Economia

Anistia para repatriação de recursos divide opiniões em seminário na Câmara

05/06/2012 - 21:58  

Proposta que prevê anistia fiscal para quem repatriar dinheiro não declarado mantido no exterior divide opiniões em seminário na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara.

Representantes de órgãos e entidades que compõem a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) mostraram preocupação com a iniciativa. A Enccla foi instituída em 2003 pelo Ministério da Justiça e reúne mais de 60 órgãos participantes dos Três Poderes.

Para o vice-presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, “esse tipo de proposta é perniciosa por todo o esforço que o Brasil faz para construir um sistema eficiente contra a lavagem de dinheiro e a corrupção.”

“A evasão de divisas é apenas um ponto. Se fosse pura e simplesmente anistia fiscal não haveria problema. O problema é que o dinheiro não pode ser objeto de investigação sobre sua origem devido ao sigilo assegurado no projeto”, alertou Cavalcanti.

O procurador ressaltou ainda que o Ministério Público não conseguirá analisar todos os casos e assegurar que todas as repatriações se tratam somente de sonegação fiscal, e não de corrupção, tráfico de seres humanos, drogas e armas, por exemplo. “Em alguns casos, pode ser evasão simplesmente. Em outros, estaríamos promovendo a impunidade.

Recursos bloqueados
A mesma preocupação foi demonstrada pelo diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, Ricardo Andrade Saadi.

Ele lembrou que muita remessa ilegal de dinheiro para o exterior foi feita por doleiros e seus clientes, identificados em operações da Polícia Federal. "Nós temos bloqueados no exterior uma quantidade enorme de recursos oriundos de atividades criminosas, dentre as quais do artigo 22, que seria a manutenção de recursos no exterior ou envio de recursos para o exterior sem comunicação às autoridades. Esses recursos estão bloqueados, não estão à disposição das organizações criminosas e só não foram repatriados para o Brasil porque a devolução efetiva dos recursos depende de um negócio aqui no Brasil chamado trânsito em julgado, ou seja, sentença final de um processo penal."

O subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Caio Marcos Cândido, alertou para a possibilidade de um recurso com origem ilegal ser repassado para terceiros e entrar legalmente no País.

Gustavo Lima
Audiência Pública conjunta entre CCJC e CMO. André P. de Vasconcelos (Ajufe)
André Prado: como cobrar 10% de IR sobre recursos repatriados, e 27,5% sobre a renda do cidadão?

Para ele, a proposta de anistia afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – Lei Complementar 101/00), pois concede renúncia tributária sem prever a compensação. Além disso, Cândido acredita que a proposta provocará, na sociedade, a sensação de que não vale à pena cumprir com as obrigações.

Representante da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), André Prado de Vasconcelos questionou se existe justiça tributária na proposta de cobrar 10% de Imposto de Renda sobre os recursos repatriados, enquanto o cidadão brasileiro chega a pagar 27,5% sobre sua renda.

Defesa da anistia fiscal
Já os advogados convidados para o seminário defenderam a anistia fiscal para a repatriação de recursos, argumentando, entre outras coisas, que aqueles que mandaram dinheiro para o exterior não tiveram a intenção de lesar o País, mas o fizeram em decorrência de planos econômicos e confiscos.

Na opinião do advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, não se trata de descriminalizar a evasão de divisas, mas de adaptar uma conduta do passado à realidade atual. 

O advogado Hamilton Dias de Souza duvidou que o crime organizado tenha interesse em repatriar dinheiro mantido no exterior. Na opinião dele, a lei só interessaria aqueles que pretendem agir legalmente.

Cid Heráclito de Queiroz, ex-procurador-geral da Fazenda Nacional, culpou a elevada carga tributária no Brasil pela remessa de dinheiro não declarado ao exterior. "O fato é que a acumulação de recursos no exterior por pessoas de bem, digamos assim, não aqueles praticados nos crimes listados no projeto, em muitos casos decorrem de uma atitude de defesa do patrimônio. É preciso que haja moderação na tributação porque a sociedade reage, se defende."

Projetos
A anistia fiscal para a repatriação de recursos é tratada nos projetos de lei 113/03, que da a opção de repatriar recursos depositados no exterior, e 5228/05, que concede anistia fiscal sobre a legalização ou o repatriação de recursos não declarados mantidos no exterior e extingue a punibilidade dos delitos a eles relativos.

O deputado José Mentor (PT-SP), que propôs o debate, explicou que o benefício só valerá para o caso de sonegação fiscal. "O projeto não trata de recursos relacionados, por exemplo, ao tráfico de mulheres, de seres humanos, partes de seres humanos, drogas e armas, nem de desvio de dinheiro público. Esses recursos não podem ser repatriados com a redução ou isenção de imposto, muito menos com extinção da punibilidade criminal", destacou, acrescentando que o Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça vai continuar trabalhando para recuperar esse dinheiro.

Os dois projetos tramitam apensados na CCJ, com parecer favorável do relator, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). Ele admite, no entanto, a possibilidade de fazer mudanças em seu relatório, para acatar sugestões apresentadas no seminário.

Reportagem - Marise Lugullo
Edição – Regina Céli Assumpção

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