Rádio Câmara

Reportagem Especial

Corrupção: Câmara pode votar até o final do ano o pacote de 10 medidas contra a corrupção

17/10/2016 - 08h00

  • Corrupção: Câmara pode votar até o final do ano o pacote de 10 medidas contra a corrupção (bloco 1)

  • Corrupção: As polêmicas envolvendo o teste de integridade de servidores públicos (bloco 2)

  • Corrupção: Maioria das propostas torna mais rígidas as leis que tratam de desvio de recursos públicos (bloco 3)

  • Corrupção: Restrição à concessão de habeas corpus e provas ilícitas obtidas de boa-fé (bloco 4)

  • Corrupção: Especialistas defendem também a reforma do sistema eleitoral (bloco 5)

Para muita gente, é como se fosse uma guerra.

De um lado, procuradores, policiais, juízes, auditores, representantes dos órgãos de controle do Executivo e funcionários públicos honestos dos três poderes. Do outro, empresários, agentes políticos, servidores mal-intencionados e corruptos em geral, que se aproveitam de falhas na fiscalização e brechas legais para se apropriar de recursos do Estado e escapar da punição.

No meio, o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Improbidade e outros dispositivos legais que, segundo o Ministério Público, não conseguem evitar o que considera um estado de corrupção institucional no país.

E não faltam motivos para isso. Além dos recentes escândalos, o Brasil ocupa a posição 76 na lista de mais corruptos do mundo analisados pela organização Transparência Internacional, ao lado de Burkina Faso, Índia, Tunísia, Tailândia e Zâmbia.

Nessa lista, quanto maior a posição, mais corrupção, de acordo com a percepção da população.

Com o objetivo de acabar com essa situação, no início do ano representantes do Ministério Público apresentaram ao Congresso um projeto de lei (PL 4850/16) conhecido como "Dez medidas contra a corrupção", que desde então tem dividido juristas, autoridades, especialistas e parlamentares.

A proposta original foi elaborada pelo grupo de promotores que atua na Operação Lava Jato e depois apoiada por mais de mil entidades de todo o país, responsáveis por coletar mais de 2 milhões de assinaturas.

Além de não serem dez medidas, mas quase 20, muitas delas são polêmicas. Por exemplo, a proposta restringe a concessão de habeas corpus pelos juízes e permite o uso de provas ilícitas quando obtidas de boa-fé.

Para o procurador Deltan Dalagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no Ministério Público, as medidas são necessárias para acabar com a impunidade.

Deltan Dalagnol: "Algumas pessoas por vezes dizem não, a Lava Jato mostra que não é preciso mudar as leis. Não. A Lava Jato é a exceção que confirma a regra da impunidade. A regra no nosso país é a impunidade. Nós até temos leis boas para o momento da investigação criminal, mas quando o processo chega na fase de processamento judicial, ele entra numa máquina trituradora do sistema. O sistema faz com que, em 97% dos casos, a impunidade seja alcançada".

O projeto tem outros pontos polêmicos. Um deles é o chamado teste de integridade, que consiste em simular a oferta de propina para ver se o servidor público é honesto ou não.

O projeto também criminaliza o uso de caixa-dois em campanhas eleitorais e o enriquecimento ilícito de servidores públicos, permite o confisco de bens de condenados por enriquecimento ilícito mesmo quando não há provas de que foi fruto de corrupção, aumenta as penas de vários crimes ligados à corrupção e permite ao juiz não aceitar recursos que considerar apenas protelatórios.

A proposta tem apoiadores de peso, como o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, responsável por julgar os processos da Operação Lava Jato. Para ele, o apoio popular justifica as medidas.

Sérgio Moro: "É um projeto que foi feito pelo Ministério Público, mas que angariou mais de 2 milhões de assinaturas. Eu quero deixar muito claro desde o início que minha posição é endossar projeto. Eu concordo com o projeto. Acredito que 2 milhões de brasileiros que assinaram não podem estar errados".

Mas o objetivo de acabar com a impunidade, com os processos que se arrastam por anos à base de sucessivos recursos judiciais e com a corrupção não é suficiente para convencer quem vê nas medidas atentados às garantias constitucionais.

Para o advogado Gamil Föppel, professor de Direito da Universidade Federal da Bahia, o projeto fere o processo penal e foi apoiado por pessoas que assinaram sem ler.

Gamil Föppel: "A primeira observação que eu faço em relação ao projeto é que nele existe um vício de origem, um vício de forma. Porque as pessoas foram chamadas a endossar dez medidas sem lerem o arquivo que dava suporte ao projeto. Eu custo a crer que desses 2 milhões de pessoas, pelo menos 10% tenham lido o projeto. E custo a crer que desses 2 milhões de pessoas, 10% tenham entendido o que que o projeto significa".

Emanuel Queiroz Rangel, defensor público do Rio de Janeiro e representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos, aponta outro risco das medidas: permitir abusos policiais contra as pessoas pobres.

Ele critica especialmente o uso de provas ilícitas obtidas de boa-fé e as restrições aos habeas corpus. No Rio, segundo ele, 27% das pessoas sofrem violência quando presas em flagrante.

Para Rangel, o projeto diminui ainda mais as garantias dos cidadãos contra a violência do Estado. E dá o exemplo do que aconteceu quando houve a ocupação do Morro do Alemão pela polícia, em 2010.

Emanuel Queiroz Rangel: "As pessoas saíam para trabalhar e, quando voltavam, suas casas foram invadidas pelas forças de segurança atrás de criminosos. E aí as pessoas, no segundo e terceiro dias, colavam cartazes com cópia da carteira de trabalho, que tinham saído para trabalhar, pedindo pelo amor de deus para não invadirem a casa dele novamente e destruírem tudo o que ele tinha".

Depois de entregue ao Congresso, o projeto foi assumido por quatro deputados e agora tramita em uma comissão especial, que já ouviu mais de 60 pessoas, entre juízes, promotores e especialistas.

O relator na comissão, deputado Ônyx Lorenzoni, do Democratas do Rio Grande do Sul, já avisou que vai mudar alguns pontos, como o que prevê o teste de integridade, que será feito apenas mediante autorização judicial.

Mas os deputados continuam divididos sobre as propostas. Para o deputado Paulo Teixeira, do PT de São Paulo, as medidas são inconstitucionais.

Paulo Teixeira: "Dessas dez medidas, parte delas são de medidas de combate à Constituição. Nós não podemos tirar garantias, nós não podemos erigir um Estado fascista, policial, autoritário, com o biombo do combate à corrupção".

Para o presidente da comissão especial, deputado Joaquim Passarinho, do PSD do Pará, é preciso chegar a um equilíbrio que permita a punição dos criminosos, sem acarretar perda de direitos.

Joaquim Passarinho: "Acho que a grande missão da comissão é definir que as liberdades individuais não sejam usadas também para uma liberdade de impunidade. Esse equilíbrio é que eu acho que a comissão vai ter que procurar. Não precisamos passar por cima de liberdade nenhuma, mas essa liberdade não pode ser impunidade".

O relator da comissão especial, Ônyx Lorenzoni, pretende entregar seu relatório até o fim de outubro, para que seja votado ainda em novembro.

Depois disso, as medidas contra a corrupção vão para o Plenário da Câmara.

Conheça, amanhã, as polêmicas envolvendo o teste de integridade de servidores públicos.

Reportagem – Antônio Vital
Edição – Márcio Achilles Sardie e Mauro Ceccherini
Trabalhos Técnicos – João Vicente

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