Política e Administração Pública

CPIs viraram instrumento de governo e perderam eficácia, dizem especialistas

Reportagem especial faz análise histórica das comissões parlamentares de inquérito (CPIs) na Câmara dos Deputados. Tradicionalmente, as CPIs levam a três resultados: mudanças nas leis, punição de acusados e alterações em políticas públicas. Mas essa história está mudando.

11/04/2013 - 16:18  

Criadas para ser um instrumento para os partidos de oposição exercerem o direito de investigar, atualmente as comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumento de governo. E perderam eficácia. A conclusão é da cientista política Argelina Figueiredo, que analisou as CPIs da Câmara dos Deputados entre 1946 e 2002. “O Executivo usa a CPI como um instrumento para impedir que a oposição funcione. O governo tem maioria, consegue assinaturas para criar a comissão. No entanto, o governo não tem interesse de concluir essa CPI; ela está ali simplesmente para ficar na fila, para impedir que outra – da oposição, que pode incomodar mais – seja instalada”, explica, lembrando que isso só é possível porque na Câmara dos Deputados não podem funcionar mais que cinco CPIs ao mesmo tempo.

A cientista política afirma que aumentou também o controle governista dentro das comissões parlamentares de inquérito. “O número de relatores e presidentes da base de apoio ao Executivo é maior atualmente. Mas faz parte do jogo político. CPI é uma coisa que qualquer governo prefere que não tenha, porque ocupa o Congresso nas atividades investigativas e menos nas atividades de produção de políticas, de aprovação de leis que o Executivo tem interesse”, complementa Argelina. A análise que fez mostrou também que menos CPIs estão sendo instaladas e concluídas em relação ao período anterior a 1964.

Faltam resultados
Outros especialistas concordam que faltam resultados concretos da investigação parlamentar. “Ainda não existe um instrumento específico para medir esses resultados”, afirma o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Lucio Rennó. “Não temos retorno das recomendações administrativas, não sabemos como estão os processos judiciais. A única forma de medir o resultado de CPIs é analisar as proposições legislativas que apresentou. Esta é a única etapa que depende somente do Legislativo. E nesse quesito, o resultado é zero. Nos últimos 15 anos, só um projeto de lei foi aprovado (o que não prescreve crime de abuso sexual), o que é um absurdo”, avalia o mestre em Ciência Política Wellington de Oliveira, que analisou as CPIs da Câmara entre 1999 e 2007.

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Para Oliveira, a efetividade das CPIs poderia aumentar se houvesse maior controle por parte do Congresso das providências que são tomadas a partir das conclusões das comissões de inquérito. A consultora legislativa da Câmara, Marcia Bianchi, que já ajudou nos trabalhos de mais de 50 CPIs, discorda. “Se houver um acompanhamento, o Parlamento vai acabar fazendo o trabalho de outros órgãos, e isso não cabe. Se não houver providências, e o problema persistir, cabe ao Legislativo criar outra CPI, frente a uma nova realidade”, justifica.

A Lei 10.001/00 determina que os órgãos que receberem recomendações de CPIs devem, em um mês, apresentar ao Congresso Nacional os encaminhamentos que tomou ou a justificativa pela omissão. Também devem atualizar o Legislativo sobre o andamento dos pedidos semestralmente. Apesar de prever sanções administrativas, civis e penais, a lei não vem sendo cumprida. Na Câmara dos Deputados, não há registro de recebimento desse tipo de informações.

Governo e oposição discordam
O líder da Minoria, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) concorda que as CPIs perderam eficácia. “A própria prerrogativa do deputado de fiscalizar maus feitos também perdeu a eficácia. O governo se apossa da função dos parlamentares, direcionando o rumo que eles e a investigação devem tomar. Os deputados da base governista aceitam isso, confundindo o ‘ser situação’ com ‘ser subserviente’, tornando as CPIs esvaziadas, CPIs de faz-de-conta”, avalia. No entender do deputado, para mudar essa situação, seria necessário mudar as atuais regras de composição de CPIs, que levam em conta a proporcionalidade dos partidos políticos. “Se está investigando algo do governo, não pode colocar alguém do próprio governo para presidir e relatar. É um absurdo, mostra que o interesse é não investigar. É preciso mudar isso para resgatar a credibilidade do Legislativo”, argumenta Leitão.

Já o líder da Maioria, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), admite que o Executivo influencia nas investigações parlamentares. “Todos os governos atuam, porque não vão deixar a oposição desmoralizá-lo”, explica. Mas ele discorda que as CPIs tenham se tornado um instrumento de governo. “Que eu saiba não propusemos nenhuma nos últimos anos”. Para Chinaglia, o principal problema é outro. “É preciso fazer uma reflexão sobre o uso desse instrumento poderoso. O que tem ocorrido é que, pelo fato de atrair mídia, dar projeção, se banaliza a CPI ao fazer dela só um palco de disputa política. Isso resulta, muitas vezes, em um trabalho estéril, sendo que poderia acabar em punição e mudança de legislação”, diz o líder da bancada governista.

Reportagem – Ginny Morais
Edição – Newton Araújo

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