Rádio Câmara

Reportagem Especial

As dificuldades no acolhimento das mulheres vítimas de violência

05/09/2013 - 12h47

  • As dificuldades no acolhimento das mulheres vítimas de violência

Mais de 70 mil vítimas de violência física, psicológica ou sexual foram atendidas pelos serviços de saúde em 2011 em todo o país. Hoje, no quarto capítulo da série especial sobre violência contra a mulher, acompanhe as dificuldades e inseguranças das vítimas ao procurar a ajuda de um profissional de saúde e o que ainda precisa melhorar no acolhimento a essas mulheres. Ouça agora o quarto capítulo, com Ana Raquel Macedo.

A cearense Helena Damasceno sofreu durante anos, na infância e adolescência, abusos sexuais por parte do tio. A situação causava dor, vergonha, culpa. Uma confusão de sentimentos difícil de ser resolvida em silêncio por uma menina. Mas assim foi feito. Somente há poucos anos, já adulta, Helena começou a se questionar sobre os abusos. Incentivada pela psicóloga, criou um blog na internet. A experiência deu tão certo que virou um livro, "Pele de Cristal", no qual a autora conta as várias facetas de quem passa por violência sexual.

"Eu nunca pensei em denunciá-lo, enfrentar. Quando eu começo a ressignificar o meu processo e aí compreendo que é necesária a denúncia, inclusive para que ele seja responsabilizado, para que coisas se ajustem, eu não posso mais. O crime caducou. (...) Hoje, com minha atuação política, social, de contribuir para desconstrução dessa violência sexual de forma geral, eu acho que minha melhor vingança é ser feliz. Acreditem: é possível viver sem os fantasmas, sem o medo, sem a culpa. Existe vida fora da violência sexual."

O silêncio que, muitas vezes, envolve os casos de violência de gênero, especialmente a sexual, obriga um olhar atento dos profissionais de saúde, educação e assistência social em contato com as vítimas. No Brasil, desde 2003, uma lei obriga, por exemplo, que a rede pública e privada de saúde reporte ao Ministério da Saúde os casos de violência contra a mulher (Lei 10.778/03). Em 2011, mais de 70 mil casos foram registrados no Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificações.

Em Brasília, os dados são centralizados no Núcleo de Estudos e Programas na Atenção e Vigilância em Violência, da Secretaria de Saúde do DF. Segundo a chefe do núcleo, Lucy Mary Stroher, as equipes das unidades de saúde passam por constante capacitação para reconhecer os casos e preencher corretamente as fichas de notificação, mesmo quando a vítima não confirma a violência.

"Uma notificação não é muito fácil pela questão da mulher não querer se colocar na situação de violência. (...) Como a gente tem também veiculado na mídia muita informação em relação às violências contra a mulher e os direitos da mulher, ela tem procurado se posicionar diferente e os profissionais também estão mais capacitados para perceber. (...) Pode ser a situação física, de algum machucado, de algum hematoma que ela não tenha a justificativa daquilo. Ela faz um rodeio muito grande para explicar, ela entra em contradição. Como pode ser também um sofrimento psíquico, mental, onde vem com depressão, algum outro transtorno associado. Aí, a gente vai conversando como é o dia a dia, a organização dela, como é a história de vida familiar, com os pais. Geralmente, são pessoas que vêm de geração com situações de violência."

No Congresso, uma comissão de inquérito de deputados e senadores investigou, entre 2012 e 2013, a violência contra a mulher. Apesar dos avanços da legislação e de algumas políticas de atendimento às vítimas, o grupo concluiu que ainda há muitas falhas no acolhimento a essas mulheres. O deputado Dr. Rosinha, do PT do Paraná, que integrou as investigações, conta que os problemas são comuns a vários estados.

"A CPMI teve esse papel importante, de despertar na sociedade o debate, de mostrar aos estados que eles não estavam preparados para receber as mulheres vítimas de violência, nem nas delegacias, nem nos tribunais, nem no Ministério Público, nem no serviço de saúde, em lugar nenhum. Mesmo nas capitais. Às vezes, a pessoa pobre - apesar de que a violência contra a mulher está em todos os níveis da sociedade - vai de ônibus para a delegacia. Chega na delegacia é atendida, pedem para ela um corpo de delito. Ela sai dali e tem que pegar outro ônibus para ir ao Instituto Médico Legal. E, nesse próprio trajeto, às vezes, sozinha, de ônibus, sem companhia, é vítima de quem já está a ameaçando."

Na cidade de São Paulo, uma das saídas encontradas para humanizar o atendimento às vítimas de estupro foi a criação de um centro de referência. Com atuação desde 1994, o Hospital Pérola Byington é citado como exemplo pela comissão de inquérito, pela qualificação técnica da equipe multidisciplinar e o correto apoio dado às mulheres. O hospital já atua nos moldes da lei que recentemente passou a obrigar o atendimento prioritário das vítimas de estupro na rede SUS (Lei 12.845/13).

A responsável pelo núcleo de violência sexual da instituição, Daniela Pedroso, fala da importância de as mulheres serem incentivadas a buscar ajuda o mais rapidamente possível após um estupro.

"É uma mulher que chega bastante fragilizada, com muito medo. Medo das ameaças que sofreu. Medo do que pode acontecer a ela e à família dela. É uma mulher em fase aguda de estresse pós-tramáutico, que precisa recuperar sua autoestima para poder retomar sua vida com certa qualidade. Fisicamente falando, se ela não procurar um serviço de emergência, ela pode deixar de evitar uma gravidez e deixar de evitar uma doença sexualmente transmissível."

O Hospital Pérola Byington também realiza abortamento legal, permitido em caso de estupro. Segundo Daniela Pedroso, não é exigido das vítimas o registro da ocorrência.

Pela nova lei de atendimento às vítimas de violência sexual, as unidades de saúde devem orientar os pacientes e facilitar a denúncia, reunindo informações que possam ser úteis à identificação do agressor pela polícia e a Justiça.

Amanhã, no último capítulo da série especial sobre violência contra a mulher, entenda por que apenas a mudança na lei e a criação de políticas específicas de atendimento às vítimas não são suficientes para barrar as ofensas e abusos. A transformação deve ser também cultural.

De Brasília, Ana Raquel Macedo

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

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