Direitos Humanos

Professores e juristas avaliam qual será o papel da Comissão da Verdade

11/05/2012 - 12:06  

Com a instalação da Comissão Nacional da Verdade, pela primeira vez no País, um órgão oficial vai estar encarregado de apurar fatos e fazer uma investigação criteriosa de violações contra os direitos humanos praticados no período da ditadura militar. Serão apurados casos de tortura, mortes e desaparecimentos forçados. A instalação está prevista para o próximo dia 16.

Por meio da comissão espera-se obter informações que até agora não estão disponíveis e que podem levar a conhecer melhor as violências praticadas durante o período em que o País viveu uma “guerra” não declarada. A comissão visa ainda buscar o paradeiro dos desaparecidos políticos.

Os sete brasileiros que vão integrar a Comissão da Verdade foram indicados ontem pela presidente Dilma Rousseff.

O professor de Direito da PUC do Rio Grande do Sul José Carlos Moreira afirma que para ser bem sucedida a comissão precisa contar com profissionais especializados e ter absoluto apoio administrativo e logístico do governo.

Já a procuradora federal Eugênia Gonzaga aponta fragilidades no texto da Lei 12.528/11 (que criou a Comissão da Verdade). Ela teme que os resultados da comissão fiquem aquém do que se espera. “Como dizem os deputados, foi a comissão possível. Infelizmente, no Brasil a gente ainda presencia uma negociação muito grande com parte das Forças Armadas que não querem a revelação desses fatos. Isso nos causa preocupação. A comissão poderia ter poderes mais explícitos. Comparada com as comissões de outros países ela não tem a autonomia que gostaríamos”, lamenta.

A extensão do período a ser apurado pela comissão, que vai da redemocratização do País nos anos 40 até o final dos anos 80, é outro ponto frágil. Para Eugênia, a comissão corre o risco de perder o foco. (Veja o período que será analisado pela Comissão da Verdade)

Pressão internacional
Segundo os analistas ouvidos, o fato de a Comissão da Verdade nascer tarde em relação ao que será apurado também pode prejudicar os resultados. Para piorar, ainda falta a pressão da sociedade, como aconteceu em países como Argentina e Chile.

A comissão brasileira nasce fruto de uma pressão internacional. É o que explica a procuradora Eugênia Gonzaga. “Infelizmente, a sociedade civil brasileira não se conscientizou o suficiente em relação à gravidade desse tema. A ditadura foi muito eficaz em esconder esses fatos da população. A Corte Interamericana de Direitos Humanos acabou por condenar o Brasil a adotar medidas de dignidade e de justiça. É graças a essa pressão principalmente que o Brasil vai adotar uma Comissão da Verdade”, explica.

Em 2010, a Corte Interamericana condenou o Brasil, em caso sobre os envolvidos na Guerrilha do Araguaia, a tipificar como delito autônomo o crime de desaparecimento forçado de pessoas, e a punir os responsáveis pelo caso.

Investigações anteriores
Para sustentar o início dos trabalhos especialistas dizem que a Comissão da Verdade não pode dispensar o que foi apurado através de duas comissões criadas pelo Poder Executivo no passado: a Comissão da Anistia e a de Mortos e Desaparecidos Políticos. O farto material já coletado pode servir de arcabouço.

“Até hoje 70 mil processos já entraram na Comissão de Anistia. E cerca de 2/3 desses processos são de pessoas que foram perseguidas, torturadas, presas, exiladas, demitidas arbitrariamente, monitoradas, expulsas”, afirma o consultor da Comissão da Anistia, José Carlos Moreira. “Em cada um desses processos os requerentes estão vivos, ou estavam vivos, e têm a possibilidade de fazer a narrativa deles sobre a perseguição. É o olhar da vítima de quem sofreu a violência. E essas narrativas não estão nos arquivos oficiais, onde está a versão do estado. Muitas vezes ali diz que a pessoa foi interrogada, quando a gente sabe que a pessoa foi torturada.”

Além das narrativas, Moreira diz que há vários documentos anexados aos autos. “É uma documentação muito farta. E se a comissão quiser ser bem sucedida na sua missão ela deve partir do grande acervo de informações que as duas comissões possuem.”

Reconciliação
O jurista Miguel Reale Junior, que foi presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, também defende o aproveitamento dos trabalhos realizados. Mas é contrário a um possível julgamento dos culpados após o fim dos trabalhos da comissão. Ele defende que uma nova verdade oficial seja estabelecida e que promova a reconciliação nacional.

“Essa revelação da verdade não visa a um julgamento, visa a estabelecer um documento histórico, que os fatos fiquem revelados e as responsabilidades apontadas pelos acontecimentos. Não se visa a levar a público para denegrir, para exigir repúdio pessoal. A finalidade que se busca é conhecer os fatos para estabelecer uma memória histórica. É muito mais uma finalidade pedagógica, histórica, documental, do que pura e simplesmente fazer de uma forma transversa um julgamento político”, defende Reale Junior.

Fracasso
Para o professor da Universidade de São Paulo e jornalista Bernardo Kucinsky, no entanto, a comissão tende ao fracasso ao se impor limites antes mesmo de começar. Ele é irmão de Rosa, desaparecida política na ditadura militar brasileira. “Eu não espero nada dessa comissão. É uma comissão que antes mesmo de saber quais informações vai receber já declara que nada poderá enviar à Justiça. Antes mesmo da informação que vai receber se autoextingue em dois anos depois de instalada. É uma comissão que já declara que antes mesmo de ouvir as informações que poderá haver sigilo nos depoimentos e que as próprias conclusões da comissão poderão não ser publicadas.” Kucinsky reclama que a comissão vai apaziguar as reclamações e protelar a verdade. “Essa comissão corre o risco de, depois de dois anos, se tornar uma pedra mais pesada ainda em cima da verdade. Porque ai sim ninguém vai querer mais investigar nada.”

Para o jornalista, não existem condições no País para uma cobrança da sociedade civil que permita à Comissão da Verdade chegar a resultados importantes. “Basta ver como a discussão está sendo levada pelos jornais hoje. Como se fica falando em revanchismo, como se fica falando em resistência militar. A própria mídia convencional já procura melar um pouco o campo.”

Reportagem - Eduardo Tramarim/Rádio Câmara
Edição – Natalia Doederlein

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