23/08/2016 09:39 - Administração Pública
Radioagência
Medidas anticorrupção em análise na Câmara são criticadas por especialistas
Professor de ética e advogado criminal fazem críticas duras a algumas das medidas contra a corrupção em análise na Câmara. Eles participaram, nesta segunda-feira, de audiência pública da comissão especial sobre 10 medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público. O professor de ética e filosofia da Unicamp, Roberto Romano, disse que a proposta tem aspectos positivos, mas frisou que alguns pontos levam à desmoralização da ética pública. Romano citou o exemplo do artigo que prevê retribuição financeira para quem contribuir para a obtenção de provas ou colaborar para a localização de bens em ação penal. O professor de ética afirmou que essa prática é condenável desde a Grécia Antiga, que já reprimia os chamados "sicofantas", que difamavam em troca de lucro.
"Dada a experiência de séculos de uso de delatores e de instrumentos de delação por regimes democráticos ou por regimes autoritários, como é que nós podemos aceitar a proposta deste artigo 38 do projeto? Foi refletido, na redação do artigo, o passivo moral que a prática instaura ou reitera? Na definição de Lísias (orador grego), 'os inocentes chantageados dão mais lucro aos sicofantas do que os verdadeiramente corruptos'. É contra a fé pública mover profissionais à delação paga".
Roberto Romano criticou ainda algumas medidas que usam a boa-fé como justificativa para a obtenção de provas ilícitas. O professor da Unicamp sugeriu "prudência" na análise das propostas por temer que "sistemas punitivos se tornem autoritários". Na mesma linha, o conselheiro do Instituto de Direito de Defesa, Augusto Botelho, viu nas propostas uma série de entraves à atuação dos advogados criminais. Os principais problemas, segundo ele, estão nas medidas que tratam de recursos judiciais e das nulidades penais.
"São propostas que vão valer para o crime de corrupção, de sonegação de impostos, furto de galinha, tráfico de drogas e absolutamente todos os crimes. Então, na verdade, o que o Ministério Público propõe é um Código de Processo Penal altamente voltado ao interesse da acusação. As reformulações, em variados artigos do Código de Processo Penal, violam de forma grave os mais básicos direitos de defesa. É preciso deixar bem claro que estamos tratando aqui de uma reforma ampla, radical e perigosíssima da lei, sob o manto de se estar combatendo a corrupção".
Na audiência pública, vários deputados garantiram que, apesar do apoio de 2 milhões de brasileiros que assinaram as medidas anticorrupção, as propostas enviadas pelo Ministério Público serão aperfeiçoadas na Câmara. O relator da comissão especial, deputado Onyx Lorenzoni, do DEM gaúcho, ressaltou que o tema é complexo e está sendo analisado com rigor no combate à corrupção, mas sem afetar direitos.
"É claro que as salvaguardas constitucionais devem ser todas preservadas. A reflexão e esse contraponto em relação às propostas do Ministério Público vão nos ajudar a acertar a graduação das coisas. Mas não dá para continuar com os atuais instrumentos, achando que eles são suficientes. Não são. Esse é um país que rouba R$ 100 bilhões por ano da administração pública".
Lorenzoni citou o exemplo do polêmico teste de integridade, inicialmente proposto como uma simulação de oferta de vantagens, sem o conhecimento do servidor público, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer ilícitos. A medida, criticada em outras audiências da comissão, agora avança na Câmara no sentido de se admitir o teste, desde que seja aplicado em situações objetivas e pontuais, baseado em suspeita real e com prévia autorização judicial.