14/12/2005 20:59 -
Radioagência
Comissão debate retirada não-autorizada de crianças indígenas de aldeia - ( 03' 29' )
A Comissão da Amazônia realizou audiência pública, nesta quarta-feira, para discutir a denúncia de retirada não-autorizada de duas crianças da aldeia indígena Zuruahã, no Amazonas. A retirada foi feita pela entidade Jovens com uma Missão, a Jocum, organização filantrópica e missionária internacional que reúne igrejas de várias denominações. As crianças - um bebê com pseudo-hermafroditismo e outro com paralisia cerebral - foram levadas, em julho deste ano, para atendimento médico em São Paulo, acompanhadas de familiares. O bebê com a genitália ambígua foi operado e hoje é uma menina. O problema é a forma como os indígenas deixaram a tribo. Para a remoção de índios isolados ou de pouco contato com os brancos, como é o caso dos Zuruahã, é necessário que haja autorização da Fundação Nacional do Índio, a Funai, e da Fundação Nacional de Saúde, a Funasa. A Jocum alega ter feito a remoção para evitar a morte dos bebês, já que, pela tradição da tribo, as crianças que nascem com problemas físicos ou mentais são sacrificadas. Os missionários afirmam ter obtido autorização da Funasa para viajar com os índios. Mas o diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, José Maria de França, afirmou na audiência pública que a Fundação só tomou conhecimento da situação dois meses após a chegada do grupo a São Paulo. Já o vice-presidente da Funai, Roberto Aurélio Lustosa, garantiu que o órgão não foi comunicado e lança dúvidas sobre o documento obtido pela Jocum.
"A retirada dos Zuruauhã para São Paulo foi totalmente irregular. A autorização apresentada, que é do chefe de um posto que não tinha nenhuma autorização para emitir esse documento, começa por aí, esse documento emitido por esse chefe de posto que não tinha delegação foi feito já depois que os índios tinham sido retirados da aldeia. Esse documento se remetia a um documento da Funasa de data posterior, o que é um absoluto contrasenso. O chefe do posto viajou no tempo e se referiu a um documento que não tinha ainda acontecido. De modo que a gente vê aí que alguém forjou esses documentos para tentar dar uma aparência de legalidade, de legitimidade à retirada desses índios da área dos Zuruahã."
Mas o deputado Henrique Afonso, do PT do Acre,
um dos autores do requerimento para a realização da audiência pública, defendeu a entidade missionária.
"Eu vou me amparar na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que a vida humana é intrínseca ao indivíduo e independe do status dessa pessoa, da condição física. Foi necessário fazer isso, necessário que precisa da compreensão da Funai, do Ministério Público e da Funasa. Necessário porque a vida tem que estar acima de qualquer sistema de crença, de código cultural. Nós não podemos admitir que num sistema de crença se venha a admitir o infanticídio, a morte de crianças, o abandono de crianças na floresta, o enterro de crianças vivas na floresta ou em qualquer outro lugar."
A organização filantrópica Jocum atua há 20 anos na aldeia indígena Zuruahã sem autorização da Funai. Após denúncia do Ministério Público Federal, a Fundação Nacional do Índio determinou que a entidade se retire da área.
De Brasília, Marise Lugullo