24/02/2017 17:51 - Política
Radioagência
Polêmica sobre “dez medidas” gera dúvida sobre rito de projeto de iniciativa popular
A recente polêmica sobre se as chamadas dez medidas contra a corrupção deveriam ou não ter tramitado na Câmara como uma proposta de iniciativa popular levantou a discussão sobre esse tipo de projeto. Ele existe desde a Constituição de 1988, mas os projetos nunca tramitaram, de fato, como prevê a lei.
Para ser discutido na Câmara, um projeto de iniciativa popular precisa do apoio de 1% do eleitorado brasileiro: 1,5 milhão de pessoas, distribuídas em pelo menos cinco estados. O número de assinaturas é alto – três vezes o que é exigido para criar um partido político. Conferir se essas assinaturas são verdadeiras, se as pessoas existem de fato e se são eleitores demanda um esforço grande e, segundo o consultor legislativo Roberto Carlos Pontes, exige um prazo incompatível com o tempo da política.
“Eu cito como exemplo o projeto de Lei da Ficha Limpa. Houve uma grande mobilização nacional. Isso no ano de 2009 e de 2010, visando à aprovação desse projeto e sua aplicação para as eleições de 2010. Então, os projetos de lei possuem um timing muito importante, que não seria razoável por essa tarefa burocrática de conferência de assinaturas."
Então, embora cinco projetos apresentados pela sociedade já tenham se tornado lei, nenhum deles tramitou formalmente como um projeto de iniciativa popular. O caso mais famoso é o da Lei da Ficha Limpa, que proibiu que pessoas condenadas por crimes sejam eleitas.
O que acontece é que, quando o projeto chega à Câmara, ele é adotado por um deputado, que se torna o autor oficial, para evitar a demora com a conferência das assinaturas. A tramitação a partir daí é idêntica: seja de iniciativa popular ou apresentado por um deputado, um projeto passa pelas comissões, pode ser modificado por emendas, ser aprovado ou não no Plenário.
Foi o que aconteceu com a Ficha Limpa e também foi o caminho das dez medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público, que arregimentaram 2,2 milhões de assinaturas de apoio e foram votadas pela Câmara no ano passado. Mas o Supremo Tribunal Federal acatou o questionamento de um deputado e mandou conferir as assinaturas, como a lei determina.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acatou a decisão.
“A única coisa que a gente vai fazer – foi o combinado – é fazer a checagem formal das assinaturas, depois retomar o rito do projeto no ponto onde ele parou.”
A Secretaria-Geral da Mesa da Câmara se reuniu para definir como conferir as assinaturas, mas ainda não há prazo para concluir esse trabalho. No futuro, o procedimento pode ser facilitado. A Comissão Especial da Reforma Política estuda, em conjunto com o Laboratório Hacker da Câmara, a criação de um aplicativo que coloque na ponta do dedo de cada pessoa o poder de apoiar uma iniciativa de lei – e não só para leis federais, mas também nas assembleias estaduais e principalmente nos municípios, como explica Cristiano Ferri, diretor do Laboratório.
"À medida que nós viabilizamos isso no portal institucional da Câmara dos Deputados, qualquer cidadão pode apresentar um projeto de lei e qualquer cidadão vai poder subescrever. Então, a gente acredita que há um ganho de universalização do acesso a esse direito, de transparência e de facilitação."
Para o relator da Comissão Especial da Reforma Política, deputado Vicente Cândido, do PT de São Paulo, convidar o cidadão para legislar mais ativamente é melhorar a democracia.
"A partir das mobilizações em junho de 2013 aqui no Brasil, das últimas manifestações, tem uma crise de representatividade dos poderes, ou seja, a população está descrente, quer um canal direto, não está se sentindo representada. Então, acho que cabe aos congressistas no Brasil se antenar para isso e criar condições, tanto tecnológicas como também o respaldo jurídico.”
A Comissão Especial da Reforma Política foi instalada no fim de outubro e a previsão é de que, até junho, uma primeira etapa da proposta seja votada.