Economia

Garimpo no Oiapoque: Congresso decidirá sobre polêmico acordo com a França

Texto assinado pelos ex-presidentes Lula e Sarkozy, em 2008, prevê regras mais rígidas para a pesquisa e a lavra de ouro na fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. Autoridades amapaenses dizem que a medida resultará no enfraquecimento da economia local e na expulsão de brasileiros que trabalham em garimpos no território francês.

22/01/2013 - 15:01  

Arquivo/ Alexandra Martins
Sebastião Bala Rocha
Bala Rocha: não dá para aprovar o acordo com o texto atual.

Você sabia que o Brasil é a nação que tem a fronteira mais extensa com a França? Essa porta de entrada brasileira na União Europeia se estende por 730 quilômetros, no extremo norte do País, em plena região amazônica: de um lado, o estado do Amapá; do outro, o departamento ultramarino da Guiana Francesa. O rio Oiapoque faz a divisa natural na maior parte da fronteira e é rota do garimpo clandestino de ouro, sobretudo por parte de brasileiros que invadem o território francês. Com o intuito de tentar conter essa atividade ilegal, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy assinaram, em 2008, um acordo bilateral sob o argumento de ampliar a proteção ambiental na região.

Para entrar em vigor, o acordo Brasil-França (Mensagem 668/09) precisa da aprovação do Congresso Nacional; o texto, no entanto, é alvo de críticas pesadas no Amapá, único estado brasileiro afetado pelo documento. O repúdio dos amapaenses vem de todos os lados, a começar pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão responsável pelas permissões de lavras garimpeiras. Superintendente do DNPM no Amapá, o geólogo Antônio Feijão avalia que o acordo terá pouca eficácia porque muitos dos brasileiros que garimpam ilegalmente na Guiana Francesa chegaram lá pela tríplice fronteira com o Suriname, país que teria regras menos rígidas na concessão de registros para os garimpeiros.

Feijão lembra ainda que, décadas atrás, o território francês incentivou a entrada de brasileiros. "A Guiana Francesa, no fim da década de 1970, estimulou os brasileiros a irem ao seu território construir a base de lançamento de foguetes de Kourou. No entanto, quando a parte mais importante da obra foi finalizada, essa mão de obra da construção civil passou a vagar por Caiena [a capital] e a na própria cidade de Kourou. Essas pessoas se refugiaram no ouro, porque, no início da década de 1980, o ouro chegou a ultrapassar 1,1 mil dólares a onça-troy [unidade de medida para metais precisoso]", informa.

O que diz o acordo
O texto assinado por Lula e Sarkozy determina que cada país se compromete a submeter à autorização prévia as atividades de pesquisa e lavra de ouro, assim como a compra e a venda do metal e as atividades das empresas que comercializam as peneiras de garimpeiro e o mercúrio. Na repressão ao garimpo clandestino, as autoridades policiais poderão apreender, confiscar ou até mesmo destruir os materiais encontrados.

O desembargador do Tribunal de Justiça do Amapá, Gilberto Pinheiro, porém, afirma que o ato de destruição de bens apreendidos não faz parte da legislação brasileira. "Por exemplo, quando se faz a apreensão de um carro ou de um avião, não se destrói, destina-se. No caso em questão, os bens apreendidos poderiam ser destinados a uma comunidade indígena. Agora, imagine os franceses dizendo: 'não, vocês estão obrigados a destruí-los'. Isso não faz parte da nossa lei. E depois, se esse bem patrimonial for legal? É igual pena de morte: não tem volta", argumenta.

Como parte dessa fiscalização na fronteira ficaria a cargo do Exército brasileiro, Antônio Feijão teme que haja uma submissão das autoridades e da legislação nacional, caso o acordo seja aprovado. "A função lamentável desse documento bilateral é transformar nosso Exército em uma subpolícia da Guiana Francesa. Lamentavelmente, teremos mais uma lei para criminalizar o difícil mundo da mineração garimpeira. A França, que tem a sua Constituição embasada em igualdade, liberdade e fraternidade, traz para nós uma ditadura, uma inibição da Constituição brasileira dentro do nosso território", sustenta.

Desemprego
E as críticas não param. O secretário de Indústria, Comércio e Mineração do Amapá, José Reinaldo Picanço, lembra que o acordo abrange toda a faixa de fronteira entre Brasil e Guiana Francesa, com uma largura de 150 quilômetros para dentro de cada território. No caso do Amapá, que já tem 72% de sua área protegidas por unidades de conservação ambiental, teme-se por ingerência estrangeira no pouco que resta para a autonomia administrativa do estado.

Além disso, Picanço avalia que o acordo terá graves impactos socioeconômicos, sobretudo diante da perspectiva de expulsão de milhares de brasileiros que estão irregularmente na Guiana Francesa e poderão atrapalhar as ações governamentais para a legalização de garimpos ambientalmente corretos. "Certamente, uma parcela desses garimpeiros virão para o Amapá e ocuparão a parte urbana de Oiapoque. Não há emprego suficiente e outros riscos sociais, como o aumento da violência e a reativação de garimpos inativos, virão à tona", declara.

Principal município brasileiro da fronteira com a Guiana Francesa, Oiapoque já tem taxa de desemprego em torno de 90%, segundo o prefeito Aguinaldo Rocha. Ele rebate a motivação ambientalista que Lula e Sarkozy usaram na defesa do acordo e prevê uma situação de caos diante do que ele chama de "engessamento do município" por unidades de conservação e da possível expulsão em massa de brasileiros que estão no território vizinho.

"De 22 mil hectares, Oiapoque só tem hoje 3 mil e poucos hectares para trabalhar. Além disso, sequer conseguimos a legalização fundiária e urbana do município. Sabemos que é necessário preservar o meio ambiente, mas também temos de mostrar para o governo federal e os ambientalistas que ali moram pessoas, principalmente os ribeirinhos, que dependem do pão de cada dia nas áreas preservadas", diz o prefeito.

Negociação
A palavra final quanto ao acordo Brasil-França caberá à Câmara dos Deputados e ao Senado, que não podem alterar o texto: devem apenas aprová-lo ou rejeitá-lo. A tendência é de aprovação, até para evitar desgaste diplomático. O relator da matéria na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, deputado Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), entretanto, ainda aposta no entendimento com os governos dos dois países em busca de uma solução. "Vamos conduzir, em Brasília, reuniões de negociação política da bancada do Amapá, para ver se convencemos a presidente Dilma a retirar esse acordo da Câmara. Caso não seja possível, teremos de votá-lo. Não dá para aprovar o texto do jeito que está; não posso garantir um parecer favorável", comenta.

Na opinião de Bala Rocha, a grande falha de Lula e Sarkozy foi terem assinado o documento sem a prévia discussão com as comunidades diretamente afetadas.

Reportagem – José Carlos Oliveira/Rádio Câmara
Edição – Marcelo Oliveira

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