Política e Administração Pública

As CPIs que terminaram em pizza, ou seja, não deram em nada

A palavra “pizza” é uma das que mais se ouve nas comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Mas por que se faz essa relação automática entre uma comida e o resultado de uma investigação aqui no Brasil?

11/04/2013 - 16:07  

J. Freitas/Ag. Senado
CPMI do Mensalão
CPMI do Mensalão terminou sem relatório final, mas fortaleceu a CPMI dos Correios.

A relação entre CPI e pizza começou numa área que nada tem a ver com a política: o futebol. A história é que a expressão "termina em pizza" surgiu na década de 60, depois de uma reunião do Palmeiras. O clube vivia uma crise e os dirigentes se reuniram para discutir o que fazer. Depois de 14 horas de discussões acaloradas, eles foram a uma pizzaria para continuar a discussão. E depois de vários chopes, vinhos... e pizzas, os desentendimentos sumiram e os dirigentes já eram amigos de novo! Tudo foi acompanhado de perto pelo jornalista Milton Peruzzi, que estampou na manchete da Gazeta Esportiva do dia seguinte: "Crise do Palmeiras termina em pizza". Pronto! Estava criado o bordão.

Logo depois, a imprensa passou aos poucos a usar a expressão como sinônimo de investigações que terminam sem punição. Como a “pizza” veio parar na política? “A expressão foi adaptada para CPI por Sandra Fernandes de Oliveira, que era secretária do empresário Alcides Diniz e desmontou a farsa da Operação Uruguai na CPI do Collor. Ela veio depor no Congresso, disse que trabalhou para forjar aqueles papéis, depois viu do que se tratava. Ela dizia: 'Eu sei que estou me arriscando, mas eu sei que tudo isso vai terminar em pizza'. E nós perguntamos: o que é ‘terminar em pizza’? Ela explicou que era quando todo mundo acabava tomando chope, comendo pizza, tudo numa boa”, lembra o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que acompanha CPIs no Congresso há mais de 40 anos.

Relação injusta
“As ‘pizzas’ não são tão comuns quanto as pessoas pensam. A percepção da população de que as CPIs terminam em pizza está marcada pelo fato de as CPIs não terem poder punitivo. Então muitas pessoas esperam das CPIs o que elas não podem dar. Elas são instrumento de investigação, capaz de produzir um relatório para que outras autoridades, como o Ministério Público, possa agir na punição dos culpados; mas a CPI em si tem uma reduzida capacidade de punir, a não ser, é claro, pela desmoralização política”, avalia o doutor em Ciência Política, Ricardo Guanabara. “As pessoas querem que a CPI coloque as pessoas na cadeia, e ela não tem esse poder. Quem põe as pessoas na cadeia é o Poder Judiciário”, acrescenta Márcia Bianchi, consultora da Câmara dos Deputados, que já ajudou nos trabalhos de mais de 50 CPIs.

Lia de Paula - Agência Senado
CPMI do Cachoeira
CPMI do Cachoeira não indiciou ninguém e enviou dados para que o Ministério Público continuasse as investigações.

Para a cientista política Argelina Figueiredo, a imprensa colabora para que a população tenha uma percepção equivocada do papel da investigação legislativa. “A sensação de que toda CPI acaba em pizza vem porque as grandes CPIs são cobertas pelas primeiras páginas dos jornais e viram uma coisa sensacionalista. De certa maneira, a imprensa alimenta essa ideia deturpada de que você tem que produzir julgamentos rápidos. Julgamento rápido no Congresso só pode ser julgamento político - cassação ou impeachment. Mas cassação ou impeachment são julgamentos extremos, não é para ficar acontecendo todos os dias”, explica.

Vale lembrar que uma CPI serve para investigar assuntos que podem ser debatidos pelo Congresso Nacional, ou seja, praticamente tudo, e indicar punições e mudanças a serem feitas nas leis e nos procedimentos governamentais. As conclusões das CPIs são mandadas para os outros poderes, como o Judiciário e o Executivo, que podem ou não dar prosseguimento aos processos a partir desses dados. O Ministério Público, por exemplo, pode pedir a abertura de processo judicial se avaliar que tem provas suficientes para isso. Ou seja: o que é feito depois do encerramento da CPI já não é mais responsabilidade dos deputados ou senadores. Depende da avaliação dos outros órgãos.

E isso é mais um ponto que deixa uma impressão ruim para a população em relação às CPIs, como explica Ricardo Guanabara. “As CPIs têm seus relatórios, cumprem seu papel. Acontece que o que aparece depois, como consequência desse relatório, é algo que é invisível aos olhos da maior parte da população. É por isso que fica a impressão de que todas as CPIs que são criadas não têm efeito nenhum. Elas têm. Tem o relatório que sugere providências, às vezes indicia pessoas; isso causa certo impacto se houver comprometimento das autoridades. Agora, se não houver, o relatório vai morrer em alguma estante da biblioteca do Senado e da Câmara, realmente sem providência nenhuma”, avalia.

CPIs sem conclusão
Mas é fato que, algumas vezes, as CPIs não dão em nada. Das 361 CPIs que foram criadas na Câmara dos Deputados, de 1946 até os dias de hoje, 17 não foram instaladas e 118 terminaram sem conclusão. Mas, segundo os cientistas políticos entrevistados, nem sempre isso é ruim. Pode ser que simplesmente o problema tenha sido resolvido ou o tema em investigação tenha perdido a importância. Por isso, ressaltam, é preciso cuidado ao se classificar uma investigação parlamentar como “pizza”.

“Pode-se dizer que uma CPI acaba em pizza quando a imprensa, por procedimentos adequados de investigação, mostra por A + B que existem interesses tanto do governo quanto da oposição dentro da CPI em proteger grupos ligados a um e outro - o que leva a acordo entre os dois e acaba a CPI”, explica a cientista política Argelina Figueiredo. “Pode ser pizza se a CPI é criada e não chega a funcionar; se não investigou o que tinha que investigar; e se durou menos tempo do que deveria”, acrescenta a consultora legislativa Márcia Bianchi.

Mas, se por um lado, há tantas formas de uma CPI não dar em nada, por outro, a simples movimentação de recolher assinaturas necessárias para criar uma comissão parlamentar de inquérito já é suficiente para pressionar o órgão ou pessoa alvo da denúncia. E, muitas vezes, a solução do problema surge antes mesmo da CPI. Em 2012, por exemplo, deputados conseguiram apoio suficiente para criar a CPI das Telefônicas. Ao mesmo tempo, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), possível alvo da investigação, anunciou medidas para cobrar mais qualidade das operadoras de telefonia. Parlamentares e especialistas não consideraram isso uma simples coincidência.

Pizza na prática
Um exemplo de CPMI frustrada foi a do Mensalão – comissão mista, que funcionou, em 2005, ao mesmo tempo em que a dos Correios, também para investigar a denúncia de compra de voto de parlamentares no Governo Lula.

A CPMI dos Correios terminou e concluiu pela existência do esquema. O material da comissão serviu de base para o processo judicial que acabou com a condenação de 25 pessoas, entre elas o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o publicitário Marcos Valério.

Arquivo/ Leonardo Prado
Osmar Serraglio
Osmar Serraglio: CPI sem parecer final não tem valor nenhum.

Já a CPI do Mensalão foi extinta porque o prazo de funcionamento terminou e não houve parecer final. “Ela foi frustrada porque era necessário mais tempo. A maioria parlamentar da base do governo, por orientação do próprio governo, recusou-se a dar as assinaturas necessárias ao prosseguimento das investigações”, explica relator da CPMI do Mensalão, o ex-deputado Ibrahim Abi-Ackel, integrante da base governista.

Por outro lado, o fracasso da CPMI do Mensalão fortaleceu a CPMI dos Correios. O colegiado tinha enviado todo o material relativo ao mensalão para a CPMI que levava o mesmo nome, mas quando a CPMI do Mensalão terminou sem conclusão, as informações voltaram para a dos Correios. E aí a investigação se fortaleceu e foi aprofundada. “CPI sem parecer final não tem valor nenhum. Como não mandaram nada para ninguém, nós retomamos a investigação na CPMI dos Correios, o que permitiu que nós fizéssemos aqueles cruzamentos todos para demonstrar com convicção o elo que havia de submissão da Casa enquanto matérias de interesse do governo estavam sendo aprovadas”, lembra o relator da CPMI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR).

“Terminamos com um relatório muito convincente. Se eu tivesse amarelado na CPMI dos Correios, como ocorreu na CPMI do Cachoeira, Dilma Rousseff seria a presidente da República? Certamente não. A história mudou com a CPMI dos Correios. E isso é trabalho do Congresso Nacional”, ressalta Serraglio.

Reportagem – Ginny Morais
Edição – Newton Araújo

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