mas não controlada pela gente. E vai haver sempre na história da humanidade, porque é a miserável condição humana. Só dando um pulo para mostrar. Por que é que não se consegue um acerto entre a Palestina e Israel? Muito bem, a cúpula está louca para fazer o acerto, não é? Mas aí, o Abdula teve um filho dele morto anteontem. O primeiro israelita que ele encontra ele passa a bala. É a miserável condição humana.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas não é exatamente a esse ponto que eu quero chegar.

 O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Qual é o ponto?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O ponto a que eu quero chegar é o seguinte, General. Entre nós jornalistas, e acho até que é um consenso histórico...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas você sabe que a maioria dos jornalistas é de esquerda. Você sabe disso, não é? Não sei por que, mas são.

O SR. ENTREVISTADOR  (Ivan Santos) - Eu quero que o senhor, inclusive, comente, rebata e rejeite, se for o caso. O que se diz é o seguinte: é que, depois desse combate que houve entre a luta armada e a repressão, essa estrutura repressiva, uma vez vencida essa etapa da luta armada, continuou ativa e quis continuar exercendo o poder. E aí criou problemas para o General Ernesto Geisel  na condução desse processo de abertura que ele falou, como o RIOCENTRO.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Isso aí é verdade.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas isso aí é individual. Você sabe o seguinte: o Comandante do I Exército não sabia nada daquele Capitão que levou aquela bomba, não sabia coisa nenhuma. Aquilo era coisa individual. É aquilo que estou dizendo. Tem gente que toma essas atitudes. Agora, vocês querem botar uma lente em cima de uma pulga para dizer que é elefante, essa que é a verdade. Quantos episódios você conta disso? Dois ou 3, num País com 100 milhões de habitantes, com uma luta armada. Vocês querem fazer disso um grande show. Não tem esse grande show. Eu considero isso conseqüências naturais — vou repetir pela 10ª vez — da miserável condição humana. O homem é isso mesmo. Agora,  provavelmente... Eu nem sei quem é esse Capitão que esteve lá com a bomba. O que será que deu na cabeça desse rapaz para levar aquela bomba para lá? Agora, o Comandante do Exército, que eu conheci muito bem e que ficou num choque tremendo, não sabia de nada. Houve alguma ordem? Não. De alguém? Não. É a história do Abdula quando quer matar o israelense porque o tio dele não sei o quê. É isso. Agora, eu repito isso, que vocês precisam gravar: nunca foi ordem, nem política, nem determinação dos chefes ou da organização militar para haver terrorismo ou morte indiscriminada.

Durante o período em que eu estava no DOI-CODI gravei 2 sentenças que os orientava. Primeiro, na hora de dar chocolate não se dá tiro, na hora de dar tiro não se dá chocolate. Quando entrar num aparelho, ai de quem matar quem levantar as mãos. Mas não deixe levantar as mãos, mate antes. Porque inimigo é isso mesmo. Está chocado? Pois vou dizer uma coisa: não é isso, não, porque o soldado — não se esqueçam disso; é outra frase que eu gosto e posso repetir, porque é minha —o soldado é o cidadão fardado para o exercício cívico da violência. No mundo todo! Não tem outro jeito! Exercício cívico da violência! Olhem, você entra num aparelho. Se um homem levantar os braços e você der um tiro, vai se ver comigo. Agora, você está com vontade de matar, não deixe ele nem levantar a mão. Agora, não cometa crime. Lute, mas não cometa crime. Essa era a nossa orientação. Agora, tinha gente que não obedecia a isso? Claro que tinha gente que não obedecia a isso. Os indisciplinados existem em todos os meios, inclusive no dos jornalistas. Mais alguma pergunta? Está respondido?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Vou fazer outra provocação, mas uma provocação benigna.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Faça. Eu vou me animando.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É notório que quando o General Reinaldo e o senhor assumiram o controle dessa área — e quem assumia o comando do I Exército naquele tempo tinha o controle de toda a área militar...

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Claro, é verdade.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) -  ...Marinha, Aeronáutica...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É verdade, toda, toda.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É notório que os senhores desmantelaram a masmorra lá da Polícia do Exército, do Pelotão de Investigações Criminais que funcionava...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES -  É verdade.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era uma masmorra com o objetivo de tortura, e os senhores a desmantelaram.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu não fui lá olhar essa masmorra, mas, quando assumi, eu disse o seguinte: olha aqui, serviço de inteligência é um serviço para ser feito com nobreza, para ser feito com um objetivo grande, que são os interesses da pátria. Nós não vamos cumprir nenhuma missão por interesse pessoal — porque tinha interesse pessoal. Não vou cansar de repetir para vocês: é a miserável condição humana. Bom, então, cheguei lá. Primeira coisa, botei uma disciplina no DOI-CODI assim: eram 8 horas de trabalho, 8 horas em casa e 8 horas de instrução. Quando eu entrava lá, estavam num dos seus disfarces. Estava lá um disfarçado de vendedor de sorvete, mas mão colada na coxa, e eu, quando chegava perto: tudo bem, Sargento? Porque, para mim, eu o via vestido de Sargento. Tudo bem, Tenente. Eu o via vestido de Tenente. Eu chegava lá era disciplina militar. E continuava: nós estamos aqui com o objetivo de realizar tarefas para a defesa do Brasil. Tarefa com menor grandeza não nos cabe, nem nós vamos realizar.

Qualquer prisão nós íamos para uma sala e tinham que me explicar a razão da prisão, as conseqüências negativas e o que se esperava da prisão, senão não deixava fazer. Isso sob orientação de um homem, sob sua palavra, que eu ratifico, além de ser uma figura humana ímpar, é um estadista, que é o Reinaldo. E eu pauto as minhas atuações do mesmo jeito, por formação. Eu não admito que se faça nada sem razões muito grandes e sem respeito à vida humana. Por isso que eu ratifico o que ele dizia. Quando nós assumimos aqui, ficamos noutro plano da ação anti-subversiva. E nem por isso menos eficiente — mais eficiente, inclusive.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Quem passou pela prisão do DOI-CODI aqui, na sua gestão?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu já lhe disse que nunca tive contato com nenhum deles.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Não, só para saber: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ferreira Goulart...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, não, esses não foram do meu tempo.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Não?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, não foi do meu tempo. Essa gente não foi do meu tempo. No meu tempo, nós prendemos um homem do Comitê Central. Os jornais dão sempre o nome dele. Eu não entro em detalhes, porque realmente ele recebeu dinheiro e nos disse tudo, para frustração dos nossos analistas, que achavam que ele não se renderia.

Mas sabe que eu tive uma experiência antes disso aí? Eu fui Adido Militar na Colômbia. E na Colômbia já era um terrorismo total. Eu aprendi lá 2 coisas: “Para que torturar-me, Coronel?”, diziam para ele. “Pague”. Mas como o homem se vende, não? “Pague.” Eles pagavam, na Colômbia, descredenciavam a pessoa como figura humana, davam-lhe outro nome, outro Estado, às vezes outro País, e pronto, conseguiam tudo o que queriam.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- O senhor está se referindo ao Marco Antônio Coelho, não é?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É. Nós o chamávamos de VIP.  Sabe que eu não sei o nome dele? E sabe por quê? Eu só o tratava por VIP — very important person —, essa sigla americana. Nós tínhamos o que chamávamos de “o mundo subversivo”. Estou dizendo isso, mas na verdade nós chamávamos de “o bolotário”: uma enorme de uma tela, onde estavam todos os núcleos, com os  homens e como eles se conectavam. Nós sabíamos de tudo.

De repente, surgiu uma bola nova a que todo mundo ia pedir benção. Toda vez que eu ia lá, eles me diziam: “Este homem aqui deve ser uma coisa... O senhor vê que fulano de tal foi lá, que beltrano foi lá...” Nós tínhamos uma parede imensa. Eu disse: “Então bota o nome dele de VIP — very important person.” Esse foi o homem que nós compramos. Eu nem sei se o nome é esse. Não quero ratificar, não. Se você quiser, depois eu lhe informo. Eu já disse que nunca tive contato com nenhum subversivo, a não ser...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Um informante na cúpula do Comitê Central.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Na cúpula. Foi por isso que nós os prendemos lá em São Paulo, na casa do banheiro verde. Lembra aquela prisão lá do Arroio e do Pomar? Foi ele quem disse o dia e o local.  Você não sabia disso não? Sabia, né?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)- Só uma curiosidade.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Sim.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Foi pago em dinheiro?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Em dinheiro, para a filha, que queria acabar a universidade, e acabou. Mas nós temos um outro, que voluntariamente apareceu no QG e disse que não queria mais ser comunista. Ele tinha estagiado na China, ou melhor, perdão, na Rússia e em Cuba. Como é o nome dele, meu Deus do céu? Ele nos prestou um grande serviço. O Reinaldo o levou para fazer uma conferência na Escola de Aperfeiçoamento, na Vila Militar. Ele nos disse coisas interessantes. Voluntário. Um dia, bateu no QG e disse: “Olha, eu até hoje fui comunista,” — mais ou menos o que aconteceu com Olavo Carvalho — “mas cheguei à conclusão de que isso é um equívoco. Vim me apresentar porque sou um homem fora da lei e quero voltar para a lei.”

Nós o acolhemos e recuperamos. Ele nos ajudou muito. Não por delação, mas por entendimento do que eles desejavam e de como estavam atuando. Acho que é Venceslau o nome dele. Ele nos ensinou muito. O Reinaldo gostava muito dele. Um dia — o Reinaldo achou o caso tão interessante — ele o levou a uma conferência na Escola de Aperfeiçoamento, na vila militar, e fez com que ele desse um depoimento para todos os oficiais. 

Vejam como há coisas interessantes. O Olavo Carvalho foi um que me disse, sentado comigo, que tinha sido um militante comunista até que se deu conta da hediondez do que estava fazendo. A frase dele foi essa mesma. E ele é hoje um pregador anticomunista tremendo. Acho até exagerado.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Esse Marco Antônio Coelho, que recebeu o dinheiro...  

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu não tenho certeza de que é esse o nome. Se você quiser o nome, eu lhe digo depois. Não quero ratificar nada agora porque eu só o conhecia por VIP. Ficou assim mesmo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu acho que não é ele, não.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)- Nessa operação em que morreu o Pomar, a intenção era matar o João Amazonas.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não, não. A intenção era pegar o comando... Como é que se chamava o...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- PCdoB.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - O comando.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Comitê Central.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É, Comitê Central. Nós queríamos o Comitê Central. E vou dizer mais: nós não pegamos todos porque não fui eu quem fez a operação. A operação era em São Paulo. Eu mandei os dados. A operação foi feita lá, por eles. Contam que, quando eles deram o grito de prisão, lá de dentro já responderam a bala. Só quem se salvou foi a velhinha, a passionária brasileira. Como era o nome dela?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Elza Monnerat. 

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - A Monnerat se salvou. Ela estava lá e não foi ferida.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pedro Pomar e o Arroio.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - O Pomar e o Arroio. E tinha mais gente lá dentro. Eu vou dizer o nome dele depois, para não dizer nome errado.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Do VIP.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Do VIP.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) -  não era o Marco Antônio, não?.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não. Eu deveria saber, mas muitas outras vivências eu tive depois disso.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Marco Antônio foi preso com dólar, você lembra?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Claro.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Com 100 mil dólares... 

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Nós pegamos uma vez um rapaz, um moreninho, um preto, né, com 20 mil dólares numa... Ele nem sabia que tinha 20 mil dólares dentro da sacola. Estava levando para um aparelho. Quando abrimos, ele levou um susto. Eles usavam gente assim.

Bem. Estou à disposição.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor disse que teve muitas outras vivências além dessas e depois dessas.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Olha, uma vivência que eu gosto muito de relembrar, porque tem muitos pais, mas eu me considero o mais legítimo deles, porque se fizerem um exame de DNA, verão que o DNA é meu —, foi a posse do Vice-Presidente José Sarney. Eu me considero dono daquele episódio, com toda a modéstia, viu? Se vocês estão interessados, eu descrevo.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Claro.

A SRA. ENTREVISTADORA( Ana Maria Lopes de Almeida)  - Claro.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu tinha sido convidado, obviamente, para Ministro, e estava havendo um jantar para mim na Academia de Tênis. Quando toca o telefone, era o Gen. Ivan. O Ivan é meu amigo de toda a vida. Quando ele começou a falar, eu perguntei: “O que que está acontecendo? A tua voz está uma coisa horrorosa.” “Leônidas, o Presidente está no hospital e não tem condições de assumir amanhã.” Nem o Nelson Rodrigues imaginaria aquela cena, o que aconteceu no Brasil.

Eu peguei o carro e me mandei para lá. Onde é que é? Onde é que não é? E fui entrando. Cheguei a uma sala onde estava um grupo de homens reunidos — calculo de 15 a 20 homens. Estavam o Dr. Ulysses Guimarães, o Fragelli, o Sarney, acho que o Marco Maciel. Aquela gente toda estava lá. Quando cheguei ao centro, eu me dei conta de qual era a discussão: quem é que iria assumir?

A vida é interessante. Eu tenho repetido isso, porque é uma verdade minha e é a verdade verdadeira. Como a vida é! Quando eu fiz o curso da Escola Superior de Guerra, o comandante era um grande amigo meu. Eu disse a ele: “Olhe aqui, Tourinho, eu não vou dar nenhuma colaboração militar. Eu sempre tive uma atração muito grande pela Ciência Política. Vou só estudar Ciência Política.” E assim eu fiz. Costumo dizer que eu fiquei íntimo de Aron, Duverger, Easton, Rodi, Paupério, brasileiro, Darcy, Azambuja... Eu conhecia nossas Constituições de cor, desde a de 1891. Meu trabalho foi Um modelo político para o Brasil. Eu já fiz um modelo político para o Brasil, viu Tarcísio Holanda? E bem apreciado, porque, inclusive, foi mandado para o Gen. Geisel e foi objeto da minha exposição no plenário do corpo docente e discente da Escola Superior de Guerra.

Então, quando chegou naquela hora, eu disse assim: “Mas, qual é a dúvida? Os arts. 76 e 77 da Constituição de 1969 são bem claros: quem assume é o José Sarney.” E foi o que se decidiu. Dizem que foi o Leitão, que foi não sei quem... Foi coisa nenhuma, esta é que é a verdade. E ninguém discutiu. Imediatamente foi tomada a decisão. Esse episódio, não sei se você leu, é ratificado pelo Dr. Ulysses Guimarães — eu sempre o tratei assim —, que disse: “E aí o meu jurisconsulto, o General Leônidas” —  você já leu isso? — disse que não era eu.“ (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Jurisconsulto do Realengo.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Do Realengo. Não, do Realengo não. Isso é do João. Na verdade ele disse: “O meu Pontes de Miranda disse que não era eu.” Se lerem até hoje os arts. 76 e 77 da Constituição, não há o que discutir, está bem claríssimo lá.

Então montamos 3 equipes: uma iria para a casa do Dr. Leitão, outra para o  Senado e outra para a Câmara, para organizar tudo. Fomos para a casa do Dr. Leitão. Quando eu ia entrando no automóvel, chegou um senhor que docemente me perguntou: “Eu poderia ir com o senhor, general?” Estávamos indo para a casa do Ministro Leitão, o Presidente do Senado, que era o Fragelli, o Dr. Ulysses, que era o Presidente da Câmara, e eu. Éramos nós 3. Eu olhei para os 2 e eles não disseram nada. Então, respondi: “Pode, sim.” Ele disse: “Sou o Senador Fernando Henrique Cardoso.” Nós fomos juntos. Quando chegamos lá, eu disse a ele qual era a finalidade daquela missão.

Eu sempre digo o seguinte: não me dêem conhecimento e poder, porque eu atuo. Nunca fui homem de omissão. Conhecimento eu tinha pleno do fato, e poder, eu tinha todo o Exército atrás de mim. Cheguei lá e disse ao Dr. Leitão. “Dr. Leitão, nós viemos aqui para avisar que amanhã...” Etc. etc. Daí ele ficou meio... Eu entendo a posição dele. Ele estava cansado de saber, porque era um grande constitucionalista. Mas o João Figueiredo não queria passar o poder para o José Sarney. Aí eu disse a ele assim: “O senhor tem a Constituição aí?” O pessoal disse que eu estava com o livrinho no bolso. Não é verdade. Eu não estava com o livrinho no bolso coisa nenhuma, até porque eu estava vindo de um jantar. Ele disse: “Tenho sim, senhor.” Ele estava cansado de saber. Subiu. Eu me lembro como se fosse hoje. Eram 3 degraus entre a biblioteca e o lugar onde nós estávamos. Ele veio com o livro aberto e disse: “É, estes arts. 76 e 77 são bem claros.” e acabou o problema.

É curioso, entre outras coisas que se dizem, o relato do nosso Presidente sobre esse fato. Acho que ele viveu tão intensamente outras coisas, que começou a fazer confusão. Ele me atribui a seguinte frase: “Eu não entendo disso. Os senhores que façam o que quiserem.”  Primeiro, porque quem entendia era eu, porque ninguém estava com todas as Constituições na cabeça, como eu estava: todas!; segundo, porque quem tinha o poder era eu. Então, quem decidiu fui eu. Mas esse é um equívoco muito natural para um homem que tem muitas vivências em outras frentes.

O SR. ENTREVISTADOR  (Tarcísio Holanda)- O senhor diz isso no livro, não é? 

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Digo isso no livro também. Estou dizendo agora porque é outra frente.

Outra coisa que eu sempre repito: nunca vi nenhuma ambição, nenhuma luta entre o Dr. Ulysses e o Sarney para ser o Presidente. Os 2 foram homens muito elegantes. Em nome da verdade, eu não vi. O que aconteceu foi que a entourage se mexe demais nessas horas, não é? Todo mundo quer sair na calda do cometa.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - General, comentou-se muito, na época, e a gente sabe que o Ulysses foi muito atuante durante...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Muito. (Falha na gravação.) ... o Dr. Ulysses Guimarães. A Constituição é clara. Você já leu os arts. 76 e 77? Leia de novo. Não há o que discutir, é uma coisa absolutamente clara. É o jogo do poder. O jogo do poder é que usa tudo quanto é argumento. Não existia isso.

Naturalmente, as Forças Armadas nunca foram simpáticas ao Dr. Ulysses, por causa das ações que ele tomou. Conosco ele sempre atuou muito bem, depois da posse.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas o que ela está dizendo é uma coisa que realmente todo mundo sabe.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Sim, mas não foi o motivo por que o Sarney foi escolhido. O que eu quero caracterizar é isso.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor estava baseado no texto constitucional.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Claro. E há outra coisa que eu gosto de dizer sempre. Perguntavam-me se eu tinha levado o Presidente José Sarney à Presidência porque ele era meu amigo. Não faça essa confusão.  Ele foi por abrangência, foi porque eu estava seguindo o texto constitucional. Afinal, isto aqui já não era um país das bananas. Se nós temos uma lei vigente, se temos uma Constituição vigente e ela disciplina um episódio desse, vamos cumpri-la.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Mas esse caso que ela está dizendo é verdade.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O que é que diz o artigo? Eu não...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas não teve nenhuma influência.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Os generais achavam que o Ulysses naquele momento era perigoso.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas nem houve tempo para essa manifestação. Vamos ser realistas. Isso é clichê de pensamento a posteriori dos fatos. Não houve nem tempo para essa reação do Exército. Tudo aquilo aconteceu às 9 horas da noite. Ninguém sabia que iria acontecer. Essa coisa é clichê. Não houve tempo físico, material, vivência para que, entre a impossibilidade do Presidente Tancredo Neves assumir e a decisão de ser o Sarney a ocupar o cargo, acontecesse uma manifestação das Forças Armadas. Não houve esse tempo. Eu posso lhe assegurar que não tive conhecimento disso. Acho que essa solução é mais lógica, sabe? Agora, se tivesse havido tempo, tenho certeza de que teria acontecido isso que os senhores estão dizendo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- O Afonso Arinos lhe deu razão, logo em seguida.  

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Deu razão.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Se tivesse tempo, o senhor acha que iria haver resistência ao nome de Ulysses?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Se houvesse dúvidas legais... Ninguém gostava do Ulysses. E sabe que ele trabalhou muito bem conosco? Ele só não trabalhou bem, na minha opinião, com o Sarney. Eu sempre digo que o Presidente José Sarney era um estranho no ninho.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas era seu amigo.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É, mas um estranho no ninho. Eu sempre digo o seguinte: “O Sarney, 6 meses antes, era de outra facção.”

Mais uma pergunta, para mudar de assunto.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Fiquei curiosa em saber o que dizem os arts. 76 e 77 da Constituição. Quem toma posse?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - O Vice-Presidente.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas ele não tinha sido eleito.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não tem esse problema, não existe essa hipótese.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)- Ele tinha sido eleito sim, só não tinha tomado posse.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não existe isso. Esta escrito “e/ou”. Assume o Presidente ou o Vice-Presidente.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Isso é verdade.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - “E/ou”, assim mesmo. Vocês são pessoas experimentadas e sabem que a luta do poder não é brincadeira. Arranjam-se argumentos em tudo quanto é bolso de colete. (Risos.) Não é verdade? Já eu sou soldado profissional. Recebi uma vez um elogio muito grande de um jornalista amigo meu: “General, sabe que o senhor é um dos homens mais coerentes para dizer as coisas quando dá uma entrevista?” Sabem o que eu respondi? “É muito simples saber por quê. O meu único referencial são os interesses do Brasil. Não tenho outro referencial, nem de amigo, nem de instituição, nada disso. Meu referencial são os interesses do Brasil.” É minha formação. Com 17 anos de idade eu entrei na Academia e jurei a bandeira. E valeu para mim. Valeu mesmo.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - General, eu gostaria que o senhor falasse também sobre esse período delicado da sua gestão, porque significava uma transição com um Vice-Presidente, um estranho no ninho como o senhor acabou de dizer.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É verdade. Mas vou lhe dizer uma coisa. Nós devemos à paciência, à tolerância e até, vamos dizer assim, à inteligência do Sarney termos passado esse período com bastante tranqüilidade. Não com tranqüilidade total, mas com bastante. De vez em quando o Sarney via suas idéias completamente rebatidas, e ele se acomodava. Ele me ouvia muito, dialogava muito comigo. Além dessas qualidades, o Presidente Sarney era meu amigo desde quando eu era major e ele, um jovem Deputado. Ele sempre diz isso. Uma das facilidades era que quando estávamos sozinhos em despacho nós nos tuteávamos. Fora desse ambiente, “excelência” e “Sr. Presidente”, mas quando estávamos sozinhos nós nos tuteávamos. Ficava mais fácil conviver.

Então eu atribuo a ele essas qualidades, entre elas a da tolerância. Ele foi muito tolerante. Cá para nós, a esta altura a gente já pode ter uma melhor compreensão. Um homem que 6 meses antes era inimigo da facção que ganhou, passar a ser líder da facção é uma coisa muito complicada. Sabem o que eu dizia, de brincadeira? “Perguntem lá para Deus. Eu não sei explicar isso.”

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E ele herdou um Ministério da conciliação...

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu, por exemplo, fui escolhido para Ministro pelo Presidente Tancredo Neves.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como é que foi isso? Eu gostaria de saber.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu vou lhe contar como foi.

Eu era Comandante do 3º Exército quando recebi em casa a visita do Affonso Camargo, Senador. No fundo, o Governador Tancredo Neves queria saber o que eu achava de ele ser Presidente da República.

Eu fiz uma análise com ele e cheguei à conclusão de que gostaria que isso fosse verdade. Naquela época nem se sabia da possibilidade. Era setembro, eu acho. E ele foi embora com essa missão minha. 

Como eu sou um homem muito leal, por formação, na primeira vez em que estive com o Ministro Walter Pires, que era meu amigo pessoal — trabalhamos juntos na Escola de Comando e Estado Maior, e juntos mesmo, porque era em dupla que se trabalhava —, eu disse que tinha sido visitado etc. e que a minha preferência recaia sobre Tancredo Neves. Eu me lembro bem da frase dele: “Aquele velhinho, Leônidas?” (Risos.)Aquele velhinho.” Foi interessante essa conversa.

Mas como é que eu conhecia o Tancredo? Quando eu era comandante em Belo Horizonte, ele morava lá, obviamente. E ele é esguiano, tem curso da Escola Superior de Guerra. Os esguianos fazem ciclicamente um jantar. Eu ia a esses jantares, porque também sou esguiano, e adorava conversar com o Dr. Tancredo, um homem inteligente, lúcido, decente. Nós conversávamos muito. Então ele me conhecia e sabia me avaliar.

Quando o José Richa, o Sarney e o próprio Affonso me indicaram para Ministro — esta foi a força maior, a dos 3 —, ele aceitou. E fui convidado para ser Ministro. Acho que fui o primeiro Ministro convidado por ele, no dia 20 de novembro. Vocês sabem disso? Calei a boca, porque eu já era um homem experimentado. Eu já tinha estado em 3 DOs: com o General Dutra, ainda mocinho, com o Jânio e com o Castello. Sei que na política as coisas se fazem e se desfazem muito rápido. Então fiquei quieto, para não buscar atrito com ninguém, para não ferir as ambições humanas. Eu queria ver a coisa no DO. Então eu talvez tenha sido o primeiro Ministro escolhido.

Quando fui me apresentar oficialmente ao Dr. Tancredo, eu perguntei a ele quais eram as orientações. E ele, de uma maneira elegantíssima, respondeu: “General, o Exército Brasileiro está nas suas mãos, por isso é que eu tenho confiança.” Não me deu nenhuma orientação.

Eu fiquei com muita pena do que aconteceu com ele. Sempre digo que um episódio daqueles nem o Nelson Rodrigues seria capaz de imaginar. Mas nós só sabemos falar mal de nós mesmos, não sabemos nos orgulhar das coisas boas que temos. Poucos países do mundo teriam sido capazes de atravessar aquela conturbação brutal da maneira como nós atravessamos. Outra coisa que eu sempre digo, e que está no livro do Ronaldo, é que uma das coisas de que mais me orgulho é ter participado disso e ter deixado o Brasil numa posição elevada no mundo. Sim, nós ficamos numa posição elevada perante o mundo. Não se esqueçam de que, quando foi baleado o Presidente americano, um general americano quase quis tomar conta do Governo. Aí alguém vem me perguntar por que eu não tomei conta do Governo naquela época. Ora, porque eu sempre fui um democrata. Eu sempre fui um democrata. Nesse trabalho que eu fiz na Escola Superior de Guerra, Um modelo político para o Brasil, dei uma definição para democracia e tive o privilégio de merecer um artigo do velho Athayde. Eu digo que a democracia é uma tarefa sem fim, que se aperfeiçoa sistematicamente. E me dizia o orientador da palestra, Ney Prado, cientista político: “Leônidas, eu sou doutor em política e nunca tinha visto essa definição. Você ainda deu uma definição nova a esta altura da humanidade.” Ao que eu respondi: “Com muito orgulho!” A democracia é uma tarefa sem fim, e não adianta querer reclamar.

O General Geisel disse uma vez que a democracia é relativa, e ele tem toda razão. A democracia pressupõe 2 tipos de valores: os valores universais, que todos conhecemos, e os valores inerentes ao povo, à alma do povo, às suas características. Não basta igualdade, liberdade e bem-estar, há esses outros aspectos peculiares. Gosto muito de citar um dos 7 sábios da Grécia, Solon. Um dia perguntaram a ele qual era a melhor das Constituições — e a palavra é constituição mesmo, em grego. Sabem o que ele respondeu? Vale a pena citar, porque é fantástico: “Diga-me primeiro para que povo e para que época.” Fantástico, não? É preciso conhecer as qualidades inerentes do povo. A Constituição não pode ser genérica, tem que atender às qualidades do povo, à alma do povo, ao jeito de ser do povo. O Geisel não disse bobagem quando disse que a democracia tinha um aspecto de relatividade, é relativo ao povo..

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - E para o senhor, qual é a melhor Constituição para o povo brasileiro?

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - A de 1946 não é ruim não, mas acho que a melhor constituição foi a de 1967. Foi aquele... Como era o nome dele?

            O SR. ENTREVISTADOR  (Tarcísio Holanda)- Carlos Konder Reis.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES – Isso. Konder Reis. Ela é muito boa. Mas ela tem de ser atualizada, e atualizada com jeito. A Constituição de 1988 — não vou repetir o que todos já sabem — foi feita olhando-se para trás e não para frente. Isso já é clichê, e é verdade.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)- General, eu gostaria de saber o seguinte. O senhor assumiu o ministério e, embora o Presidente Sarney seja um conciliador como o senhor reiterou, uma das primeiras providências que ele tomou foi justamente legalizar os partidos comunistas. Como o Exército recebeu essa notícia? Como o senhor a recebeu?

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Sem problema nenhum.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Os senhores combinaram antes?

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Claro, claro. Nós pertencemos a um sistema planetário que se chama a convivência internacional. Ai de quem não tem capacidade de evoluir com propriedade. Aquela foi uma evolução com propriedade. Veja que não houve mal nenhum naquilo. E até que estávamos com espírito de pacificação. Isso estava muito na nossa mente. Eu sempre digo que prestamos um grande serviço ao Brasil não permitindo que este País se transformasse, repito, num “Cubão” — aumentativo de Cuba. Imagine aquelas características num país como o nosso!

Em compensação, pagamos muito duro. Até hoje somos acusados de coisas horrorosas, e superdimensionadas, especialmente no que diz respeito à tortura. Não nego que tenha havido, mas sob os princípios que eu já disse para os senhores: foi episódica, espocou aqui e acolá, porque o ente humano não é grande coisa não, é cheio de recalques, cheio de coisas.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- General, outra coisa importante que eu queria saber e diz respeito à Amazônia. O senhor acredita que o Brasil corre o risco de perder mais de metade do seu território?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Preste atenção. Você sabe que eu me considero especialista em Amazônia.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu sei.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Se você quiser uma conferência, onde quiser, eu faço. E vou dizer por quê.

Fui instrutor da nossa Escola de Comando e Estado-Maior durante 9 anos e meio, quase 10 anos. Toda vez que me tocava a escolha de um tema geopolítico ou geoestratégico eu escolhia a Amazônia. Além disso, quem organizou a reunião de Governadores do Jânio Quadros, em 1961, em Manaus, fui eu. Ouvi todos os Governadores daquela época.

Depois tive o privilégio de ser Comandante da Amazônia. Visitei todas as nossas guarnições... (Falha na gravação.) Sabe por que que eu sei disso? Porque nós registramos tudo com aquele sistema do Exército Brasileiro. Duas voltas e meia da Terra pelo Equador eu voei sobre a Amazônia, e de avioneta, não foi de jato não, a 10 mil metros — isso não tem valor nenhum. Eu viajei apalpando! Apalpando a selva!

Vou dizer a você qual é a problemática da Amazônia. Há 2 vertentes. A primeira, obviamente, é a vertente ecológica e antropológica e o narcotráfico. Ela é importante? É, mas não é a mais importante. A mais importante é a vertente geopolítica e geoestratégica.

Se quiserem, eu explico o problema da ecologia e os outros. Conheço como a palma da minha mão isso tudo, porque fui abeberar meus conhecimentos, a origem dos meus conhecimentos, com os especialistas da área. Se o tema é ecologia, fui aos maiores conhecedores do assunto, como o Paulo Alvim etc. Assim foi com tudo. A outra vertente são os meus estudos. Se você ouvir as manifestações internacionais sobre a Amazônia, de séculos, verá que sempre houve olho grande de alguém.

Começou assim — nós temos tempo, não temos? No século XVII, os holandeses, os franceses e os ingleses tentaram entrar pela boca do Amazonas. Nossos ancestrais fecharam a boca do Amazonas com os fortes do século XVII, começando pelo Forte de Presépio, de 1616, hoje cidade de Belém. Do outro lado, Macapá, numa cunha, até o fundo, que é hoje a cidade de Manaus. Eles foram embora porque nós os pusemos para fora, essas 3 raças. Aí o espanhol subiu o morro e quis descer. Nós barramos todas as entradas dos rios, lá desde Boa Vista, Cucuí, Marco BV-8 até Tabatinga, depois aqui embaixo, Forte Príncipe da Beira. Então começou nos séculos XVII e XVIII. Depois veio americano querendo botar a raça negra aqui dentro, esse episódio todo.

A coisa ficou mais clara a partir do momento em que os satélites espiões começaram a rodar em torno da terra. Os possuidores dessa tecnologia começaram a entender onde estava a riqueza do mundo. Ora, as riquezas do mundo são finitas, como é finito o Planeta. E entre as regiões de riqueza do mundo, uma das grandes — não é a única — é a Amazônia.

Mas essas manifestações de entes internacionais não podem ser irresponsáveis. Há declarações do Vice-Presidente dos Estados Unidos, do Mitterrand, do Gorbachev, do Major — a pior de todas —, todos dizendo que a Amazônia não é nossa, que é um bem da humanidade. Você não acha que é uma irresponsabilidade dessa gente dizer isso? Eu tenho todas elas aí. Na minha apresentação eu as projeto. A do Major é a pior de todas. Ele dizia até que podia imaginar operações militares. O Major dizia isso quando era Primeiro-Ministro. Não o Blair, o Major.

            Esse é o nosso problema. Qual é o problema geopolítico e geoestratégico? Bem, geopolítica é uma palavra de que todo mundo tem um pouco de medo. Mas é uma coisa simples: política aplicada ao espaço geográfico. E política é um desejo. Qual é o desejo dos grandes do mundo? É que aquele espaço da Amazônia possa servi-los na hora em que eles precisarem. Qual é o nosso desejo geopolítico? É que a Amazônia continue nossa. Mas essa luta pode se transformar em luta geoestratética e até em luta tática.

Nós temos, antes de tudo, de priorizar a terceira manobra geopolítica interna brasileira, que é, no linguajar geopolítico, invadir, inundar de civilização a Amazônia. De civilização. Há uma convenção para conservar e preservar. Essa convenção é muito sutil. Nós achamos que precisamos preservar a Amazônia, e preservar é cuidar, mas tirando o que for necessário. E o mundo quer conservá-la, quer que a Amazônia fique intocável, para ser usada quando eles necessitarem.

            O que aconteceu depois desse movimento da década de 80 foi que o mundo começou a ter problemas de outra natureza, problemas mais imediatos: no Oriente Médio, a Guerra do Golfo. Eles tiraram a lente de cima de nós. Temos de aproveitar para inundar de civilização a nossa Amazônia, para que, quando eles resolverem esses problemas, ela já esteja completamente sedimentada como nossa. Está bem claro isso que eu estou explicando?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Bem claro. O senhor acha que nós ainda corremos risco?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - O risco que nós corremos está ficando menor primeiro porque nós estamos ocupando a Amazônia. Não no ritmo que eu acho que deveria ser. Por exemplo, o Exército tem 23 mil homens na Amazônia. Deveria ter 50 mil, na minha opinião. Para fazer combate? Não. Por enquanto, para dar paz à Amazônia. Eu sempre sugiro uma imagem que acho que explicita bem o que eu quero dizer. Eu digo que a pomba da paz na Amazônia não é branca não, sabe qual é a cor dela? Camuflada. Que somos nós. Na paz que nós damos, a sociedade civil pode cada vez... Porque nós temos núcleos formidáveis. Nós temos Belém, na entrada do rio, nós temos Manaus, que é uma cidade com mais de 1 milhão e meio de habitantes. Mas a Calha Norte não tem ninguém ainda, nada. Sabe quanto se tocou da floresta amazônica na Calha Norte? Só 1,7%, nada. A destruição da Amazônia, que falam exageradamente, está onde a nossa população vem encostando, do sul para o norte, e nós estamos tratando de disciplinar essa ocupação. E vamos discipliná-la.

Mas há 2 coisas que nós tínhamos de ter, e aí vem o problema do Cesário: dinheiro para o Calha Norte e dinheiro para o SIVAM/SIPAM, que são fundamentais para nós. Isso está mal, está mal.

O SIVAM é o Serviço de Vigilância da Amazônia, o SIPAM é o Serviço de Proteção da Amazônia. Agora mesmo eu me informei. O serviço de proteção são os aviões que nós temos de comprar para botar lá.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Dizem que está quase pronto.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Dos aviões não. A parte da vigilância, o SIVAM, com a letra “v”, está bem. O SIPAM, com “p”, que é a proteção,  que é o avião de ataque, não, está a quase zero praticamente. Por isso é que nós não gostamos de não receber o dinheiro.

As Forças Armadas Brasileiras estão dando prioridade máxima à Amazônia atualmente. O Exército na Amazônia está muito arrumadinho. Eu agora mesmo fiz uma visita de reconhecimento e achei o Exército muito direitinho. Houve uma evolução muito grande: hoje, qualquer pelotão daqueles fala com os comandos intermediários através de satélite brasileiro. A primeira coisa que eu perguntei foi de onde era o satélite. Esse GPS é satélite americano.

O europeu não quer mais ficar submetido a ele e está fazendo o sistema Galileu. Você sabia disso, não sabia? E nós, modestamente, estamos com os nossos satelitezinhos, para fazer a nossa ligação.

Então precisamos ter muito cuidado com a Amazônia. A Amazônia saiu de foco porque os grandes estão pressionando mais, mas eu considero que ela ainda é fruto de ambição internacional.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas o senhor não desconhece que há uma campanha na Europa?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Total.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Em Londres, um tempo desses, apareceu uma faixa com este dizer: “Toque fogo num brasileiro por dia.”

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - “Cuide da Floresta Amazônica. Toque fogo num brasileiro.”

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- E tem certa razão de ser, sabe por quê?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Não tem.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Tem certa razão. Só para provocar o senhor. Tem certa razão pelo seguinte. O Estado brasileiro está exangue, está à míngua: não tem recursos, não tem estrutura organizacional para fazer cumprir o melhor capítulo de defesa do meio ambiente do mundo, que é o da nossa Constituição, e a melhor legislação de meio ambiente do mundo, que é a nossa.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - É verdade. É a pura verdade.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Está cheio de madeireiras asiáticas. Eles já acabaram com a floresta do sudeste da Ásia.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Mas sabe como é que se faz isso? Com o SIVAM. O Brigadeiro Oliveira, na última vez em que conversei com ele, ele me disse: “Mas nós podemos...” Se eu não me engano, se não estou equivocado, temos um quadrado de 20 metros de lado. E nós ainda postergamos a concessão de dinheiro para acabar esse serviço! Sem informação não há comando. Nós precisamos fazer isso. É nessa hora que eu digo que está faltando prioridade. O Brasil tem de dar mais prioridade aos problemas internacionais. Eu acho que o social é muito importante, mas não é o único problema que temos.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- O senhor não acha que o Exército poderia ser o braço do Estado para fazer cumprir isso, não?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Eu acho. Na Amazônia, pelo menos. Sabe o que acontece? Eu sempre digo que as organizações criadas para defender a Amazônia são muito bem concebidas. A execução é que é ruim. Aliás, os nossos homens, a nossa gente precisa ter um pouco mais de garra para estudar, para exercer as funções, precisa de mais interesse nas funções.

Estive lendo um dado esses dias: para cada 10 ou 15 pastores ou padres, existe um homem da FUNAI.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Foi um bom depoimento, viu, General?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - 2 horas e 30 minutos de depoimento, quase três.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor quer dizer mais alguma coisa, que seja do seu interesse?

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Só quero dizer, ao final, que, apesar de todas essas coisas — não vou dar uma mensagem ufanista não, mas a mensagem de que o brasileiro precisa —, nós precisamos colocar o espírito patriótico do futebol em outras frentes. O Brasil não tem patriotas? Tem sim, haja vista a movimentação, a capacidade de mobilização quando se trata de futebol, meu caro Tarcísio. Já para outras coisas, muito mais importantes que o futebol, nós não conseguimos carrear, não conseguimos mudar o curso das águas. Nós precisamos fazer isso, porque este é um grande País,não é? Tem toda a infra-estrutura geopolítica para ser um país de primeira grandeza.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A fase em que o brasileiro talvez tenha sido mais mobilizado a crer no futuro do Brasil foi no tempo do Juscelino.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES – É verdade. Não. Na época militar também.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)- Na fase do Médici ou do Geisel.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Teve, sim. Chegou a ser denominado de milagre brasileiro no mundo, não é?. Mas em que repercute isso? Isso é apenas uma frase. Nós precisamos nos convencer de que a nossa elite precisa estudar mais. A nossa elite precisa se dedicar mais, precisa acreditar mais no Brasil. Há alguns anos, quando aquele Stephan disse que elite brasileira era pequena e fraca, eu fiquei muito irritado. Mas hoje eu acho que ele não tinha muita falta de razão, não. Acho que os líderes é que direcionam um país. Agora, a liderança decorre da competência. Uma das razões por que eu criei o curso de Política, Estratégia e Alta Administração no Exército foi dar ao oficial general uma visão mundial, continental, para entender o Brasil e colocar o Exército no lugar correto. Apenas dessa forma se consegue alguma coisa. É preciso muita dedicação. A brasilidade que eu peço, o patriotismo que eu peço é dedicação nessas frentes, para que cada vez mais nós tenhamos uma elite e um povo mais capacitado para atingir os objetivos para os quais este País naturalmente está caminhando.

Muito obrigado.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Outro momento em que o povo foi para a rua foi para tirar o Presidente Collor, que foi um movimento popular.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES – Foi verdade.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora em relação ao comunismo, vamos voltar porque é um tema importante. Embora o senhor já tenha falado muito bem sobre isso e eu esteja suficientemente esclarecido, há uma frase famosa, de um dos maiores amigos do Fernando Henrique, que é o Alain Touraine.

O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Ah, o Touraine. Eu sei.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Tourraine disse uma coisa muito certa: a esquerda foi a única corrente de opinião do mundo que suprimiu a liberdade em nome da ética e da moral, e todo mundo aceitou.

            O SR. LEÔNIDAS PIRES GONÇALVES - Está vendo?