Direitos Humanos

Comissão vai acompanhar casos de violência policial em manifestações populares

21/06/2017 - 22:36  

Alex Ferreira/Câmara dos Deputados
Audiência Pública e Reunião Ordinária
Comissão de Direitos Humanos realizou audiência pública para discutir a repressão policial contra manifestantes

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados poderá ter uma subcomissão para acompanhar e denunciar os casos de criminalização dos movimentos e manifestações populares. A proposta surgiu nesta quarta-feira (21), em audiência pública que debateu a violência policial contra manifestantes, sobretudo em protestos recentes contra o governo federal e as reformas trabalhista e da Previdência, como a greve geral de 28 de abril e o ato Ocupa Brasília, em 24 de maio.

A pedido dos debatedores, o colegiado também poderá intermediar a elaboração dos protocolos de controle em manifestações, juntamente com os órgãos de segurança pública dos estados; manter parcerias com os meios alternativos de comunicação; além de criar uma espécie de observatório de direitos humanos para apoiar as vítimas e conter a tramitação de projetos de lei que, segundo eles, engessam as manifestações populares.

Parlamentares e representantes de movimentos sociais, da Defensoria Pública e do Conselho Nacional de Direitos Humanos citaram vários casos de “truculência policial”, desrespeito ao direito de expressão, criminalização e constrangimento dos manifestantes.

Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a polícia militar tem banalizado o uso de balas de borracha, gases e prisões, como ocorreu no Ocupa Brasília. "A manifestação era totalmente pacífica. Nós vimos que, debaixo dos ministérios, brotaram do chão da Esplanada forças policiais que estavam preparadas para algo que não havia. Aquilo não foi um confronto. Foi o prenúncio de uma repressão absurda que poderia chegar a uma chacina. Não ao acaso nós levamos às Nações Unidas e à OEA [Organização dos Estados Americanos] a denúncia daqueles fatos", disse a deputada.

Manifestante ferido
Cego de um olho após ser atingido por uma bala de borracha em 24 de maio, Clementino Pereira relatou uma “repressão indiscriminada” na manifestação. "Perdi a vista do lado esquerdo. Vim me manifestar, no dia 24, e o policial atirou em mim. Eu não representava ameaça nenhuma para ele, no momento em que ele atirou. Na hora, eu levei a mão ao rosto e continuaram jogando gás de pimenta na gente. Eu sou pai de família com dois filhos para criar e estou desempregado agora. Mas continuo com a luta. Se houver outra manifestação, eu estou junto de novo", afirmou.

Alex Ferreira/Câmara dos Deputados
Audiência Pública e Reunião Ordinária. Vítima de violência policial em manifestações. (confirmado) Dr. Daniel Sabino dos Santos - médico que fez atendimento da vítima Clementino Pereira, Clementino Pereira
Clementino Pereira: "Perdi a vista do lado esquerdo. Vim me manifestar, no dia 24, e o policial atirou em mim. Eu não representava ameaça nenhuma para ele, no momento em que ele atirou"

O médico Daniel Sabino dos Santos, que atendeu Clementino na manifestação, lembrou que mesmo as armas não letais podem causar danos irreversíveis. "É incompreensível que essas armas sejam usadas sem controle em grandes concentrações de pessoas. São artefatos que podem causar amputações, traumas encefálicos, lacerações. Os gases podem levar a asfixia e choque anafilático", ressaltou.

"A manifestação era pacífica e, de repente, vieram tiros de todos os lados. De repente, não era mais uma manifestação, mas um pronto-socorro a céu aberto", disse o médico.

O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal apresentou dossiê sobre nove profissionais de imprensa agredidos na mesma manifestação e um vídeo que mostra um policial atirando com arma de fogo em direção aos manifestantes. Um fotógrafo levou um tiro no pé.

Cobertura da imprensa
Os meios de comunicação tradicionais também foram criticados durante a audiência por focarem nos distúrbios patrimoniais para justificar o uso da força, como afirma o professor de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Ortegal.

"A mídia brasileira enfatiza os patrimônios que foram prejudicados, enfatiza os grupos responsáveis pelos danos materiais, deslegitima tacitamente a manifestação como um todo, sem deixar claro que o grupo mais inflamado correspondia, muitas vezes, a 1% do protesto. Com isso, induz o olhar do espectador a se inconformar com o prejuízo aos cofres públicos e induz também a entender a reação policial a esse ataque como algo totalmente legítimo e a entender os feridos e mortos pela polícia como uma consequência direta das atitudes dos manifestantes", declarou.

Para o defensor público Geraldo Correia, essa situação também é resultado do aumento do que chamou de "intolerância em relação à posição e à opinião política do outro". "A divergência é algo natural, inerente e salutar à convivência humana. Nos tempos mais recentes, parece que isso vem sendo esquecido, sempre a partir de uma negação da posição do outro, o que vem permitindo aflorar um debate em que ninguém se escuta."

Alex Ferreira/Câmara dos Deputados
Audiência Pública e Reunião Ordinária. Dep. Maria do Rosário (PT - RS)
Maria do Rosário: a polícia militar tem banalizado o uso de balas de borracha, gases e prisões nos protestos de rua

Nota de repúdio
A pedido dos debatedores, a Comissão de Direitos Humanos deverá divulgar uma nota de repúdio aos secretários de segurança pública do Distrito Federal, de Goiás e de São Paulo, que foram convidados para a audiência pública, mas não compareceram nem enviaram representantes.

Em nota enviada ao Conselho Nacional de Direitos Humanos em maio, o governo do Distrito Federal afirmou que a PM segue protocolos similares aos das forças públicas de países desenvolvidos, com respeito aos direitos e garantias dos cidadãos.

O integrante da Frente Povo sem Medo, Alexandre Varela, denunciou o desrespeito aos protocolos de segurança nas manifestações no DF e a falta de participação de representantes da sociedade civil na elaboração desses documentos. Ele também criticou o Departamento de Polícia Legislativa pelas restrições às manifestações dentro e no entorno da Câmara dos Deputados.

Varela citou ainda alguns dos projetos de lei que tramitam no Congresso e têm impacto negativo sobre o direito de manifestação: PLs 342/15, que trata da instalação de câmeras de segurança em locais de reunião de público; e 1600/15, que trata da tipificação criminal dos delitos de invasão ou ocupação de repartição pública.

Para o representante do Coletivo Mídia Ninja, Oliver Kornblihtt, o que tem ocorrido em Brasília são batalhas com o uso sistemático da força contra o direito de manifestação.

No fim da audiência pública, um grupo de pessoas da plateia protestou contra o debate, com gritos de "circo da esquerda".

Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Pierre Triboli

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