Rádio Câmara

Reportagem Especial

SUS: financiamento x gestão

25/09/2018 -

  • SUS: financiamento x gestão (bloco 1)

  • SUS: bons exemplos de funcionamento (bloco 2)

  • SUS: o papel do setor privado (bloco 3)

  • SUS: judicialização da saúde (bloco 4)

  • SUS: regionalização (bloco 5)

No aniversário de 30 anos do SUS, o Sistema Único de Saúde, o sistema público, há um debate político na mesa. De um lado, ministros do governo atual defendem que o problema do sistema é a má gestão e não a falta de financiamento. Como afirma o deputado Ricardo Barros, do PP do Paraná, que foi ministro da Saúde no governo Temer até o início de 2018.

Ricardo Barros: "E nós, enquanto ministro, sempre dissemos: não pediremos mais recursos para a saúde enquanto não pudermos provar que o que recebemos está sendo bem gasto. (…) Não há como progredir financiando mau uso do recurso público do Sistema Único de Saúde. Eu não tive dúvida em devolver e pedir para retornar depois inúmeras entidades filantrópicas que foram ao Ministério pedir ajuda financeira e depois de quatro perguntas - qual o seu custo por leito, qual o seu giro de leito, qual o número de funcionários por leito, quanto custa por ano cada leito -, em quatro perguntas eu falava: olha, o senhor volte, arrume sua casa e depois venha pedir ajuda, porque do jeito que o senhor administra seu hospital o senhor vai voltar aqui a cada seis meses pedir dinheiro e vai sempre faltar.”

Do outro lado da mesa, ministros dos governos anteriores, petistas, rejeitam a noção de que bastaria melhorar a gestão, sem aumentar os recursos, para resolver as falhas do SUS. E demonstram preocupação com a emenda constitucional 95, que limita os gastos públicos até 2036. Pela regra, aprovada em 2016, a cada ano, a União só pode gastar o equivalente ao que tiver gastado no ano anterior mais a inflação. Segundo Arthur Chioro, ministro da Saúde no governo Dilma, é a primeira vez que ministros da Saúde deixam de lutar por mais recursos para o setor.

Arthur Chioro: “Nós estamos agora vivendo, somando as três esferas de governo, com um pouco mais do que 3,20 reais por habitante por dia. Isso não paga uma passagem de ônibus nas cidades de grande e médio porte, aliás não paga a ida. E somos compelidos a garantir a saúde para todos e de maneira integral com um recurso absolutamente pífio. (...) Nem no governo Collor, nem no governo Itamar, nem no governo Fernando Henrique, nem no governo Lula, nem no governo Dilma, nós tivemos os ministros da saúde assumindo esse falso discurso, essa falácia de que o problema do SUS é gestão.”

Cálculos da consultoria de orçamento da Câmara apontam queda de R$ 1,2 bilhão para a saúde no projeto da lei orçamentária de 2019. Pelos números apresentados pelo governo, a proposta prevê reajuste de 0,84% em relação a 2018, mas abaixo da inflação considerada para o período, de 4,39%.

Para a maioria dos nossos entrevistados e dos participantes de um seminário sobre os 30 anos do SUS, realizado em junho pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, o problema é tanto de gestão quanto de financiamento. Nas palavras do diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rodrigo Lima, por exemplo, o financiamento per capita do SUS é “ridículo”. E, mesmo com todos os problemas que tiram recursos do sistema, como judicialização, má gestão e corrupção, o SUS faz milagre com o que sobra.

Rodrigo questiona o modelo tripartite de gestão do SUS, em que as responsabilidades são divididas entre estados, municípios e a União. Na visão dele, os municípios brasileiros, que são, em sua maioria, muito pequenos, com menos de 20 mil habitantes, acabam tendo muita autonomia sem ter condições técnicas nem financeiras de gerir a saúde.

Rodrigo Lima: “Não dá para acreditar que a gente tem cinco mil quinhentos e tantos municípios neste País e que a gente tem pessoas com qualificação técnica suficiente para pensar a gestão de saúde nesses cinco mil quinhentos e tantos municípios. Muitas vezes o secretário municipal de saúde tem o nível técnico, ele não tem nem o nível superior. Eu já deparei com um caso em que o secretário de Saúde era um caro indicado pelo prefeito que, antes do prefeito ser eleito, era o motorista da ambulância no município. Não estou colocando nenhum demérito ao cara que é motorista de ambulância, mas imagino que seja uma pessoa que não tenha capacidade técnica para pensar a gestão do sistema de saúde.”

O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, Mauro Junqueira, diz que a entidade vem buscando estratégias e ferramentas para melhorar a gestão, como encontros, palestras e um manual para os secretários municipais. Mas há outros desafios, como a alta rotatividade do cargo e o subfinanciamento. Segundo Junqueira, o governo federal vem transferindo cada vez mais responsabilidades aos municípios sem transferir recursos na mesma proporção. E, como o secretário é pessoalmente responsabilizado por tudo que acontece na sua gestão, podendo até ser preso, mesmo que a solução do problema não esteja a seu alcance, ele diz, isso acaba assustando e afastando as pessoas do cargo.

Mauro Junqueira: “Cada mandato novo de prefeito a gente vê a dificuldade de prefeitos de colocar um secretário para assumir a pasta porque essas questões vêm trazendo dificuldade para a gestão, num cenário de subfinanciamento da saúde. (…) Em 1993, em ações de serviços públicos de saúde, o governo federal respondia por 72%. E hoje responde só por 40%. Lá em 93, os municípios respondiam por 16%, hoje 31%. Então, nesse período, o governo federal transfere responsabilidade, mas o dinheiro não acompanha.”

O atual ministro da Saúde, Gilberto Occhi, afirma que o governo federal saiu de um investimento de menos de 100 milhões de reais na saúde em 1988 para mais de 130 bilhões neste ano. Só nos últimos 10 anos, segundo ele, houve aumento de mais de 100%.

No próximo capítulo, conheça os bons exemplos de funcionamento do SUS.

Reportagem - Verônica Lima
Edição - Sílvia Mugnatto

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De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h