Saúde

Uso da “pílula do câncer” divide opiniões em debate na Câmara

Para alguns deputados, a fosfoetanolamina sintética só deve ser distribuída a pacientes quando houver estudos conclusivos de sua eficácia; para outros, porém, é preciso reconhecer os benefícios trazidos a quem já utilizou a substância

24/11/2015 - 16:11  

Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Debate sobre a utilização da substância Fosfoetanolamina Sintética (
Arthur Oliveira Maia: o debate é para esclarecer dúvidas sobre os diversos aspectos envolvendo a substância. É preciso considerar benefícios e consequências do uso da fosfoetanolamina.

O Plenário da Câmara dos Deputados debateu nesta terça-feira (24), em comissão geral, o uso como medicamento da fosfoetanolamina sintética, composto químico popularmente conhecido como “pílula do câncer".

A substância, ainda não liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), vem sendo anunciada por pesquisadores e pacientes como a cura para diversas variantes do câncer em seres humanos.

A substância orgânica foi estudada e sintetizada de forma independente no fim dos anos 1980 por Gilberto Orivaldo Chierice, professor aposentado do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP).

Depois de patentear o composto, o docente passou a distribuí-lo a pessoas interessadas, alegando que ele não é tóxico e é eficaz contra o câncer.

Para o deputado Mandetta (DEM-MS), que também é médico, o uso indiscriminado do composto ao longo de quase 20 anos retrata uma sequência de equívocos. “O primeiro é a distribuição às pessoas sem fazer as devidas perguntas. E se tiver uma lesão renal? E se antecipar a morte do paciente? E se tiver efeito e passar para outras gerações”, questionou o parlamentar, ressaltando que nenhum indivíduo é igual ao outro e cada droga tem as próprias doses, indicações e contraindicações.

Testes clínicos
Também médico, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) considerou importante não estimular o charlatanismo em torno do tema, referindo-se ao caráter milagroso atribuído à substância pelo senso comum. Chinaglia, por outro lado, disse que a ciência não pode trabalhar negando os fatos e os possíveis resultados positivos da fosfoetanolamina no tratamento do câncer.

“Essa substância, que é produzida pelo próprio organismo, só existe concentradamente em células tumorais, exatamente por ser uma reação do organismo. Negar esse fato é não fazer ciência. Aí é o preconceito, é o interesse econômico da chamada indústria do câncer”, disse o deputado, favorável aos testes clínicos da substância.

Enfermeira, a deputada Carmen Zanotto (PPS-SC) disse que a fosfoetanolamina só deve ser distribuída às pessoas após a aprovação em todas as quatro fases da pesquisa clínica no Brasil. Ao defender agilidade nesse processo, Zanotto disse que é preciso acreditar na pesquisa feita no Brasil. “Precisamos reconhecer que este medicamento vem sendo produzido por uma universidade, que já foi distribuído para diversos pacientes, e há relatos de pacientes do resultado do medicamento”, disse ela.

O deputado Rogério Peninha Mendonça (PDMB-SC) disse ter ouvido relato de pessoas desenganadas que tomaram a substância e teriam sido curadas. “É justo uma pessoa que não tem mais esperança ficar esperando porque não há estudos? O que podemos esperar de sequelas de pessoas que têm poucos dias de vida?”, disse.

Para o deputado Weliton Prado (PMB-MG), enquanto todos os testes clínicos não forem concluídos, é preciso garantir o acesso à substância para pacientes com câncer em fase avançada. “Fiquei impressionado com o retorno das pessoas que usaram a fosfoetanolamina. E acredito que é fundamental assegurar o direito de uso a pacientes que já passaram por quimioterapia, por radioterapia e enfrentam a fase mais avançada da doença”, destacou.

O diretor superintendente do Hospital Amaral Carvalho, Antônio Luis Cesarino de Moraes Navarro, que também participou da comissão geral, negou que o hospital tenha realizado pesquisa clínica sobre o produto. “Não a pesquisamos, porque não havia estudo pré-clínico [geralmente feito com animais]. As primeiras informações sobre o estudo pré-clínico vieram em 2007”, disse.

Esclarecer dúvidas
O líder do Solidariedade, deputado Arthur Oliveira Maia (BA), que propôs o debate para esclarecer dúvidas sobre os diversos aspectos envolvendo a substância, disse que é preciso considerar benefícios e consequências do uso da fosfoetanolamina.

“A mais renomada instituição de ensino do País desenvolveu um medicamento que, segundo diversas pessoas que o utilizaram, seria capaz de curar o câncer”, observou. “Por outro lado, uma parte da comunidade científica desconfia dos resultados por não ver lógica nenhuma em um único medicamento ser capaz de combater os mais diversos tipos de câncer”, completou.

Por desconhecer a eficácia da substância, dada a falta de informações sobre o controle clínico de pessoas que fizeram uso dela, a USP publicou neste ano uma portaria proibindo sua distribuição. A universidade aguarda a análise e aprovação da Anvisa.

A proibição da substância, entretanto, levou diversas pessoas a questionarem na Justiça o direito de continuar usando a fosfoetanolamina, mesmo em caráter experimental.

Recentemente uma liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), reverteu decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que proibia a distribuição da droga aos interessados.

Reportagem – Murilo Souza
Edição – Regina Céli Assumpção

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