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Reportagem Especial

Iniciativas estaduais e federais já adotam pagamento por serviços ambientais, e com bons resultados

04/08/2014 - 00h01

  • Iniciativas estaduais e federais já adotam pagamento por serviços ambientais, e com bons resultados (bloco 1)

  • Marco legal sobre serviços ambientais encontra dificuldades para avançar na Câmara (bloco 2)

  • Definição de política sobre o tema não é suficiente para mudar comportamentos, avaliam especialistas (bloco 3)

Nos últimos anos, o aumento da fiscalização contribuiu para a diminuição dos índices de desmatamento no país. Ambientalistas, pesquisadores e gestores públicos concordam, no entanto, que apenas os chamados instrumentos de comando e controle não são suficientes para incentivar a manutenção das florestas e a preservação de outros recursos naturais, como as águas. Mas como ir além? Na reportagem especial desta semana, saiba como o pagamento por serviços ambientais tem sido um dos caminhos propostos para remunerar e incentivar quem ajuda a preservar nossos ativos naturais, trazendo benefícios localmente e globalmente. Confira agora, com Ana Raquel Macedo.

Em comunidades de 15 das 33 unidades de conservação do estado do Amazonas, a vida de muitos moradores mudou nos últimos sete anos. Eles são beneficiários do Programa Bolsa Floresta, criado pela lei estadual sobre mudanças climáticas, de 2007 (Lei Estadual nº 3.135/07). O projeto nasceu da iniciativa do governo estadual, mas ganhou corpo e parcerias não governamentais.

A ideia central do Bolsa Floresta está no investimento direto em comunidades isoladas para que possam receber pela conservação da floresta, gerando benefícios para si mesmas e para o estado, o país e o planeta como um todo. Já são mais de 37 mil pessoas participantes, em 541 comunidades.

A 70 km da capital Manaus, em linha reta pelo Rio Negro, está um exemplo. 19 comunidades integrantes da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro abrigam 562 famílias beneficiadas por, pelo menos, uma das modalidades do Bolsa Floresta, que prevê tanto o pagamento direto de R$ 50,00 às mães residentes em unidades de conservação quanto à distribuição de recursos, via associação de moradores, para capacitação e melhoria das condições de vida.

É gente como Roberto Brito de Mendonça, da Comunidade de Tumbira. Casado e pai de dois adolescentes, ele conta que o Bolsa Floresta chegou às comunidades da reserva em 2009 e, desde então, facilitou a entrada de escola, luz, internet, ambulância fluvial e rede bancária na região. Ampliou também o conhecimento técnico dos moradores para trabalhar com o roçado, a pesca, o turismo e até o manejo sustentável da madeira, sem prejudicar a floresta:

"Teve uma redução do desmatamento, eu diria, de assim 70%. Hoje não tem desmatamento que tinha sem ter uma consciência de que estava danificando o meio ambiente nosso daqui. Apesar de nós termos muito floresta, mas qualquer árvore que nós derrubamos de uma forma que não seja sustentável vai dar um percurso ruim para o meio ambiente. Hoje nós temos acompanhamento. Por exemplo, como falei, tem comunidade hoje que desenvolve a questão de madeira, mas tudo manejada, com conhecimento técnico, tudo dentro da lei. (...) Antes, sem ter o apoio de ninguém, nem do governo nem de instituição, a gente pensava na preservação, só que também a gente tinha que sobreviver lá. Só restava a gente fazer de forma que nós tínhamos conhecimento, né?"

O pagamento por serviços ambientais, ou PSA, não é exclusividade do Amazonas. Estudo recém-divulgado pelo Instituto O Direito Por um Planeta Verde indica que outros cinco estados no Norte, Sudeste e Sul do país também possuem leis estaduais prevendo a compensação, monetária ou não, de quem ajuda a preservar ativos ambientais considerados importantes para a proteção das águas, a conservação da biodiversidade, a prevenção e redução dos efeitos das mudanças climáticas ou simplesmente a manutenção de uma beleza cênica de encher os olhos.

Segundo a pesquisa, a maioria das iniciativas, em geral, busca induzir mudanças de comportamento ou manter práticas sustentáveis já existentes, especialmente em populações mais vulneráveis socialmente. Márcia Stanton, coordenadora técnica do levantamento, destaca o exemplo do Acre:

"O exemplo do Acre é emblemático porque lá a realidade daqueles produtores era uma realidade de praticamente miséria. Eles viviam da produção de mandioca e desmatando, com todos os riscos que isso traz. O programa trouxe para o produtor uma viabilidade de produção sem uso do fogo e ainda deu uma diversificação da produção, garantindo segurança alimentar dele e a inserção dele em cadeias produtivas."
Mas apesar dos bons resultados alcançados com os projetos estaduais de pagamento por serviços ambientais, ainda são inúmeros os desafios que envolvem os programas, como explica Márcia Stanton:

"Os maiores entraves enfrentados pela política hoje são, primeiro, a falta de conhecimento, de valorização dos próprios serviços ecossistêmicos. Segundo maior entrave é a falta de recursos humanos e financeiros adequados. E, por fim, os custos de transação que essa política normalmente envolve."

Segundo a pesquisa do Instituto O Direito por um Planeta Verde, os projetos estaduais de pagamento por serviços ambientais ainda estão em uma fase inicial.

Em nível federal, também há iniciativas pontuais em curso.

Uma delas é o Bolsa Verde, que, desde 2011, atua de maneira complementar ao Bolsa Família, concedendo um benefício trimestral de R$ 300,00 às comunidades tradicionais e agricultores em situação de extrema pobreza que vivam em áreas consideradas prioritárias para a conservação ambiental. Em fevereiro de 2014, eram mais de 51 mil beneficiários da bolsa.

Outro exemplo federal é desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (ANA). Pelo programa Produtor de Água, a ANA ajuda a construir um arranjo econômico que permita o pagamento a produtores pelo serviço ambiental prestado a bacias hídricas consideradas estratégicas. O foco do projeto está na união de parceiros, de forma que o órgão federal responda pela minoria dos recursos investidos no pagamento, segundo o gerente de Uso Sustentável de Água e Solo da ANA, Devanir Garcia dos Santos:

"Temos 20 projetos. Estamos atuando em uma região com população em torno de 30 milhões de pessoas. Temos mais de 1.100 produtores recebendo hoje. Temos uma área trabalhada de 300 mil hectares. Então, isso tem sido feito sem uma política nacional. A gente tem dificuldade. Muitas vezes, temos que trabalhar município para que tenha política específica para poder desenvolver projeto no município. Mas a política nacional é importante em dar suporte ao desenvolvimento desse tipo de ação."

A falta de uma política nacional sobre pagamento por serviços ambientais é tida como uma das principais dificuldades para que projetos hoje pontuais ganhem escala. A pesquisadora do tema Ana Maria Nusdeo, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, defende que o Congresso vote uma lei federal com diretrizes, definições e instrumentos de articulação para programas federais e estaduais e iniciativas privadas no setor.

"Critica-se muito a legislação ambiental por ser muito restritiva de comportamento, que apenas penaliza, em especial, alguns agentes. Então, setor rural se queixa de ter muito ônus com preservação ambiental quando esse acarreta benefício para toda a sociedade. Então, o interessante do pagamento de serviços ambientais é devolver um pouco, retribuir a esse guardião da natureza, provedor do pagamento dos serviços ambientais, um pouco dos benefícios que ele gera para coletividade."

Na Câmara dos Deputados, desde 2007, uma série de propostas para o pagamento por serviços ambientais tramita em conjunto (PL 792/07 e apensados). O tema está entre as recomendações da Comissão Mista de Mudanças Climáticas, mas ainda avança lentamente no Parlamento.

Confira, amanhã: os detalhes do projeto que estabelece um marco legal federal sobre serviços ambientais e o porquê de a proposta encontrar dificuldades para avançar na Câmara.

Da Rádio Câmara, de Brasília, Ana Raquel Macedo.

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De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h

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