23/04/2014 00:01 - Economia
Radioagência
Diretas Já: inflação alta é uma das marcas da economia brasileira na época
Prestem atenção neste comercial:
"Com preços para estocar. Carne da melhor qualidade, frango especial, cerveja e refrigerante. Nas compras do mês do CB, você economiza de verdade. Aproveite!"
Este é um comercial da década de 80 quando os brasileiros começaram a conviver com a inflação em alta. O descontrole da economia no final do governo militar foi um dos motivos que facilitaram o movimento das Diretas Já em 1984. Compras de mês, estocagem de produtos... eram defesas dos cidadãos contra a alta dos preços. O salário vinha e ia no mesmo dia para evitar preços maiores no dia seguinte.
A inflação, que era de 19,5% ao ano entre 1967 e 1973 passou para 40% ao ano entre 1974 e 1978 e para 211% em 1983. Mas o que causou tamanho descontrole? Os economistas Luiz Carlos Bresser Pereira e Yoshiaki Nakano resumem a história entre 1979 e 1983, véspera do movimento das Diretas, em quatro fatores: reajustes de preços administrados pelo governo, principalmente derivados de petróleo; maxidesvalorizações da moeda nacional, o cruzeiro; variação dos preços agrícolas; e mudanças na forma de indexação salarial.
Em 1974, o país, que vinha crescendo a custa de empréstimos externos, amargou o primeiro choque do petróleo. A dívida externa, que era de 12,6 bilhões de dólares foi para 43,5 bilhões em 1978. O então ministro do Planejamento, Delfim Netto, explicou as mudanças em depoimento no plenário da Câmara em março de 1983:
"Para os senhores terem uma ideia, no ano de 73 nós havíamos pago um barril de petróleo menos de US$ 2,5 por barril e no ano de 74, a média de preços do barril elevou-se para US$ 10,5. Continuou mais ou menos neste patamar até o ano de 1978, quando atingiu a US$ 12,2 por barril"
Neste período, países como a Inglaterra e Itália tiveram que pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional. Em 1979, veio o segundo choque dos preços do petróleo e o barril foi subindo até chegar a US$ 34 em 1981. Com a crise, as taxas de juros internacionais, a Prime americana e a Libor inglesa, mais do que dobraram, afetando a já grande dívida externa brasileira. Vamos ouvir Delfim novamente:
"É fácil fazer uma análise deste fenômeno e verificar o seguinte: Sem o aumento do preço do petróleo do segundo choque e sem o aumento da taxa de juros a partir de 1978 e 79, adívida teria permanecido rigorosamente a mesma nos períodos 79-82. O que significa que toda a acumulação da dívida posterior foi uma acumulação destinada a pagar, de um lado, a ampliação do preço do petróleo e, de outro lado, a ampliação das taxas de juros"
Mas o então líder do PMDB, deputado Freitas Nobre, fez questão de rebater o ministro:
"Quando se cantava em todos os tons e motes o chamado milagre brasileiro, quando a euforia das obras faraônicas, suntuárias, senão faraônicas e a inundação dos dólares de enpréstimos internacionais dançavam a dança macabra dos esbanjamentos, quando nossas críticas de advertências moviam neste Plenário sufocados pela censura total, os que viam mais longe, antevendo o fracasso do sucesso, eram apontados como os pessimistas e inimigos da pátria"
O aumento das tarifas foi lembrado pelo líder do PT, deputado Airton Soares:
"O modelo de vossa excelência é o modelo que leva o brasileiro hoje a ter na sua casa a geladeira, a televisão, o ferro elétrico; mas não tem dinheiro para pagar a energia elétrica que consome"
Em outra ocasião, Airton Soares faz referência às grandes obras comparada à resistência do governo em aprovar o seguro-desemprego:
"O ministro Delfim Netto é hábil. Tem verbas para termonucleares, tem verbas para Tucuruí, tem verbas para Itaipu, tem verbas para as obras faraônicas do governo, tem verbas para mordomias, tem verbas para tudo; mas para trabalhador desempregado não tem verbas"
O Brasil passou pela transição do regime militar para o governo civil, mas a inflação ainda chegaria a 2.477% em 1993.