Rádio Câmara

Reportagem Especial

Barcarena: acidente ambiental no Pará

19/11/2018 -

  • Barcarena: acidente ambiental no Pará (bloco 1)

Fortes chuvas atingem a região metropolitana de Belém, no Pará, entre os dias 16 e 17 de fevereiro de 2018. Na cidade de Barcarena, ruas ficam alagadas. Até aí, nada demais, porque as chuvas intensas fazem parte do cotidiano do paraense ao longo de todo o verão. Dessa vez, no entanto, os moradores notaram uma cor diferente nos rios e igarapés próximos ao distrito industrial da cidade. Era algo meio avermelhado, diferente do que se via em outras tempestades. Como a região já tinha um histórico de contaminações, logo os moradores desconfiaram de vazamento nos depósitos de rejeito de produtos químicos usados na produção da alumina. A empresa Hydro Alunorte era a principal suspeita. Dirigente da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia, Bosco Oliveira foi um dos primeiros a tirar fotos da nova contaminação.

Bosco Oliveira: "Houve o transbordamento porque a própria Hydro tem as comportas das bacias e eles não conseguiram abrir as comportas que dão vazante para o Rio Murucupi e para os canais que atingem Tupanema, Vila Nova e Caripi. Não deu tempo de abrir as comportas e ela teve de transbordar. Fomos nós que fizemos aquelas primeiras imagens: duas, cinco horas da manhã e toda a empresa alagada pela lama vermelha da própria empresa".

A lama vermelha continuava a se espalhar e o pânico começou a tomar conta dos moradores ribeirinhos. Muitos deles tiravam o sustento por meio da pesca nos igarapés. Autoridades ambientais foram mobilizadas. O Ministério Público também. No dia seguinte, a Câmara dos Deputados criou uma comissão externa para acompanhar o caso. A deputada Elcione Barbalho, do MDB do Pará, conta o que viu ao chegar a Barcarena.

Elcione Barbalho: "Eu fui lá. Estive lá na hora. Nós entramos no furo e fomos lá na beira. Dava dó de olhar os igarapés com as águas turvas, totalmente contaminadas. Há de se convir que houve infiltração, e muito".

A mobilização só aumentava: a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil também se juntaram à força-tarefa para esclarecer a contaminação. Além da suspeita de transbordamento do depósito de rejeitos químicos, descobriram-se dutos irregulares da empresa Hydro para o escoamento clandestino de tais materiais contaminantes. Especialista em meio ambiente e saúde pública, o pesquisador Marcelo Lima, do Instituto Evandro Chagas, deu o veredicto quanto ao vazamento, tanto nos dutos clandestinos quanto no depósito de rejeitos.

Marcelo Lima: "Quanto ao transbordo, nós temos evidências por meio de imagens e dados químicos que mostram que o que estava dentro da empresa (Hydro) estava também lá fora da empresa. A gente chama isso de assinatura química. Detectamos alterações nos níveis de alumínio, ferro, cromo - em determinado momento -, chumbo, arsênio, urânio, mercúrio. E eu lhe diria tranquilamente que hoje nós temos como comprovar a origem de tudo isso. Só falta consolidarmos os nossos resultados de análise".

Vamos repetir alguns dos contaminantes encontrados nos rios e igarapés de Barcarena após as fortes chuvas de 16 e 17 de fevereiro: alumínio, ferro, cromo, chumbo, arsênio, urânio e mercúrio. Muitos desses elementos químicos são cancerígenos e podem trazer outros sérios danos neurológicos e respiratórios para a população. O laboratório de química da Universidade Federal do Pará pesquisou o impacto da contaminação nos moradores de Barcarena e, numa amostra significativa, constatou a presença de chumbo no cabelo de ribeirinhos. Rios e igarapés estavam com metais pesados em níveis bem acima do limite máximo admitido pela Organização Mundial de Saúde.

Cinco dias após a contaminação, a comissão externa da Câmara promoveu uma grande audiência pública, em Barcarena, com representantes das comunidades, da empresa Hydro e dos órgãos que investigavam o caso. O coordenador da comissão, deputado Edmilson Rodrigues, do Psol do Pará, lembra que revelações importantes foram feitas nesse encontro.

Edmilson Rodrigues: "Foi a primeira vez que a empresa assumiu que havia uma tubulação jogando diretamente no rio os dejetos do processo de beneficiamento da alumina. Posteriormente, nós descobrimos mais dois sistemas de engenharia. Um de concreto, que tinha duas comportas: portanto, havia um controle, em um sistema complexo de engenharia, da remessa ou não de dejetos. Então, foi uma obra de engenharia bem planejada e, portanto, intencional o investimento da empresa para poluir de forma clandestina a natureza e destruir a qualidade ambiental e a saúde da população. Depois, descobriu-se um terceiro duto".

A Hydro Alunorte sempre negou e resistiu às denúncias. Além de garantir que segue os padrões definidos no licenciamento ambiental, a empresa argumenta que a responsabilidade por eventuais contaminações deve levar em consideração a precária infraestrutura socioambiental no entorno do polo industrial de Barcarena. Em março, o vice-presidente sênior da empresa norueguesa no Brasil, Sílvio Porto, veio a Brasília depor na comissão externa da Câmara e atribuiu os problemas de alagamento na Hydro Alunorte ao que chamou de "chuvas excepcionais". Silvio Porto também mostrou estudos para rebater a hipótese de impacto ambiental nos eventuais problemas com dutos da empresa.

Silvio Porto: "Foi atestado aqui pela Semas (Sec. Est. de Meio Ambiente) e pelo Ibama que realmente não houve transbordo das bacias. Porém, houve situações pontuais, dos quais estamos avaliando o impacto. Temos resultados preliminares e precisamos aprofundar. Quando se chega a questões mais específicas, como mapeamento de contaminantes, tipo chumbo, essa resposta tem que ser ampla, porque o ambiente é complexo".

Já a associação dos moradores avalia que foi uma "tragédia anunciada", pois várias advertências já haviam sido oficialmente feitas, como afirma Bosco Oliveira.

Bosco Oliveira: "Não teve água da chuva que pudesse cometer esse crime. Todos eles estavam sabendo: não só a empresa como também os órgãos competentes, por meio de ofício".

A coordenadora de emergências ambientais do Ibama, Fernanda Inojosa, disse que o órgão não constatou rompimento na barragem de resíduos da Hydro, mas aplicou duas multas de R$ 10 milhões de reais à empresa pela existência de um duto clandestino e problemas de licenciamento ambiental. Ainda em fevereiro, a Justiça do Pará determinou a paralisação de 50% das atividades da Hydro.

Amanhã, na segunda matéria desta série especial, confira as conclusões do relatório final da comissão externa da câmara que acompanhou o caso

Reportagem - José Carlos Oliveira
Edição - Aprígio Nogueira
Trabalhos técnicos - Milton Santos

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