Rádio Câmara

Reportagem Especial

Concessão x Privatização: definição e histórico

24/08/2015 - 13h01

  • Concessão x Privatização: definição e histórico (bloco 1)

  • Concessão x Privatização: governo e oposição divergem sobre o tema (bloco 2)

  • Concessão, privatização, parceria público-privada e os projetos em tramitação (bloco 3)

Concessão ou privatização? Os dois termos estão no centro do debate político e econômico atual: governo, sociedade, empresários e trabalhadores discutem qual é, ou quais são, as melhores formas e os melhores modelos para se gerir os bens públicos. Em outras palavras, para a administração pública, estatal, o apoio da iniciativa privada é bem vindo ou prejudica os serviços prestados ao cidadão? A máquina pública é ineficiente e, por isso, necessita da parceria com a iniciativa privada? Ou é o Estado que abre mão de setores estratégicos para entregá-los ao setor privado sem controle, sem fiscalização, cobrando tarifas absurdas do consumidor, sem nenhum instrumento viável de reclamação ou crítica? Como fazer isso? Privatizar, conceder ou manter nas mãos do estado? Qual é o melhor modelo? Funcionam? Os serviços, de fato, melhoram com as concessões ou privatizações? Existe um modelo ideal?

De maneira geral, define-se privatização como a venda de órgãos ou de empresas estatais para a iniciativa privada, geralmente, por meio de leilões públicos. Já na concessão, a transferência é temporária e a empresa tem prazos definidos, que podem ou não ser renovados, além de regras para explorar o serviço. É o que explica o professor de direito administrativo Flávio Unes:

“Privatização é um termo que é usado, às vezes, no sentido genérico. No sentido genérico pode até envolver como uma espécie a concessão. Ocorre que a privatização, também, é utilizada como forma não simplesmente de transferir a execução, mas transferir a própria titularidade da atividade, ou seja, algo que em princípio era de obrigação do Estado, passa a ser transferido como obrigação do particular. A concessão é quando o estado transfere a execução de uma atividade, permanecendo nas mãos do Estado o senhorio, a titularidade da atividade. Portanto, é o Estado que é o responsável por prestar, ele apenas, na concessão, estabelece uma forma, um instrumento para transferir essa execução para o particular."

Historicamente, o País admite a necessidade de investimento na área para o seu desenvolvimento econômico. No caso do setor de infraestrutura, por exemplo: em 1835, o Império não contava com recursos para investimento em ferrovias, mas já previa em lei a concessão, com privilégio pelo prazo de 40 anos, às empresas que se propusessem a construir estradas de ferro, interligando o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. O incentivo, naquele momento, não despertou o interesse desejado. Apenas em 1852, o Barão de Mauá recebeu a concessão do governo imperial para a construção e a exploração de uma linha férrea, no Rio de Janeiro, entre o Porto de Estrela, situado ao fundo da Baía da Guanabara, e a localidade de Raiz da Serra, em direção à cidade de Petrópolis. A primeira parte da estrada foi inaugurada, dois anos depois, por D. Pedro II.

Se em alguns setores econômicos o governo necessitou da parceria com a iniciativa privada para auxiliar o desenvolvimento do País, em outros, o estado assumiu para si a gestão de algumas áreas e determinou que essas áreas deveriam ficar sob tutela estatal. Foi o que aconteceu com o setor de siderurgia. Com o objetivo de fornecer aço para os aliados durante a Segunda Guerra, Getúlio Vargas criou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), privatizada em 1993, pelo presidente Itamar Franco.

O processo de privatização no Brasil representou uma mudança radical do papel, até então preponderante, reservado ao Estado na atividade econômica. Desde o primeiro governo Vargas, quando se implantou uma política de substituição das importações, ficou definido que os grandes empreendimentos ficariam sob controle e gestão do Estado brasileiro. Segundo o professor Flávio Unes, o contexto socioeconômico mudou e hoje o parceiro privado é fundamental:

"Nós tivemos momentos em que o Estado acumulou para si uma série de atividades. E aí, o estado acumulou para si empresas públicas e sociedades de economia mista, começou a estender os seus tentáculos para várias áreas. Porque um determinado contexto social e econômico assim demandava. Hoje, com o reconhecimento que o estado não dá conta sozinho de executar todas as tarefas a que lhe é incumbido, se reconhece uma necessidade de uma maior interlocução com o mercado e com o parceiro privado. O papel do âmbito privado, do parceiro privado, no exercício das atividades públicas é muito maior e indispensável para eficácia e eficiência do atendimento das demandas sociais. É isso, por si, a meu juízo, um mal, desde que o Estado seja um bom controlador."

Para o vice-líder do PSDB, Luiz Carlos Hauly, do Paraná, o mais importante é a qualidade da gestão e a importância estratégica do setor para o país:

"O que é público? O que é privado? Na organização do Estado, de qualquer país do mundo, você tem que determinar o que é o público e o que é o privado. Tem que ficar bem claro. No governo do Getúlio Vargas, antes da Segunda Guerra Mundial, a atividade do aço, o Brasil não tinha uma indústria siderúrgica. E ele entendeu obter uma indústria siderúrgica que, depois, com o passar dos anos, vimos que não há necessidade de se ter uma usina siderúrgica do Estado brasileiro. Então, o importante é funcionar, gerar empregos, ter tecnologias e pagar os impostos."

No entanto, há quem entenda o contrário, com fortes críticas aos processos de privatização e de concessão por que passou o País nos últimos anos, sobretudo nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma. Para o deputado Ivan Valente, do Psol paulista, setores estratégicos devem permanecer sob controle do Estado:

“A Vale do Rio Doce, a Telebrás, a Telesp foram privatizadas e foram vendidas a preço de banana, ou seja, foram doadas, na prática, para a iniciativa privada. A tese que é insustentável, na minha opinião, que tudo que é privado é melhor. Então, você pega o escândalo da Petrobras e dizem assim: por isso que é ruim, porque ela é pública, ela é estatal. No entanto, quando o Eike Batista vai à falência, ninguém fala que a iniciativa privada é incompetente. Os setores estratégicos da nação têm que ficar na mão do Estado. Você não pode privatizar empresa de água, empresa de eletricidade, de petróleo em nome da ideia que a iniciativa privada é eficiente. É mentira, é uma balela que foi criada pelos privatistas."

O processo de desestatização da economia se intensificou nos anos 80, quando, aproximadamente, 40 empresas foram privatizadas. Nos anos 90, foram vendidas diversas empresas como a CSN, a Light, a Vale do Rio Doce, ações de estatais como a Petrobras. Já nos anos 2000, o processo continuou com vendas e concessões para uso de rodovias, além da privatização de bancos e empresas estatais.

O novo pacote de medidas de investimento em logística apresentado pelo governo, em junho deste ano, prevê a entrega à iniciativa privada de obras de infraestrutura em rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos. O programa também prevê investimentos de mais de R$ 190 bilhões nos próximos anos. Além do plano de investimento em logística, o governo já anunciou, para ajustar as contas públicas, mudanças nos benefícios sociais, como seguro-desemprego, auxílio-doença, abono salarial e pensão por morte e mudanças nos benefícios de incentivos fiscais a empresas.

Confira, no segundo capítulo da Reportagem Especial, o pacote de concessões lançado pelo Executivo que promete investimentos de R$ 190 bilhões em logística.

Reportagem – Luiz Gustavo Xavier
Edição – Mauro Ceccherini

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