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Ensino da cultura afro-brasileira ainda enfrenta desafios, dizem especialistas

14/05/2013 - 21:59  

Alexandra Martins / Câmara dos Deputados
Audiência pública sobre a implementação da Lei nº 10.639/2003, que altera as Diretrizes e Bases da Educação, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. Secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI/MEC), Macaé Maria Evaristo dos Santos
Macaé dos Santos: antes da lei sequer se pensava sobre o assunto.

Passados dez anos da sanção da Lei 10.639/03, que obriga escolas públicas e particulares a ensinar história e cultura afro-brasileira, o Brasil ainda enfrenta uma série de desafios para vencer o racismo dentro das instituições de ensino. Profissionais das áreas de educação e de promoção da igualdade racial avaliaram a implementação da lei, nesta terça-feira (14), em audiência pública na Comissão de Educação da Câmara.

De uma forma geral, segundo os participantes da reunião, a situação hoje é de aplicação pontual da legislação por professores e escolas e de falhas na formação de docentes. "As escolas ainda trabalham a questão racial apenas em 13 de maio (data da abolição da escravatura no Brasil, em 1888) ou em 20 de novembro (dia da Consciência Negra), mas isso tem que fazer parte do cotidiano. Um professor não pode fazer carinho apenas no cabelo liso, mas também no cabelo crespo", afirmou a coordenadora de Educação em Diversidade da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Ana José Marques.

Formação universitária
Outro problema apontado pelos debatedores foram as dificuldades na formação de professores. Os cursos superiores que formam os docentes, disseram, muitas vezes não incluem na grade curricular a temática da história e da cultura afro-brasileira, restando às secretarias de educação promover cursos de formação continuada de seus professores. "Enquanto fazemos formação continuada, os novos profissionais continuam sem formação", reclamou o professor da rede de educação básica do Paraná e advogado Celso José dos Santos.

Avanços
Ao mesmo tempo em que a formação de professores foi apontada como uma dificuldade, a secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, Macaé Maria Evaristo dos Santos, apontou a mesma formação como um avanço. “Antes da lei sequer se pensava sobre o assunto.”

Ela destacou que, neste ano, 13,7 mil professores participam de especialização nas relações étnico-raciais. O MEC, lembrou ainda Macaé, vem dando apoio a estados e municípios para que eles construam uma agenda de combate ao racismo, que ainda se reflete, por exemplo, na taxa de analfabetismo absoluto entre pessoas com mais de 15 anos. Entre os brancos, essa taxa é de 7,1%. Entre a população negra, o mesmo índice sobe para 16,9%. (Veja a tabela)

Macaé dos Santos destacou também a produção de material didático. Crianças e famílias negras, disse, hoje já são representadas na literatura infantil. “Há dez anos, só se encontravam personagens fantasiosos, caricatos, como o Saci-Pererê ou o Negrinho do Pastoreio.”

Divulgação de experiências
Conforme estudo de 2009 do Ministério da Educação, o baixo nível de institucionalização da lei se deve à inexistência de ações programáticas, sendo que algumas práticas isoladas em escolas ganharam legitimidade com a lei. Os campos disciplinares com maior aplicação da regra são história, artes e literatura. “Foi recomendado que especialmente essas áreas abordassem o assunto, mas virou a regra”, observou a conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE) Rita Potyguara, que apresentou pontos da pesquisa.

Foi consenso entre os participantes da audiência que as experiências de sucesso devem ser aproveitadas e divulgadas. A secretária de Educação da Paraíba, Márcia Lucena, ressaltou que cabe aos secretários da área institucionalizar as ações que surgem dentro da escola. “Na Paraíba, por exemplo, pegamos o trabalho de uma escola quilombola e reproduzimos a experiência em outras escolas da mesma região, porque essa realidade pertence a todos os estudantes. Todos precisamos ser contaminados por essas iniciativas”, observou.

A deputada Iara Bernardi (PT-SP), que sugeriu o debate, se comprometeu a trabalhar em conjunto com o ministério a fim de divulgar as boas experiências. “Vamos ter publicações conjuntas, inclusive das boas práticas, daquilo que foi feito de bom que possa incentivar outras experiências em outras escolas brasileiras”, completou.

Formação da sociedade
A Lei 10.639/03 acrescentou à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) dois artigos: 26-A e 79-B. O primeiro estabelece o ensino sobre cultura e história afro-brasileiras e especifica que o ensino deve privilegiar o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional.

O mesmo artigo ainda determina que tais conteúdos devam ser ministrados dentro do currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística, literatura e história brasileira. Já o artigo 79-B inclui no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.

Todas as escolas públicas e particulares da educação básica devem ensinar aos alunos conteúdos relacionados à história e à cultura afrobrasileiras. Desde o início da vigência da Lei  10.639/03, a temática se tornou obrigatória nos currículos do ensino fundamental e médio.

Unesco
Essas ações afirmativas atendem ainda ao que determina o Programa Nacional de Direitos Humanos, assim como a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, tais como: a Convenção a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco), de 1960, e a Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminações Correlatas, de 2001.

“O reconhecimento da contribuição dos povos africanos e seus descendentes é parte importante no resgate da gigantesca dívida dos sucessivos governos com a África e com os afrodescendentes, os quais trazem na pele e na alma a prova da ancestralidade que nos dignifica como povo e nos honra como nação”, opina Iara Bernardi.

Reportagem – Noéli Nobre
Edição – Regina Céli Assumpção

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