Cidades e transportes

Em Pernambuco, obras de prevenção ainda não estão prontas

22/03/2013 - 10:49  

Pernambuco passa por estiagem neste começo de 2013. Mas nem sempre foi assim. A Zona da Mata Sul sofreu com quatro enchentes em dois anos - entre 2010 e 2011. Em junho de 2010 foi a pior delas. Para se ter uma ideia do tamanho do estrago, 30 cidades ficaram em situação de emergência, 11 em estado de calamidade pública. A devastação, que também atingiu parte de Alagoas, chamou a atenção do então presidente Lula, que visitou a região e prometeu R$ 1,5 bilhão para reconstrução.

Quase três anos depois, a reportagem da Agência Câmara foi até dois dos municípios mais atingidos - Barreiros e Palmares - para verificar se as cidades já foram reconstruídas e se medidas de proteção contra novas enxurradas estão sendo realizadas, seguindo os preceitos da nova Lei de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608/12), fruto de iniciativa do Congresso Nacional. A conclusão é que houve avanços, mas muitas promessas ainda não foram cumpridas.

Não foram entregues todas as casas populares para os atingidos pela tragédia. Além disso, praticamente a metade das famílias de Barreiros e 1/4 das de Palmares que precisam ser removidas ainda não aceitaram trocar a casa na área de risco por uma do Minha Casa Minha Vida. O governo do estado avalia como vai negociar com os que resistem.

Na área de prevenção, não houve obras, mas cinco barragens estão sendo construídas na bacia do rio Una para conter as cheias na região, comuns por causa da chuva excedente entre os meses de abril e julho. Nenhuma delas está pronta. “As obras de contenção de enchente, a curto prazo, é o que deve ser feito. Em paralelo, outras ações têm que ser desenvolvidas, como reflorestamento das áreas, um melhor manejo e uso do solo, recuperação das margens desses rios e monitoramento das bacias hidrográficas”, aponta Josicleda Galvício, especialista em recursos hídricos e mudanças climáticas da Universidade Federal de Pernambuco.

O secretário-executivo da Defesa Civil do estado, Coronel Carlos Albuquerque, no entanto, afirma que muita coisa já foi feita. “Foi criada a Agência Pernambucana de Águas e Climas, que faz o monitoramento da situação hidrometeorológica do estado. Quando detecta a necessidade de alerta, emite para os municípios.” Além disso, o governo desenvolveu um manual com ações que devem ser seguidas por todos os municípios em caso de desastre.

Barreiros
Em junho de 2010, Barreiros já tinha Defesa Civil há 8 anos. Mas só no papel. Na prática, na hora que o desastre chegou, não foi o poder público que agiu, mas o Padre Gusmão. “Fui avisado por padres de outras cidades que a inundação estava chegando. Saí nas ruas avisando, toquei o sino a noite toda e assim o pessoal viu que era alarme mesmo. A destruição foi grande – pontes e casas destruídas – mas as vidas foram salvas”, lembra o pároco.

A cidade de Barreiros foi praticamente toda atingida, mas não houve registro oficial de morte. Quase três anos depois, os destroços do desastre de 2010 ainda estão por toda parte. As ruas não foram recuperadas e as cinco escolas públicas ainda não foram reerguidas. Duas das principais pontes destruídas ainda estão em reconstrução.

Mas houve avanços. A Defesa Civil saiu do papel, mas continua sem profissionais suficientes e sem equipamentos essenciais, como carro, GPS, barco. “Conseguimos fazer um plano de contingência, mapeamento de áreas de risco, colocação de lonas plásticas para contenção de barreiras”, elenca o coordenador municipal de Defesa Civil, Luis Henrique Bernardo. Mas ainda não há sistema de alerta, se precisar, continuará sendo o sino da igreja, mesmo a contragosto do padre.

Ginny Moraes
Cidades - catástrofes - Casas ainda habitadas ao redor do Rio Una (Barreiros/PE) em 2013
Casas ainda habitadas ao redor do Rio Una em 2013.

Na área habitacional, 1.600 casas populares foram entregues pelos governos federal e estadual para os atingidos pelas enchentes. Os novos bairros ainda não têm infraestrutura de serviços básicos, como água encanada, escola ou posto de saúde, melhorias prometidas ainda para este ano pela prefeitura. Mesmo assim, quem já foi para a casa nova, se sente aliviado. “Onde eu morava era um barraco, aqui é uma casa. É muito diferente. E sem enchente, acabou o sofrimento”, desabafa Rosilda Soares Ferreira, que há três meses mora na casa de 45 metros quadrados.

Essas 1.600 casas já entregues, no entanto, não são nem a metade das 4.056 prometidas para o município.

Além disso, 1/3 dos habitantes de Barreiros vivem em áreas de preservação permanente, que devem ser desocupadas. É o caso do bairro Rio Una, muito destruído em 2010. Lá, alguns moradores resistem entre os escombros porque não aceitam trocar suas residências pelas do Minha Casa, Minha Vida. “Para quem morava na ribeirinha, foi um presente de Deus. Mas para a gente, com poder aquisitivo melhor, com casa grande e estruturada, não. Vamos sair só quando o governo indenizar por um valor à altura do bem”, afirma Gilvan Moura, cuja casa fica na beira do rio.

Palmares
O mesmo embate entre governo do estado e moradores de área de risco está acontecendo em Palmares. Tanto moradores de áreas nobres quanto de regiões carentes não entendem as regras das remoções e demolições de imóveis perto do rio. “Qual é a distância que as casa devem ter para o rio? Quais são as casas que vão sair? Por que é dito que os moradores da ribeirinha estão sendo retirados, mas na realidade você vê que a maioria da ribeirinha ainda está por aqui?”, questiona Adeílda Teixeira, presidente da Associação do Bairro São Sebastião, conhecido como Pedreiras, um dos mais devastados em 2010.

Ginny Moraes
Cidades - catástrofes - Moradores de casas antigas em Palmares (PE) reclamam da decisão de demolir os imóveis que estão na beira do rio.
Palmares: moradores de casas antigas reclamam da decisão de demolir os imóveis que estão na beira do rio.

No centro de Palmares, área nobre da cidade, os protestos continuam. Faixas estão penduradas nas fachadas das casas centenárias, contestando a decisão de demolir os imóveis que estão na beira do rio. “Nós queremos ficar. Não estão sendo construídas cinco barragens de contenção? Se vão controlar essas águas, por que retirar essa rua?”, indaga Giselda Fonseca, moradora da região, que garante que todos ali têm escritura do imóvel, mas estão sendo tratados como invasores.

O governo do estado admite que pode haver falhas pontuais no processo. Mas, em linhas gerais, está mantida a decisão de remoção de todos que têm construções ao redor do rio. “Beira de rio é área de risco. Não vou entrar no mérito de por que ela tem escritura. Entro no mérito de que ela está dentro de uma área de preservação permanente, numa situação de altíssimo risco e que ela precisa sair dali”, resume o Coronel Albuquerque.

O problema habitacional também enfrenta o atraso na entrega das casas anunciadas. Das mais de 2.600 casas do Minha Casa, Minha Vida prometidas para Palmares em 2010, apenas 400 foram entregues e mais de 300 estão praticamente prontas, mas não se sabe quando as chaves irão para as mãos dos novos moradores. “A pessoa que vai receber o imóvel precisa se enquadrar ao programa Minha Casa, Minha Vida”, justifica o secretário-executivo da Defesa Civil Estadual.

Se a reconstrução não está concluída, pouco se avançou em prevenção a novos desastres. “Melhoria nenhuma. A única coisa que tivemos nesse período foi um curso para 29 voluntários”, critica o agente de Defesa Civil de Palmares, Antônio Juvino. A tragédia de 2010 fez com que o órgão municipal começasse a funcionar de verdade, mas ele ainda não tem estrutura suficiente.

O secretário municipal de Cidade e de Articulação Comunitária, João Sobrinho, tem planos para melhorar a prevenção. “Está dentro do nosso planejamento a criação de núcleo de Defesa Civil nas comunidades, para preparar os moradores.”

No geral, Palmares não se recuperou totalmente da tragédia de 2010. As ruas foram refeitas, mas ainda existem pendências como a reconstrução das escolas, o sistema de drenagem e o alargamento do rio. “Nem 10% do que foi danificado foi reconstruído. O município não tem condições de realizar obras por falta de dinheiro. Se não houver intervenção efetiva dos governos federal e do estado, vamos continuar na mesma situação e talvez até piorar”, avalia o secretário de infraestrutura do município, Alberto Porto.

Reportagem – Ginny Morais
Edição – Natalia Doederlein

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