Segurança

Detento que estuda no presídio é visto pelos outros presidiários como traidor

12/05/2014 - 13:37  

Arquivo/Câmara dos Deputados
Presídio superlotação
No sistema prisional, educação ainda é tratada como uma regalia.

Detento que estuda no presídio é visto pelos companheiros como "X9", gíria que define aquele que vai trair os demais. Segundo especialistas ouvidos durante seminário promovido pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, a educação ainda é tratada no sistema prisional como uma regalia para aqueles que colaboram de alguma forma com a direção do presídio.

Além da carência de vagas, outros problemas são: alta evasão e falta de capacitação de funcionários e de coordenação entre os estados. A superlotação no sistema penitenciário do Brasil dificulta a ressocialização da população carcerária, que já ultrapassa os 570 mil. A carência de espaço nos presídios também afeta a educação.

A falta de servidores devidamente capacitados e uma efetiva ação coordenada entre governo federal e governos estaduais são outros entraves à educação prisional. Porém, as dificuldades também rumam por outras vertentes.

Seleção dos presos
O juiz do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Douglas de Melo Martins, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas, chama a atenção para a questão da seleção dos presos que podem frequentar as aulas. Como, em média, a oferta de vagas só atinge 10% da demanda, quem estuda na prisão pode ser considerado um privilegiado.

Além de adquirir conhecimento e ter mais chances no mercado de trabalho, o preso que estuda tem direito à remição da pena: para cada 12 horas de estudos, um dia de pena é descontado do total imposto na condenação.

Ainda assim, o juiz Douglas Martins observa que o índice de evasão é alto. O motivo, segundo ele, é que a educação no sistema prisional é tratada como uma regalia para aqueles detentos que colaboram com a direção do presídio de alguma forma.

"O preso que adere é visto, dentro do sistema prisional, como um X9, aquele que vai trair os demais companheiros. Então, enquanto for visto dessa forma, nós não teremos adesão”, destaca o juiz. “É por isso que nós temos uma evasão de mais de 30%. As vagas que são oferecidas, que são poucas, são oferecidas para apenas menos de 10% das pessoas hoje encarceradas, e esses ainda não conseguem utilizar essas vagas."

Definição de critérios
A solução, de acordo com o juiz Douglas Martins, é universalizar a oferta de vagas nas escolas dos presídios. Até que isso acorra, ela aponta um caminho: "Enquanto não conseguirmos universalizar, a saída é ter critérios objetivos para a escolha dos presos que terão acesso”.

Segundo ele, o critério não pode ser subjetivo, daquele preso que colabora com o sistema porque, se assim for, ocorrerá uma natural discriminação dentro do sistema. “Quando nós fazemos isso, nós estamos colocando o preso em risco dentro do sistema prisional. Durante as rebeliões, os primeiros presos que são sorteados, digamos assim, para a morte, são exatamente aqueles que colaboram com a administração, são aqueles que estão nos cursos, são aqueles que aderem às políticas públicas."

O juiz Douglas Martins também não descarta o critério de distribuição de vagas nas escolas dos presídios por meio de sorteio. Mas ele ressalva que este mecanismo precisa ficar bem claro para todos os detentos, caso contrário os alunos serão alvos dos demais detentos.

Matrículas monitoradas
Em Pernambuco, onde o número de presos que estudam é expressivo (do total de mais de 30 mil presos, cerca de oito mil estão na escola), a matrícula não fica a cargo da administração dos presídios, conforme explica o secretário de Educação, José Ricardo Dantas de Oliveira.

"Diferentemente de outras unidades da federação, em Pernambuco, as matrículas são 100% monitoradas e feitas pela própria Secretaria de Educação, que oferece a 100% dos alunos, em unidades prisionais, a oportunidade de estudar”, ressalta o secretário.

“Então, não fica a cargo da Secretaria de Ressocialização, no caso de Pernambuco, essa escolha do aluno. É escolha dos próprios alunos, nós ofertamos a todos os alunos das 19 unidades prisionais do Estado de Pernambuco." Segundo o secretário José Ricardo Dantas, os presídios pernambucanos concentram 15% dos presos que estudam em todo o País.

Reportagem – Idhelene Macedo
Edição – Newton Araújo

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