Legislação Informatizada - LEI Nº 4.117, DE 27 DE AGOSTO DE 1962 - Exposição de Motivos

LEI Nº 4.117, DE 27 DE AGOSTO DE 1962

Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações.

Justificaçação

 

     A radiodifusão brasileira, que se acha classificada entre as seis maiores do mundo e da qual nos podemos orgulhar, ainda não possui, todavia, estatuto legal adequado às suas proporções e capaz de oferecer base segura à expansão e ao aperfeiçoamento, que as condições geográficas e o progresso do nosso país estão a reclamar. Tal fato resulta, não somente da rapidez e, muitas vêzes, da improvisação, com que se realizou a implantação dêsse grande serviço de interêsse nacional, mas também das consideráveis inovações trazidas, durante. Os últimos vinte anos à técnica rádio-elétrica, abrangendo formas não raro supreendentes de comunicação à distância, das quais até há pouco tempo não chegava a cogitar a legislação específica.

 

     O projeto, calcado em grande parte nas conclusões do 2º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, que se reuniu êste ano em São Paulo e no qual nada menos de 250 emissoras estiveram representadas por 180 delegados, tende, principalmente, a reajustar a definição jurídica do serviço, quer as novas condições criadas pelo progresso da técnica, quer às modificações de ordem constitucional que ocorreram no país desde que foram lançadas as bases da regulamentação, quer à realidade econômica nacional. Nêle se incorporaram muitas normas da legislação em vigor, como o decreto número 21.111, de 1º de março de 1932, e o decreto 29.783, de 19 de julho de 1951, mas, do mesmo passo, dispositivos foram introduzidos, que correspondem a modificações necessárias, aliás previstas nos considerando do último dos decretos citados.

 

     Pertence à União a competência para legislar sôbre a matéria (Constituição, art. 5º. nº XII), assim como se trata, pela definição constitucional e pelas próprias exigências técnicas, de um serviço público, sôbre o qual o Estado continua a exercer, no projeto, os mais amplos poderes. Não há, porém, razão para que as emprêsas, que recebem a concessão de tal serviço, sejam privadas de garantias que, em geral, possuem os concessionários de outros serviços públicos, especialmente no que diz respeito a um prazo razoável de concessão. A falta dessa garantia é, em verdade, grande obstáculo ao desenvolvimento das concessões na medida do interêsse público, maximo na hora presente, quando os aperfeiçoamentos técnicos da radiodifusão - a televisão, por exemplo, - requerem o investimento de capitais sensivelmente mais volumosos do que os exigidos para as simples transmissões sonoras.

 

     Da insegurança quanto às perspectivas da concessão resulta, igualmente, a do pessoal empregado no serviço e cuja formação profissional encontra, por isso mesmo, sérios empecilhos. Estipulando o prazo de 20 anos para as concessões, e definindo com espirito de justiça os direitos e as obrigações a ela inerentes, o projeto cria condições legais para a ampliação e o aprimoramento do serviço de radiodifusão e para o progresso econômico dos trabalhadores que a êle se dedicam. O prazo fixado é o mesmo da lei cubana, que é uma das mais aperfeiçoadas e atuais. Trata-se de um prazo razoável, que permite os investimentos consideráveis hoje exigidos pela radiodifusão, o que não aconteceria com os prazos exíguos.

 

     Segue o projeto as linhas do decreto nº 29.783, segundo o qual o serviço, quando não explorando diretamente pela União, pode ser concedido a outras pessoas de direito público interno e a entidades oficiais, ou a sociedades por ações ou por cotas de responsabilidade limitada.

 

     Procura-se, no projeto, evitar a criação de monopólios no serviço. Entretanto, uma exceção é aberta para as cidades de menos de 70.000 habitantes, onde de acordo, de acôrdo com a experiência, testemunhada no 2º Congresso Brasileiro de Radiodifusão por delegados de muitos pontos do país, não é possível, econômicamente, a existência de mais de uma emissora. Aliás, quando várias cidades se veem, por falta de frequências, impedidas de ter sua emissora local, não parece justificável a concessão de mais de uma emissora a cidades cuja fôrça econômica não é bastante para mantê-las em condições de eficiência.

 

     Foram desprezados alguns dispositivos que, no decreto nº 21.111, de 1932, se referem às condições da concessão (letras E, G, H, J, N, T, U, V e X do art. 16) ou por não terem muito cabimento numa lei desta natureza, ou por estarem incluídas as suas normas em outros pontos do projeto, assim como os que se referem as radiocomunicações em geral e não especificamente à radiodifusão.

 

     Conquanto à lei atual não seja clara a respeito, a transferência parcial da concessão vem sendo autorizada: o projeto a admite expressamente, nas condições que estipula. Outras disposições tendem a regular de maneira mais precisa, do que atualmente, a transferência da concessão. De igual modo se procedeu com relação à caducidade da concessão e às modificações impostas pelo interêsse público, resguardando-se, na medida do possível, o dos concessionários.

 

     Nos artigos concernentes à licença de funcionamento, a qual significa uma fase avançada da concessão, as obrigações do concessionário estão determinadas de maneira mais explicativa do que na lei atual. São disposições que se aparentam com as da nova lei cubana.

 

     Alguma disposições do projeto visam à defesa da iniciativa privada contra uma competição desigual no terreno publicitário. Inspiraram-se não somente no consenso geral, e na própria conveniência do Estado, superiormente considerada, mas também no que, a respeito, prescreve a mencionada lei cubana e na tese sustentada pela Associação Interamericana de Radiodifusão, órgão consultivo das Nações Unidas.

 

     Pelos têrmos do projeto, o concessionário terá tôdas as obrigações que possam garantir o espírito de serviço público, inerente à radiodifusão, sem que isto venha, todavia, a ferir o princípio da liberdade de expressão do pensamento, dentro dos limites legais. Os dispositivos concernentes às programações acham-se redigidos de maneira que se tornem efetivas a fiscalização e as responsabilidades, ao mesmo tempo que se eliminam preceitos incompatíveis com a presente ordem jurídica e práticas de superfetação burocrática.

 

     Outras obrigações dos concessionários são definidas com maior precisão e rigor do que na lei atual, no que se refere às suas relações com o Estado e ao respeito dos direitos de terceiros. São normas que se ajustam, inclusive, às estipulações de ato internacionais e que têm sua justificativa na própria natureza do serviço.

 

     São estabelecidas normas para a aplicação das sanções administrativas assim como para a hipótese de infração penal. Torna-se claro, entretanto, o respeito do princípio da plena defesa no procedimento administrativo, inclusive mediante recurso e invocação dos outros meios legal para a segurança dos direitos. Essas disposições refletir-se-ãe de forma positiva na estabilidade das concessões e, por via de consequência, no progresso da radiodifusão e na garantia dos que para ela trabalham. Trata-se, aliás, de preceitos que se enquadram perfeitamente no sistema constitucional em vigor, do qual não se pode afastar o regulamento de serviço de interêsse nacional.

 

     Estabelece-se, nas disposições transitórias, uma situação de igualdade para os atuais permissionários, que passam à condição de concessionário tendo as mesmas obrigações e os mesmos direitos. Atualmente existem concessionários e permissionários. As concessões são dadas pelo Presidente da República mediante contratos firmados entre as partes, e as permissões pelo Ministro da Viação e Obras Públicas num regime de absoluta precariedade. Essa distinção teve origem de ordem técnica. As permissões referem-se às emissoras com potência de 100 a 250 watts em cidades com menos de 100.000 habitantes, e foram reguladas pelo Decreto-lei nº 714 de 20 de setembro de 1938. Entretanto, os permissionários executam serviço idêntico ao dos concessionários e a potência de uma estação não modifica a essência do serviço executado. Sendo apenas uma condição de ordem técnica, a potência não deve interferir na estabilidade das emprêsas, nem criar um escalonamento em matéria de direitos e responsabilidades. Tudo aquilo que se aplica nas leis atuais e no projeto ás concessões, poderá ser igualmente aplicado às permissões sem que resulte qualquer dificuldade para o gôverno. a própria circunstância de estarem as permissões mais sujeitas a reajustes de ordem técnica por se tratar de frequências que são repetidas em outras localidades relativamente próximas, não é bastante para que se negue aos permissionários uma situação de melhor garantia, pois tais modificações seriam sempre baseadas na melhoria dos serviços e jamais na sua extinção. Se na prática o que estamos vendo é uma situação idêntica de garantias e direitos entre concessionários e permissionários, não há porque manter uma distinção que só traz maior intranquilidade àqueles que justamente desempenham os serviços de radiodifusão em localidades de recursos acanhados, enfrentando maiores problemas e dificuldades.

 

     Dispensa maior justificativa a disposição que dá, aos atuais concessionários, preferência para a exploração de serviços complementares. Não é justo, com efeito, que a televisão seja negada a um antigo concessionário de radiodifusão, que arorstou as dificuldades iniciais e lutou para acompanhar a evolução da técnica rádio-elétrica, e seja concedida a quem então nenhum serviço prestou neste terreno, de modo que o antigo concessionário acabe por ter em mãos apenas um serviço absoluto.

 

     Sala das Sessões, 11 de dezembro de 1953. - Alexandre Marcondes Filho.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 2 de 13/12/1953


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 2 - 13/12/1953, Página 2136 (Exposição de Motivos)