30/03/2017 19:59 - Direito e Justiça
Radioagência
Moro critica criação da figura do juiz de garantias
Em depoimento à comissão especial que analisa mudanças no Código de Processo Penal (PL 8045/10), o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos criminais relativos à Operação Lava Jato, criticou uma das principais inovações da proposta, a criação da figura do juiz de garantias.
A audiência contou com forte esquema de segurança e teve também a participação do juiz Sílvio Rocha, da 10ª Vara de Justiça Federal de São Paulo.
Os dois juízes manifestaram opiniões opostas a respeito do papel do juiz no processo criminal e do juiz de garantias em particular.
De acordo com o projeto, o juiz de garantias, que não existe hoje na legislação, atuaria apenas na fase de investigação, antes do oferecimento da denúncia. Ou seja, é o juiz que vai decidir sobre as medidas cautelares, como prisão temporária ou indisponibilidade de bens, e sobre pedidos de busca e apreensão e quebras de sigilo.
De acordo com o projeto, a sentença será dada por um segundo juiz, que não participou da fase pré-processual. Defensores da proposta, como Sílvio Rocha, afirmam que o afastamento do juiz da fase de investigação é uma maneira de garantir a imparcialidade do julgamento.
"Quando você divide responsabilidades, o juiz de instrução, não foi ele que expediu o mandado de busca e apreensão, então ele pode analisar os argumentos da defesa de maneira muito mais imparcial porque não foi ele que expediu a medida. Ou vocês gostariam que a causa de vocês fosse julgada por um juiz parcial, que a causa fosse julgada por um juiz que já tivesse de antemão comprometido com os interesses de uma das partes? Não faz sentido".
Moro fez ressalvas à proposta. Segundo ele, a inovação não garante a imparcialidade e é de difícil aplicação, já que seria necessária a presença de dois juízes em todas as comarcas do país.
Durante o depoimento, Moro foi questionado por deputados do PT a respeito de decisões que adota na condução dos processos da Operação Lava Jato. Ele chegou a ser acusado pelo deputado Zé Geraldo, do PT do Pará, de cometer abuso de autoridade.
Outros deputados do PT, como Wadih Damous, do Rio de Janeiro, e Paulo Teixeira, de São Paulo, questionaram ainda atos de Moro à frente do processo, como a divulgação de interceptação telefônica de conversa entre os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.
Moro considerou as perguntas ofensivas e não quis responder. Mas, ao defender o poder de o juiz pedir mais diligências antes do julgamento, negou atuar de maneira ativa nos processos e disse só decidir a pedido das partes.
"O juiz de julgamento na França e o juiz de julgamento nos Estados Unidos podem sim determinar de ofício a produção de provas na fase de julgamento. Isso não me parece que é ativismo. Por exemplo, nesse mesmo caso todo rumoroso, da chamada Operação Lava Jato, a minha postura como juiz é uma postura absolutamente passiva. Aprecio requerimentos das partes. Iniciativas de ofício, da minha parte, na fase de investigação, nenhuma. Agora, o que acontece é que muitas vezes a aplicação independente e imparcial da lei acaba sendo interpretada como ativismo, mas de fato não é. É apenas o juiz cumprindo aí sua função".
Durante a audiência, Sérgio Moro defendeu que o Código de Processo Penal estabeleça de maneira clara que o réu tem que começar a cumprir a sentença depois de condenado em segunda instância.
O assunto era polêmico e só foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado, mas não está na lei.
O relator da comissão especial, deputado João Campos, do PRB de Goiás, admitiu a possibilidade de incluir a medida no texto.
"O juiz Sérgio Moro diz da oportunidade que temos de trazer para o Código de Processo Penal essa decisão do Supremo da execução provisória a partir da segunda instância. Me parece que nós não podemos ignorar, ignorar essa decisão do Supremo".
Apesar da audiência ser sobre o Código de Processo Penal, o juiz Sérgio Moro criticou outro projeto (PLS 280/16), o que aumenta as penas para o abuso de autoridade, em tramitação no Senado.
Para Moro, o projeto compromete a independência dos juízes.
Moro saiu aplaudido por um grupo de cerca de 20 pessoas, entre convidados de deputados e integrantes de um grupo de vítimas de violência que assistiram o debate.