Rádio Câmara

Reportagem Especial

Brincadeiras Perigosas - a internet tem que ser controlada para evitar esses conteúdos?

10/07/2017 -

  • Brincadeiras Perigosas - a internet tem que ser controlada para evitar esses conteúdos? (bloco 1)

  • Brincadeiras Perigosas - Baleia Azul (bloco 2)

  • Brincadeiras Perigosas - por que e como combater? (bloco 3)

  • Brincadeiras Perigosas - perfil dos adolescentes vulneráveis (bloco 4)

  • Brincadeiras Perigosas - o risco de suicídio (bloco 5)

Em 1774, um romance sobre o amor não correspondido entre um jovem e uma mulher casada causou uma onda de suicídios na Europa.

No livro do alemão Goethe, o jovem Werther contava a um amigo suas desventuras amorosas e, no final, tirava a própria vida. O livro teve tanto impacto que centenas de pessoas imitaram o protagonista da história em todos os lugares em que foi lançado. Até no Brasil.

Quase 250 anos depois, especialistas do mundo todo tentam entender fenômeno parecido, só que agora relacionado a conteúdos propagados pela Internet. São milhares de vídeos, compartilhados principalmente por adolescentes, que contém coisas como bullying, trolagem, desafios arriscados e indução à automutilação e ao suicídio.

Segundo o psicólogo Marcelo Tavares, professor da Universidade de Brasília, o problema é que muitos jovens tendem a copiar os exemplos.

Marcelo Tavares: "Uma das coisas que a gente estuda no comportamento de risco no jovem é que ele tem um fator imitativo muito importante, que foi descoberto a partir deste romance do Goethe."

De acordo com o Mapa da Violência divulgado no ano passado, entre os anos 2000 e 2012, período que coincide com o boom da internet, o número de casos de suicídio aumentou mais de 30%, enquanto o de homicídio cresceu menos de 9%. Nesses 12 anos, só o número de mortes no trânsito aumentou mais: 36%.

Em 2012, na população jovem, entre 15 e 29 anos, os suicídios corresponderam a quase 4% das mortes violentas. O percentual é cinco vezes maior que o da população fora dessa faixa etária.

O assunto chegou à Câmara dos Deputados, que reuniu psicólogos, advogados, policiais e especialistas para discutir as causas do fenômeno e o que fazer.

Eles chegaram a alguns consensos sobre o assunto, considerado tabu. Um deles é que esse tipo de conteúdo, como os jogos de desafio, entre os quais o da Baleia Azul, afeta principalmente jovens vulneráveis, vítimas de bullying, abusos e problemas psiquiátricos. Ou que simplesmente querem fazer parte de um grupo.

Para a psiquiatra Fernanda Figueiredo, do Núcleo de Prevenção do Suicídio da Secretaria de Saúde Mental do Distrito Federal, é preciso prevenir e ficar atento ao bullying, inclusive o praticado por meio da internet.

Fernanda Figueiredo: "São vários eventos. Qualquer tipo de abuso, de violência, isso pode deixar a pessoa mais fragilizada, levar a aumentar o risco de uma tentativa de suicídio ou de suicídio. Inclusive o bullying e o cyberbullying. Isso a Associação Americana de Pediatria, no ano passado, publicou um artigo já colocando o bullying como fator de risco para o suicídio também."

O problema levou muita gente a propor medidas de controle da Internet, o que não é consenso. Uma coisa é criar mecanismos de retirada de conteúdos considerados impróprios. Outra é tentar censurar e punir a rede, como explica Demi Getschko, do Comitê Gestor da Internet do Brasil.

Demi Getschko: "Internet não é culpada de nada. Ela é simplesmente o termômetro da febre e ela nos mostra que existem problemas que precisam ser resolvidos, mas os problemas devem ser resolvidos em si, e não simplesmente quebrando o termômetro."

Mas, em abril, a divulgação considerada sensacionalista da existência do jogo da Baleia Azul, que começou como uma notícia falsa, mas se espalhou pelo mundo, atiçou a curiosidade dos adolescentes sobre o assunto, como explica o advogado Luiz Augusto Filizola, da Comissão de Direito Digital da OAB de São Paulo:

Luiz Augusto Filizola: "Com a repercussão do jogo Baleia Azul, as buscas pela palavra suicídio no Google aumentaram 100% na terceira semana de abril deste ano, em comparação ao ano de 2015. Houve também um aumento repentino nas pesquisas do Google registradas com as palavras "suicídio indolor" e "suicídio rápido" nessa mesma semana."

Diante disso, surgiram sugestões para aumentar o controle da Internet. Uma delas é modificar o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). É a sugestão do advogado Rony Vainzof, especialista em Direito Eletrônico.

Rony Vainzof: "O Marco Civil, no artigo 19, ele exige ordem judicial para iniciar uma responsabilidade civil. Ele não exige ordem judicial para retirar o conteúdo. O provedor pode sim retirar o conteúdo, mas ele trouxe um conforto jurídico para aqueles que não atuarem diligentemente."

Tem também quem defenda tipificar crimes ligados à Internet no Código Penal (Decreto Lei nº 2.848/1940) e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A proposta é vista com cautela no Congresso. O deputado João Campos, do PRB de São Paulo, relator do projeto que altera o Código de Processo Penal, é contra.

João Campos: "Eu me lembro bem quando do sequestro relâmpago. Parecia que não havia possibilidade da polícia, do Ministério Público e do Judiciário atuar se não tivesse uma alteração no Código Penal. Tínhamos que criar um tipo específico de sequestro relâmpago quando, na verdade, os fatos que a polícia ia investigando, ia delineando a autoria, as circunstâncias, enfim, o cidadão ia sendo indiciado, o Ministério Público ia indiciando e daí por diante. Não havia, em tese, lacuna na lei."

Outros projetos responsabilizam o provedor que divulgar conteúdos que estimulem violência. Um deles (PL 6989/07) foi apresentado pelo deputado Odorico Monteiro, do PSB do Ceará.

Odorico Monteiro: "Entendemos que o Marco Civil da Internet é algo extremamente importante, foi uma conquista deste Parlamento, desta Casa no diálogo com a sociedade. Agora, a gente não pode ter também como uma vaca sagrada, nem como um dogma. Todo dia, nesse campo, surgem situações novas."

Seja qual for a solução, os especialistas recomendam aos pais ficarem atentos ao comportamento dos filhos e ao que eles acessam. Três anos atrás, no Ceará, o estudante Dimitri Jereissati, de 16 anos, morreu depois de participar de um desafio que consiste em provocar um desmaio por sufocamento, estimulado por milhares de vídeos na internet.

O caso fez o pai dele, Demétrio Jereissati, criar um instituto, chamado DimiCuida, para atuar na prevenção dos efeitos desse tipo de brincadeira.

Demétrio Jereissati: "A gente não tem aqui nenhuma campanha contra provedor, contra Internet ou nenhuma campanha contra nada nem contra ninguém. O que a gente tem é um alerta a um mundo que está entrando em nossas casas sem pedir licença, e atinge, alcançando nossos filhos de dois, três, quatro anos e daí para frente."

Os pais devem estar atentos a alguns comportamentos que podem significar risco para os filhos, como passar muito tempo trancado no quarto, irritabilidade excessiva, uso de roupas de mangas compridas para esconder marcas, manchas vermelhas no rosto ou sinais de depressão.

Nesses casos é preciso buscar ajuda e várias instituições estão à disposição. A mais conhecida é o CVV, o Centro de Valorização da Vida, que pode ser contatado pelo telefone 141 ou pelo site cvv.org.br.

Dicas e recomendações podem ser encontrados ainda nos sites da Safernet e do Instituto DimiCuida. São eles: canaldeajuda.org.br e institutodimicuida.org.br.

Quem são os principais alvos do jogo Baleia Azul? Saiba, no próximo capítulo.

Reportagem - Antonio Vital
Edição - Mauro Ceccherini
Trabalhos Técnicos - Carlos Augusto de Paiva

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