Política e Administração Pública

Julgamento de Dilma Rousseff começa com tensão e depoimentos da acusação

Indicados pela acusação reafirmaram que a presidente afastada cometeu crimes contra a legislação fiscal. Nesta sexta, seis testemunhas de defesa serão interrogadas

25/08/2016 - 23:26  

Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Sessão final de julgamento do pedido de impeachment da presidente da República afastada, Dilma Rousseff
Sessão de julgamento foi marcada por tensão entre favoráveis e contrários ao impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff

O primeiro dia de julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado foi marcado por tensão e pelo depoimento de dois nomes arrolados pela acusação.

O procurador junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira - o primeiro a ser ouvido e cujo depoimento durou cerca de sete horas - reafirmou aos senadores que a presidente cometeu crimes contra a legislação fiscal.

Até às 23 horas desta quinta-feira (25), o auditor do TCU Antônio Carlos Costa D’Ávila Carvalho Júnior, também já depunha há pouco mais de uma hora.

Os senadores favoráveis ao impeachment retiraram a inscrição para questionar o auditor Antônio Carlos. Com isso, o número de inscritos caiu de 24 para 6. Assim, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o intervalo, programado para as 23h, não ocorreria em razão do número reduzido de senadores a inquirir. 

Dilma é acusada de ter cometido crime de responsabilidade ao editar decretos de crédito suplementar incompatíveis com a meta fiscal e atrasar repasses do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil. Os dois fatos teriam acontecido no ano passado.

Questões de ordem
A sessão de julgamento começou às 9h34, com embates entre defensores do impeachment e da presidente afastada Dilma Rousseff. Durante toda a manhã, senadores da base de apoio da presidente Dilma Rousseff apresentaram, por mais de três horas, oito questões de ordem com o objetivo de esclarecer pontos da sessão de julgamento. Nenhuma das questões foi aceita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que preside o julgamento da presidente.

Os senadores que apoiam o impeachment acusaram os parlamentares da base da presidente de querer apenas atrasar o processo. A sessão chegou a ser suspensa por divergências entre os dois grupos, no momento mais tenso do primeiro dia.

Informante
Apenas quando começou o primeiro depoimento a defesa obteve uma vitória, quando Lewandowski considerou que o procurador Júlio Marcelo de Oliveira não poderia ser considerado como testemunha. Por isso, ele foi ouvido como informante.

Lewandowski levou em conta o fato de Júlio Marcelo ter se manifestado pelo Facebook chamando pessoas para um ato a favor da rejeição das contas da presidente, o que não é compatível, para o ministro, com a função de procurador. O ministro citou a Constituição e as leis que regem o Ministério Público e o TCU, e que vedam ao procurador esse tipo de comportamento. “Reconheço que sua senhoria é um técnico honrado, mas entendo que confirmou a participação, mesmo que indiretamente, em uma manifestação dessa natureza”, disse.

Na prática, a mudança de status, de testemunha para informante, significa que o procurador não prestou juramento para dizer a verdade, e seu depoimento não deverá ser usado como prova.

Motivação
A defesa de Dilma, feita pelo ex-deputado e ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, questionou a motivação do procurador. Cardozo atribuiu a Júlio Marcelo a formulação da tese da acusação, de que houve crimes fiscais, e disse que a decisão mostra que ele agiu como militante, e não como técnico nesse caso. “A cada dia estamos demonstrando que não há razão para considerar crimes por parte da senhora presidente”, disse.

Lúcio Bernardo Junior/Câmara dos Deputados
Sessão final de julgamento do pedido de impeachment da presidente da República afastada, Dilma Rousseff. Testemunha de acusação, procurador do TCU, Júlio Marcelo de Oliveira
O procurador junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira: "Dilma cometeu ilícitos graves na questão fiscal"

Em sua resposta, Júlio Marcelo de Oliveira disse que não é militante anti-Dilma e que votou nela nas eleições de 2010. “Mas não foi possível não ver que as práticas a partir de 2014 foram irresponsáveis”, justificou.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse que a mesma estratégia será usada para questionar os depoentes da defesa, que segundo ele são todos militantes e assinaram manifestos em defesa de Dilma. “Alguns trabalham com senadores que defendem a presidente”, disse.

Decretos
O procurador defendeu o entendimento dos ministros do TCU de que a presidente Dilma “cometeu ilícitos graves na questão fiscal”, e por consequência atentou contra a Constituição.

Oliveira explicou que os decretos editados por Dilma foram feitos sem autorização do Congresso, o que atenta contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. “A autorização para esses decretos dada pelo Congresso tinha uma ressalva: que eles fossem compatíveis com a meta fiscal, o que não foi cumprido”, disse.

A suplementação de créditos só pode ocorrer com autorização do Congresso Nacional, e apesar de haver uma autorização anual para esse tipo de transferência, o projeto que mudava a meta fiscal ainda não havia sido aprovado no Congresso quando os decretos foram editados. O procurador frisou que a meta fiscal tem força de lei, não é um mero desejo, e o envio de uma nova meta ao Congresso não invalida a lei que está em vigor. A meta foi alterada em dezembro, e os decretos foram assinados por Dilma em julho e agosto de 2015.

Pedaladas
Em resposta ao senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), o procurador afirmou que as chamadas “pedaladas”, atrasos no repasse de recursos para bancos públicos, foram uma maquiagem das contas públicas. Para ele, esse atraso caracterizou uma operação de empréstimo, o que precisaria de autorização do Congresso, e atenta contra as contas públicas. “Outro problema é que as decisões colocaram os bancos à mercê do abuso de sua controladora [a União]”, disse.

Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Sessão final de julgamento do pedido de impeachment da presidente da República afastada, Dilma Rousseff. Advogado de defesa, José Eduardo Cardozo
Advogado de defesa da presidente afastada, José Eduardo Cardozo acusou o procurador junto ao TCU de não atuar de forma técnica

Questionado pelo sobre o motivo por trás de mudanças nos pareceres na análise das contas do governo Dilma em 2015, Júlio Marcelo disse que o tribunal não mudou seu entendimento sobre essas operações com bancos públicos, que vinham sendo feitas até 2014 e nunca haviam sido questionadas.

A defesa da presidente afastada argumentou que assim que o TCU mudou esse entendimento em 2015 os atrasados foram pagos, mas o procurador disse que o tribunal nunca havia dito que esses atrasos eram lícitos.

“Vossa Senhoria atuou com uma missão de condenar, e não como um técnico”, afirmou José Eduardo Cardozo.

O procurador, por sua vez, voltou a negar motivação pessoal, e disse que em seu entendimento houve crimes e a presidente deve ser responsabilizada. “Claro que as ordens da presidente foram orais, em conversas, mas ela é a responsável pelo governo, e deve ser responsabilizada”, disse.

Lei de Responsabilidade Fiscal
Ainda sobre o mesmo assunto, o auditor do TCU Antônio Carlos Carvalho Júnior afirmou que o problema é que a União controla os bancos públicos, e não deve usar esse controle para conseguir recursos de forma ilícita. “Esse é o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi criada após os bancos estaduais no Brasil serem extintos porque os governos abusaram de seu controle”, disse.

Os bancos públicos - Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES - são responsáveis pela distribuição de diversos programas governamentais, e o governo Dilma é acusado de ter atrasado repasses no valor de R$ 60 bilhões, o que, na opinião do auditor, configura um empréstimo irregular e justifica o impeachment.

Depoimentos restantes
Além de Júlio Marcelo e de Antônio Carlos Carvalho Júnior, outras seis testemunhas ainda serão interrogadas a partir desta sexta-feira (26) - todas indicadas pela defesa. Elas se encontram, neste momento, hospedadas em num hotel no centro de Brasília, incomunicáveis e sem acesso a rádio, telefone, internet nem televisão.

Ao responder às questões de ordem, Lewandowski ressaltou que o julgamento não tem prazo para terminar, sendo assegurados o devido processo legal e o direito de defesa.

Nesta sexta, os depoimentos devem continuar, podendo chegar ao final de semana. A próxima fase  está marcada para segunda-feira (29), com perguntas à presidente afastada Dilma Rousseff. Ela vai falar por 30 minutos e depois responder às perguntas de Lewandowski, dos senadores, da acusação e da defesa.

Reportagem - Marcello Larcher
Edição - Regina Céli e Alexandre Pôrto

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