Rádio Câmara

Reportagem Especial

A desigualdade tributária e o Imposto sobre Grandes Fortunas

29/06/2015 - 14h58

  • A desigualdade tributária e o Imposto sobre Grandes Fortunas (bloco 1)

  • A desigualdade tributária e a tributação sobre o consumo (bloco 2)

  • A desigualdade tributária e os impostos sobre propriedade (bloco 3)

  • A desigualdade tributária, a fuga de capitais e a taxação transnacional (bloco 4)

  • A desigualdade tributária e o imposto de renda (bloco 5)

Há uma unanimidade quando se fala em reforma tributária no Congresso: os pobres pagam proporcionalmente mais impostos que os ricos no Brasil. Estudo do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de 2011, mostra que quanto menor a renda do trabalhador brasileiro, mais tributos ele paga em relação ao total do que ganha. Segundo o instituto, os 10% mais pobres contribuem para o Tesouro com 32% de seus rendimentos; enquanto isso, os 10% mais ricos, contribuem com apenas 21%. A carga tributária brasileira chegou, em 2013, a quase 36% de toda a riqueza produzida no País.

A desigualdade no pagamento de impostos acontece porque a arrecadação brasileira está concentrada em cobrar impostos de bens e serviços, como sabonete e passagem de ônibus, consumidos em proporção maior pelas pessoas mais pobres e não na renda. Como a tributação sobre o consumo é realizada pela cobrança de vários tributos que envolvem União, estados e municípios, fica complicado conseguir uma desoneração do consumo de quem ganha menos.

Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Brasília mostrou que a desigualdade entre ricos e pobres é maior do que se imaginava pelos levantamentos oficiais do governo. Pela análise, cerca de 140 mil brasileiros, com renda média de R$ 198 mil por mês, ficaram com 11% dos recursos nacionais. Eles representam um em cada mil residentes no País.

Para Marcelo Medeiros, um dos responsáveis pelo estudo, a análise revelou uma desigualdade ainda maior do que a apurada pelo IBGE. Ainda é cedo, segundo o pesquisador, para indicar uma necessidade de se mudar a realidade tributária:

“Está um pouco cedo ainda para a gente sair tirando grandes conclusões disso. O que nós concluímos, com bastante segurança, é que a desigualdade no Brasil permanece relativamente estável de 2006 a 2012. É evidente que isso tem uma série de implicações para as políticas [públicas], mas ainda é um pouco cedo, porque nós ainda não tivemos condições de explorar as causas dessa desigualdade ter permanecido estável. Só quando a gente tiver uma noção mais clara das causas é que a gente vai poder fazer inferências melhor sobre como combater esse nível de desigualdade tão alto.”

Uma solução para reduzir a desigualdade tributária, na opinião de alguns especialistas, seria o aumento da tributação sobre a parcela mais rica da população, como os apontados na pesquisa da Universidade de Brasília. Há propostas na Câmara que buscam alterar as regras de tributação nessa área, mas ainda sem muitos avanços.

Uma delas trata de um tributo previsto na Constituição Federal, mas até hoje não regulamentado, o chamado Imposto sobre Grandes Fortunas. As dificuldades para criação desse imposto começaram na Assembleia Constituinte. Enquanto outros impostos, como o de renda, podem ser regulados por lei comum, esse precisa de uma lei complementar, que tem tramitação especial no Congresso.

Cerca de 60%, ou 307, dos deputados que tomaram posse este ano são favoráveis à regulamentação do tributo, de acordo com questionário feito por um portal de notícias. O tema foi defendido pelo líder do governo, deputado José Guimarães, do PT Cearense, como medida para garantir recursos para o governo em meio ao ajuste fiscal. Segundo ele, não é possível dar perenidade e qualidade nas políticas públicas nas diversas áreas sem garantir o financiamento.

O governador do Maranhão, Flávio Dino, apresentou ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) para que o imposto seja regulamentado. O caso está no tribunal desde o meio de março.

A Câmara tem 12 propostas sobre o tema em tramitação. A mais antiga é de 1989 e está, desde dezembro de 2000, pronta para ser votada em Plenário. O Projeto de Lei Complementar (PLC 202/89) de autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso, estabelece como grande fortuna um patrimônio superior a R$ 6,3 milhões, em valores atualizados.

De acordo com o especialista em finanças públicas Amir Khair, o imposto não foi regulamentado até hoje por falta de interesse dos parlamentares:

“Ele não passa no Congresso por várias razões que são alegadas. Mas a razão central é que ele atinge o bolso dos parlamentares. Isso não tem a menor sombra de dúvida, porque todas as tentativas que foram feitas, foram rechaçadas por N argumentos diferentes.”

Khair também disse que os argumentos contrários à regulamentação do imposto, como bitributação, fuga de capitais e falta de poder de arrecadação do tributo não se sustentam. Segundo ele, o sistema tributário brasileiro é muito bom para quem tem muito dinheiro, ainda mais em relação à tributação praticada em outros países. Isso inibiria a fuga de capitais.

Para o tributarista Ives Gandra Martins, o imposto é sim uma bitributação e acaba afetando a possibilidade de investimento de empresários, o que resultaria em redução da economia. Gandra também critica a burocracia tributária brasileira e a necessidade de o governo sempre buscar meios de ampliar a arrecadação, ao invés de focar mais no corte de gastos públicos:

“O Imposto sobre Grandes Fortunas é um imposto em que a fortuna foi feita com todas as tributações anteriores. Por exemplo, alguém que vai fazer uma fortuna e tem uma empresa ele pagou ICMS, ISS, IPTU e pagou o imposto de renda e a CSLL e teve um patrimônio que ele vai aplicando. Isso é um patrimônio estático. Tudo que ele vai ganhar, ele tributa. Agora sobre o patrimônio estático cobrar, significa que todo o ano ele vai ficar com menos dinheiro. Então, ele vai ficar com menos para investir.”

Essa é a mesma opinião do deputado Luiz Carlos Hauly, do PSDB paranaense, especialista em tributação. Segundo o parlamentar, o imposto sobre grandes fortunas é uma prática que caiu em desuso na maior parte dos países em que foi adotada. De acordo com levantamento da consultoria EY, antiga Ernst & Young, o imposto é praticado em seis países, entre eles Argentina, França e Espanha, este com alíquota de 2,5% para fortunas acima de 700 mil euros, a maior das encontradas.

Hauly também defende que já existem cinco impostos de propriedade no Brasil, como o IPTU sobre imóveis urbanos e o Imposto Territorial Rural. De acordo com ele, que apresentou uma proposta de reforma tributária prevendo o fim do Imposto Sobre Fortunas, o tributo não deveria ser criado, mas sim o sistema brasileiro ser calibrado:

“Essa proposta nunca foi adiante porque ela é concorrente direta dos impostos patrimoniais existentes. Ele é um imposto de propriedade, de patrimônio. Nós já temos imposto de patrimônio, temos imposto de movimentação de patrimônio intervivos e causa mortis, nós temos o imposto vigente no Brasil e que deve ser calibrado.”

Já para o líder do Psol, deputado Chico Alencar, do Rio de Janeiro, a medida é necessária para tentar equilibrar a desigualdade social existente no País. Ele foi coautor de uma proposta (PLP 277/08) para regulamentar o texto constitucional para taxar todo patrimônio acima de R$ 2 milhões, chegando a 5% a alíquota em caso de patrimônios acima de R$ 50 milhões.

A ex-deputada Luciana Genro, candidata à presidência da República em 2014 pelo Psol, também foi autora da proposta. Ela defende o aumento de tributação dos mais ricos para combater a regressividade do sistema, que é quando os mais pobres pagam, proporcionalmente, mais impostos:

“Defendemos a necessidade de que os grandes milionários paguem mais impostos, que os grandes bancos paguem mais impostos, que as grandes multinacionais paguem mais impostos. Porque hoje nós temos um sistema tributário que é extremamente regressivo. Porque ele beneficia o grande capital, beneficia os especuladores e prejudica os trabalhadores e a classe média. Porque a tributação está fortemente centrada no consumo e no trabalho e não na riqueza e na propriedade.”

Apesar de ter aparecido novamente durante os debates eleitorais, é difícil que a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas volte à pauta do Congresso, mesmo com a necessidade de o governo conseguir mais dinheiro para enfrentar as dificuldades econômicas de 2015.

Confira, no segundo episódio da Reportagem Especial: com a falta de competitividade dos produtos brasileiros, quem viaja para outros países deixa para comprar lá fora.

Reportagem – Tiago Miranda
Edição – Mauro Ceccherini
Trabalhos técnicos – Marinho Magalhães

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h