Direito e Justiça

Especialistas cobram regras para cooperação internacional no Código de Processo Penal

Procedimentos seriam aplicados em casos que vão de perseguições policiais na fronteira a pedidos de prisão ou de obtenção de provas em casos urgentes

21/03/2017 - 19:32  

Lucio Bernardo Jr. / Câmara dos Deputados
Audiência pública para debater ações de impugnação e cooperação jurídica internacional
Comissão especial da Câmara analisa proposta que altera o Código de Processo Penal, já aprovada no Senado

Especialistas cobraram, em audiência pública da comissão especial que analisa mudanças no Código de Processo Penal (PL 8045/10), regras para procedimentos relativos à necessidade de cooperação internacional na área penal – a serem aplicados em casos que vão de perseguições policiais na fronteira a pedidos de prisão ou de obtenção de provas em casos urgentes.

De acordo com Eduardo Pitrez de Aguiar Corrêa, professor da Universidade Federal do Rio Grande, o projeto está defasado nessa área. "O projeto sequer incorpora a legislação elementar que já existe sobre cooperação hoje: o Código de Processo Civil, as portarias e o regimento do Superior Tribunal de Justiça", disse.

O projeto analisado pela comissão, aprovado em 2010 pelo Senado, não prevê cooperação jurídica em matéria penal e regras de cooperação policial.

Casos de emergência
Para o procurador da República Vladimir Barros Aras, Secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República, é preciso prever o que fazer em casos que requeiram interação entre as polícias e ministérios públicos do Brasil e de outros países.

Ele sugere, por exemplo, que o Código de Processo Penal preveja procedimentos a serem adotados em casos de emergência, como pedidos de cooperação feitos por outros países.

Ele citou o caso da investigação feita pelas autoridades norte-americanas a respeito de suspeitas de corrupção na Fifa – e que resultaram na prisão do então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) José Maria Marín em 2015.

No dia da prisão de Marín, que se encontrava em um evento da Fifa na Suíça, autoridades brasileiras receberam pedido de diligências para obtenção de provas, pedido que foi cumprido pelo Ministério Público Federal em dez horas.

As diligências acabaram suspensas por um habeas corpus concedido pelo Tribunal Regional Federal, sob a alegação de que as formalidades não foram cumpridas – o pedido deveria ter chegado por carta rogatória dirigida ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e não diretamente à Procuradoria da República.

O STJ derrubou a liminar um ano depois, mas o prejuízo às investigações já estava feito. “Eventos como este têm se repetido no poder Judiciário e tem provocado grande prejuízo à cooperação internacional em função da falta de clareza em nossa legislação a respeito dos caminhos da cooperação no Brasil”, disse Aras.

Hoje, a legislação impede que a polícia de outros países peça colaboração das autoridades brasileiras sem que o pedido passe pelo Ministério da Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.

O procurador cobra a regulamentação de situações de urgência, como casos em que a rapidez é fundamental. Ele sugere que a lei permita uma exceção nesses casos. "Em um caso de pedofilia, de terrorismo ou de sequestro, nós não teríamos condições de reação imediata, em função da impossibilidade de utilização da prova encaminhada diretamente por um canal polícia-polícia ou Ministério Público-Ministério Público", disse.

Lava Jato
Vladimir Aras disse ainda que a repatriação de mais de R$ 700 milhões pela Operação Lava Jato nos últimos três anos só foi possível porque os procuradores encontraram uma brecha legal decorrente de uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

“A cooperação internacional é importante não só para a obtenção de provas, mas para a recuperação de ativos. No projeto não há nenhuma regra que vincule a recuperação de ativos à cooperação internacional”, disse.

A repatriação de ativos, até a Lava Jato, só era aceita por outros países a partir da sentença transitada em julgado, ou seja, quando não havia mais possibilidade de recursos. As autoridades brasileiras conseguiram um atalho para fugir dessa exigência ao fazer o pedido com base nos depoimentos dos delatores do esquema – delação premiada prevista na lei de combate às organizações criminosas (Lei 12.850/13).

“Se a lava jato tivesse usado os trâmites tradicionais, não teria obtido esse resultado”, disse Aras.

Informante
O advogado Luiz Flávio Gomes, que participou da comissão de juristas que elaborou o projeto de reforma do Código de Processo Penal aprovado pelo Senado, fez ainda duas sugestões ao texto: uma nova medida cautelar para garantir os direitos de vítimas de crimes violentos e a adoção do informante do bem – previsto no projeto original das chamadas Dez Medidas contra a Corrupção.

Para Gomes, a legislação ignora os direitos da vítima e não prevê reparação antes da sentença final, que pode levar anos. Ele sugere a adoção do que chama de “audiência protetiva de direitos” no início do processo.

Nessa audiência, o juiz poderia determinar, por exemplo, o pagamento de uma pensão mensal a uma vítima de trânsito ou sua família. “Um processo por homicídio no transito demora oito a dez anos. É muito barato matar no Brasil. Nesse caso, o autor teria que arcar com pagamento de pensão imediatamente”, explicou.

Denunciante do bem
Ele também cobrou a inclusão do chamado denunciante do bem, pessoa que não está envolvida no crime e que fornece informações às autoridades. Gomes dá como exemplo a operação “Carne Fraca”, da Polícia Federal.

“A operação começou com um fiscal que não aceitou entrar no esquema. Precisamos de um estatuto que beneficie e proteja esta pessoa”, disse.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), um dos sub-relatores da comissão especial, explicou que o denunciante do bem acabou ficando de fora do projeto das dez medidas analisado na Câmara por conta do método usado por seus defensores para pressionar os deputados e não pelo mérito da ideia.

Segundo ele, membros do Ministério Público se aliaram a movimentos sociais para pressionar os deputados, o que teve efeito contrário. "Essa medida não foi aprovada por conta de um pacote que não tinha sido amadurecido para se criar consensos", disse.

Reportagem - Antonio Vital
Edição - Newton Araújo

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