Rádio Câmara

Reportagem Especial

Os instrumentos de assistência e proteção à mulher

04/09/2013 - 12h58

  • Os instrumentos de assistência e proteção à mulher

Como funcionam os instrumentos de proteção e assistência às mulheres que precisam deixar casa e emprego para fugir das agressões? A Rádio Câmara apresenta nesta semana série especial sobre a violência contra a mulher. Ouça agora o terceiro capÍtulo, com Ana Raquel Macedo.

Joana, nome fictício, fugiu para a única casa-abrigo do Distrito Federal com o filho de cinco anos após inúmeras ameaças e agressões físicas e psicológicas do marido. O local, mantido em sigilo, tem capacidade para até sessenta pessoas, entre mulheres e dependentes, e oferece atendimento psicológico, jurídico e social a vítimas de violência doméstica e familiar. A decisão de se esconder e abandonar tudo, segundo Joana, veio num momento em que não via outra forma de proteção.

"Quando foi em dezembro, que fiquei sabendo que ele estava envolvido com outro problema envolvendo Lei Maria da Penha, outra mulher. Ele tinha uma amante antes de mim. Ele a coagiu. Só que eu casei, sob coação dele. Não queria casar. E ele: você vai casar, sim, no papel. E acabei passando o papel. Aconteceu que, na época, morava em Águas Claras, mudei para Asa Sul e minha vizinha era da Aeronáutica. Ela, vendo tudo aquilo, me deu reportagem da casa-abrigo e ela falou: pega teu filho e some com esse menino, antes que ele faça alguma coisa, porque ela escutava tudo. E uma outra vizinha. Foram essas duas vizinhas que me ajudaram. Daí, fugi para cá."

O isolamento da vítima em uma casa-abrigo pode ser uma alternativa quando outras medidas protetivas não surtem resultado. No caso de Joana, no entanto, o abrigamento foi a primeira opção, já que, quando tentou na Justiça impedir o marido de se aproximar dela, não conseguiu reunir provas e testemunhas para obter êxito no pedido.

Segundo a comissão de inquérito que investigou no Congresso por um ano a violência contra a mulher no país, as casas-abrigo precisam ser repensadas como principal alternativa de abrigamento e proteção às vítimas em risco grave. Para a CPI mista, o confinamento e rompimento temporário de vínculos com o mundo lá fora, muitas vezes, desestimulam as vítimas a procurar ajuda.

Os desafios, na avaliação da senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB do Amazonas, são mundiais.

"Isso acontece em vários lugares do mundo. Eu mesma e a senadora Lídice da Mata, enquanto estávamos trabalhando em uma outra CPI, que era a CPI do Tráfico de Pessoas, cuja maior parte das vítimas são mulheres também, nós, numa viagem que fizemos aos Estados Unidos a convite do governo americano, visitamos várias casas, com endereços que não são conhecidos, de abrigo para essas pessoas e lá elas conseguem ter uma qualidade de vida um pouco melhor. Mas também são detidas num espaço muito bem delimitado porque sofrem risco de morte. Então, têm sua vida ameaçada, delas e dos filhos. Então, é óbvio que a gente precisa avançar numa mudança de visão para que o homem que ameaça a mulher seja preso e ela possa ficar levando uma vida um pouco mais normal."

No relatório final, a comissão propõe que a Lei Maria da Penha (11.340/06) mude para que, uma vez determinado pela Justiça o abrigamento da vítima, o juiz e o Ministério Público se manifestem necessariamente sobre a prisão preventiva do agressor.

Além da casa-abrigo, a Lei Maria da Penha prevê que o juiz, constatada a violência contra a mulher, pode proibir o agressor de se aproximar da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, estabelecendo um limite mínimo de distância entre eles. Pode, além disso, obrigar o agressor a se afastar do convívio com a vítima e a não frequentar determinados lugares de maneira a preservar a integridade física e psicológica da ofendida. Para o cumprimento das medidas, pode ser usada a força policial.

Mas nem sempre a polícia chega a tempo de impedir uma tragédia. E, por isso, alguns estados estão testando alternativas, como destaca o juiz Álvaro Kálix Ferro, do Conselho Nacional de Justiça.

"Algumas experiências que são importante para efetivação para essas medidas protetivas, a exemplo do "Botão do Pânico", que está em andamento no Espírito Santo, em Vitória. E que é um dispositivo que a mulher aciona toda vez que se sente ameaçada novamente pelo agressor. Esse dispositivo grava o áudio, informa a central que a mulher está na iminência de sofrer nova violência. Há outros. Como a tornozeleira eletrônica, que é um dispositivo que fica junto à mulher, e que está sendo utilizado em Minas Gerais. Então, quando o agressor eventualmente se aproxima da mulher, há um sinal do dispositivo dessa tornozeleira que fica nele. O dispositivo com a mulher e a própria central entra em contato com a Polícia Militar para evitar violência. A patrulha de Porto Alegre, por exemplo, que faz ronda e essa ronda atende aqueles locais em que há determinação de medida protetiva pelo juizado."

A ONU considera a Lei Maria da Penha uma das três melhores legislações do mundo em proteção e prevenção à violência contra a mulher. Em sete anos de vigência, a norma ainda enfrenta desafios para ser integralmente cumprida, segundo a comissão que investigou o tema no Congresso. Entre eles, a necessidade de estruturação mais eficiente da rede de equipamentos públicos disponíveis para atendimento às vítimas, como delegacias, juizados e centros de referência especializados.

Um dos pontos de apoio às vítimas nas cidades com mais de 20 mil habitantes são os Centros de Referência Especializado de Assistência Social, os Creas. Até o fim do ano, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, haverá Creas em todas as cidades com esse perfil, totalizando cerca de 2.500 centros. O trabalho é voltado ao atendimento de famílias e indivíduos em situação de violência, em uma parceria entre governo federal e municípios.

De acordo com a secretária de Assistência Social do ministério, Denise Colin, as agressões físicas e psicológicas contra mulheres adultas são os mais frequentes entre os diferentes casos de violência atendidos pelos Creas no país. Ela explica que os centros buscam conquistar a confiança das vítimas para romper o ciclo de violência que, às vezes, atravessa gerações.

"Fortalecimento da rede de proteção para garantir essa segurança de que a mulher procure o serviço, sinta apoio nesses espaços, tenha uma retaguarda. Isso ainda é uma grande desafio, porque, na maioria dos casos, não só elas têm uma dependência financeira, mas psicológica também. Se preocupam muito com demais membros da sua família. Têm receio de fazer denúncia, têm receio de procurar esses espaços, da própria reação. Precisamos também de uma intervenção maior em relação ao próprio agressor. Os estudos mostram que ele acaba reproduzindo violações e violências que eles também sofreram quando da sua fase de desenvolvimento. Conseguir intervir e quebrar esse ciclo de reprodução de violência com as própria famílias. É uma coisa muito difícil, muito subjetiva, peculiar de cada um dos grupos."

Além dos centros especializados no atendimento a vítimas de violência, existem no país quase 8 mil Centros de Referência em Assistência Social, os Cras. Também mantidos em parceria entre o governo federal e gestores locais, os Cras buscam melhorar a qualidade de vida de famílias em áreas de vulnerabilidade social. Em 87% desses centros, grupos de mulheres são convidados a participar de oficinas sobre direitos e importância de uma convivência familiar harmoniosa.

Para a comissão do Congresso que investigou o tema, o rompimento do ciclo de violência passa também pela garantia de que as mulheres mais vulneráveis socialmente tenham condições de sobrevivência caso decidam se afastar do agressor. No relatório final, a CPI propõe a criação de um novo benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, às vítimas de violência doméstica que não tenham condições de se manter financeiramente. O pagamento seria feito enquanto durasse a causa da agressão.

Questionado sobre a viabilidade do benefício, o Ministério do Desenvolvimento Social alegou não ter recebido da comissão informações para se manifestar.

Amanhã, no quarto capítulo da série especial sobre violência contra a mulher, saiba como a rede de saúde atua em casos de agressão doméstica, familiar ou sexual. Confira, ainda, as dificuldades e inseguranças das vÍtimas ao procurar a ajuda de um profissional da área.

De Brasília, Ana Raquel Macedo

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h