Segurança

Especialistas criticam projetos que alteram o ECA

05/05/2014 - 19:13  

Arquivo/ Leonardo Prado
Onyx Lorenzoni
Lorenzoni: a legislação é insuficiente para garantir que os agentes públicos vão defender a criança.

Especialistas criticam propostas de mudança do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90) apresentadas pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) na semana passada.

O deputado propõe, por exemplo, que denúncias feitas pela própria criança tornem-se prioritárias junto ao poder público (PL 7446/14) e que a seleção de conselheiros tutelares ocorra por meio de concurso público (PL 7452/14).

O PL 7452 prevê ainda que os conselheiros sejam servidores municipais. Atualmente, pelo ECA, esses profissionais são escolhidos pela população local entre candidatos com reconhecida idoneidade moral, idade superior a 21 anos e residente no município.

Segundo Lorenzoni, passados 24 anos da publicação, o estatuto precisa ser aprimorado. O deputado argumenta que o assassinato de Bernardo Uglione Boldrini, no Rio Grande do Sul, mostrou que a legislação brasileira é “insuficiente para condicionar a conduta dos agentes públicos na defesa da criança”.

O parlamentar argumenta que as medidas sugeridas vão conferir, além de maior proteção aos menores, mais celeridade dos processos na Justiça.

Efeito contrário
O advogado especialista na defesa dos direitos humanos, especialmente crianças e adolescentes, Renato Roseno ressalta a Constituição já garante prioridade absoluta aos casos de violações de direitos de menores, tanto na esfera administrativa quanto judicial.

Na concepção do advogado, a alteração da lei pode ter efeito contrário ao pretendido. Segundo argumenta, a mudança legal “pode gerar situações em que uma dada violação é denunciada por um professor, ou por um profissional de políticas públicas, e vai acabar não tramitando com prioritariamente”, como já determina o texto constitucional.

Escolha dos conselheiros
A socióloga especialista em infância e adolescência Graça Gadelha também acredita que a legislação brasileira é adequada.

Para ambos, o fundamental é que o sistema de garantia de direitos se adapte à legislação. “Nós temos falado dos conselheiros tutelares, esquecendo a institucionalidade do conselho tutelar”, sustenta Graça Gadelha.

Segundo a socióloga, “a maioria deles” não conta com a infraestrutura mínima necessária, como telefone, viaturas, computadores, sistema de informação ou uma equipe técnica de assessoramento dos conselheiros.

Os especialistas também não concordam com a alteração na sistemática de eleição de conselheiros tutelares. Na concepção de Renato Roseno, a escolha pela comunidade foi “uma grande inovação democrática”, porque os conselhos são autônomos, não institucionais e escolhidos pela população. “Eu não abriria mão desse mecanismo”, acrescenta.

Mesma opinião tem a secretária da Criança do Distrito Federal, Eliane Cruz. Ela enfatiza que a estrutura atual é “bastante adequada”, porque permite à sociedade civil participar “efetivamente dessa política de controle, tanto dos direitos de crianças e adolescentes, quanto do próprio Estado”.

Encaminhamento da criança
O PL 7446/14, que concede prioridade às denúncias feitas pelas próprias crianças, também determina que, nesse caso, a autoridade judiciária determine o encaminhamento do menor à família substituta ou a acolhimento institucional. Hoje, a lei concede prioridade à convivência familiar e comunitária.

Pelo texto, o juiz poderá determinar que a criança continue com a família, mas os responsáveis terão de assinar compromisso se obrigando a cessar as práticas denunciadas. Além disso, deverá haver acompanhamento semanal ou quinzenal de agente do órgão protetivo.

Para Lorenzoni, essas visitas do poder público são fundamentais para evitar que casos semelhantes ao ocorrido no Rio Grande do Sul voltem a acontecer. “Não é possível que uma criança no Brasil tenha capacidade de buscar ajuda, e essa ajuda não chegue porque a legislação ainda é imperfeita”, argumenta.

Roseno ressalta que, atualmente, o juiz já pode decidir com quem permanece a criança ou adolescente em situação de risco.

Tramitação
O projeto 7446/14 será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania (inclusive no mérito) em caráter conclusivo.

Já o PL 7452/14 tramita em conjunto com o projeto de lei 1265/11 nas comissões de Seguridade Social e Família; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania, também em caráter conclusivo.

Reportagem - Maria Neves
Edição – Regina Céli Assumpção

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