Rádio Câmara

Reportagem Especial

Código de Processo Penal: o que é e qual a relação com a vida do cidadão

20/03/2017 - 07h01

  • Código de Processo Penal: o que é e qual a relação com a vida do cidadão (bloco 1)

  • Código de Processo Penal: o papel e a importância do juiz de garantias (bloco 2)

  • Código de Processo Penal: a briga de poder entre agentes, delegados e Ministério Público (bloco 3)

  • Código de Processo Penal: a Justiça restaurativa e a audiência de custódia (bloco 4)

  • Código de Processo Penal: modelo chileno torna processo mais rápido e eficiente (bloco 5)

Uma comissão especial da Câmara analisa 200 projetos que modificam o Código de Processo Penal (Decreto-lei 3.689/41), o conjunto de regras que serve para aplicar o que está escrito no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais.

É o Código de Processo Penal que define quem deve fazer a investigação criminal, quem deve denunciar o acusado, quais são os direitos do réu e como este direito pode ser exercido ao longo de todo o processo.

Também prevê que medidas podem ser adotadas contra o acusado, que mecanismos ele pode usar para se defender e os limites dos poderes dos policiais, dos promotores e dos juízes.

O projeto básico (PL 8045/10) foi elaborado por uma comissão de juristas e já foi aprovado pelo Senado.

A discussão é jurídica mas tem relação direta com a vida real dos brasileiros. Afinal, no Brasil ocorrem cerca de 60 mil assassinatos por ano e é o Código de Processo Penal que estabelece como esses crimes serão investigados e como os suspeitos serão processados, julgados e, se for o caso, condenados.

Para Nereu Giacomolli, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal, o atual Código Penal não resolve o que considera uma epidemia de violência.

Nereu Giacomolli: "Segundo a Organização Mundial da Saúde, dez homicídios por 100 mil habitantes já significa uma epidemia. E nós temos no Brasil quase 30 homicídios por 100 mil habitantes."

Não é só o número de ocorrências que é enorme. O de presos também é. São 650 mil pessoas em prisões onde só cabem 400 mil. E quase metade delas está atrás das grades sem julgamento.

A quantidade de presos em condições precárias contribui para a crise do sistema penitenciário e para o aumento do índice de violência. No início do ano, mais de 100 deles foram assassinados, alguns decapitados, em revoltas ocorridas em presídios do Rio Grande do Norte, Amazonas e Roraima.

Especialistas ouvidos pela comissão especial atribuem parte do problema ao excesso de prisões no Brasil. Principalmente as prisões provisórias, aquelas decretadas antes da condenação. Eles apontam que o projeto amplia essa possibilidade, em vez de propor medidas alternativas.

Para o deputado Paulo Teixeira, do PT de São Paulo, um dos sub-relatores da comissão especial, a lógica de quanto mais presos melhor não resolve o problema.

Paulo Teixeira: "Nós vivemos um processo absurdo de encarceramento no Brasil. Em todo delito no Brasil, a solução de um conflito é vista sob a ótica do encarceramento. O encarceramento continua sendo a solução para os conflitos no Brasil."

O projeto estabelece, por exemplo, que a prisão preventiva, uma das modalidades de prisão provisória, pode durar até quatro anos. E permite a prisão a partir de alegações genéricas como a necessidade de garantia da ordem pública.

Para o juiz Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, as hipóteses de prisão cautelares são genéricas demais.

Marcelo Semer: "Ele expande o conteúdo da prisão preventiva. Mantém a ideia da garantia de ordem pública, que ninguém nunca conseguiu explicar juridicamente o que significa, e ainda cria a figura da prisão por extrema gravidade. No mesmo artigo, que é o artigo 556, diz que não pode haver prisão preventiva como antecipação de pena. No entanto, prender por extrema gravidade é exatamente isso. Prisão provisória é para quem precisa, não para quem merece."

Mas a crítica às prisões cautelares não é unânime nos meios jurídicos e policiais. O relator da comissão especial, deputado João Campos, do PRB de Goiás, que é delegado de polícia, defende a prisão sempre que o investigador achar necessário.

João Campos: "Até que ponto, estando de fato presentes os pressupostos da preventiva, ela não deve ser decretada, ela deve ser substituída por medida diversa da prisão? Será que não era a hipótese de, estando presentes os pressupostos da preventiva, ela ser decretada? E, não estando presentes, então o magistrado buscar uma alternativa diversa da prisão?"

A polêmica na elaboração do novo Código de Processo Penal não se limita às prisões temporárias. A prisão como principal pena para os condenados também é questionada.

O deputado Rodrigo Pacheco, do PMDB de Minas Gerais, defende penas alternativas e até mesmo um novo regime: a prisão domiciliar.

Rodrigo Pacheco: "Esse sistema de regime fechado, semiaberto e aberto não é suficiente. Quem sabe pensar num regime próprio, para aqueles crimes não praticados com violência ou com grave ameaça, que tem um determinado patamar de pena, que poderia ser eventualmente a prisão domiciliar, com todos os cerceamentos inerentes a isso? Ou seja, um regime de cumprimento que desonerasse o Estado na obrigação e nos gastos, que imporia a restrição de direitos de liberdade àquela pessoa, mas não necessariamente no sistema penal clássico, como é hoje no Brasil."

Para a maioria dos especialistas ouvidos pela comissão especial, o atual código está ultrapassado e não está de acordo com a Constituição de 1988.

O promotor de Justiça Fauzi Hassan, que trabalha na área de execuções criminais em São Paulo, defende não uma reforma, mas uma total ruptura com o código atual. Ele dá como exemplo o que fez o Chile, que eliminou a burocracia e o formalismo das várias fases do processo e separou de maneira clara o papel de quem investiga, quem denuncia, quem defende e quem julga.

Fauzi Hassan: "Eu vejo muito mais continuísmos na realidade atual, de acordo com o que consta hoje do projeto de lei, do que efetivas rupturas que causem modificações concretas na realidade demonstrada estatisticamente. Nós não precisamos de uma reforma. Nós precisamos de uma refundação do processo penal. É outra coisa."

O atual Código de Processo Penal foi elaborado em 1941 e nestes quase 80 anos sofreu apenas mudanças pontuais.

O projeto do novo Código de Processo Penal, em tramitação na Câmara, cria a figura do juiz de garantias. Confira, no segundo capítulo.

Reportagem - Antonio Vital
Edição - Mauro Ceccherini
Trabalhos Técnicos - Carlos Augusto de Paiva

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