Política e Administração Pública

Debatedores divergem sobre propostas do Ministério Público contra a corrupção

24/08/2016 - 15:24  

Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Audiência Pública e Reunião Ordinária
Comissão especial da Câmara dos Deputados analisa as 'Dez medidas contra a corrupção' apresentadas ao Congresso pelo Ministério Público

Juristas, operadores do Direito e deputados divergiram sobre o projeto que altera a legislação de combate à corrupção, as chamadas “Dez medidas contra a corrupção”, apresentadas pelo Ministério Público ao Congresso Nacional com o apoio de 2 milhões de assinaturas. Eles participaram, nesta quarta-feira (24), de mais uma audiência pública da comissão especial que analisa a proposta (PL 4850/16).

O projeto tem sido muito criticado por juízes e advogados nessas audiências públicas. Eles apontam que algumas medidas previstas na proposta, como restrições à concessão de habeas corpus, o teste de integridade para servidores públicos e a validação de provas ilícitas em determinadas situações ferem as garantias individuais previstas na Constituição.

Já o Ministério Público Federal argumenta que as medidas previnem a ocorrência de crimes, agilizam as decisões judiciais e garantem a punição dos culpados.

Busca do equilíbrio
O projeto também divide a opinião dos parlamentares, que buscam um equilíbrio entre os direitos do acusado e a punição das ilicitudes. “Liberdade não é a mesma coisa que impunidade”, disse o presidente da comissão, deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA).

Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Audiência Pública e Reunião Ordinária. Dep. Joaquim Passarinho (PSD-PA)
Presidente da comissão especial, Joaquim Passarinho: liberdade não é a mesma coisa que impunidade

Para o deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PV-SP), um dos parlamentares que encampou a proposta e encabeça a lista de deputados que assinaram o projeto, chegar a esse equilíbrio é o desafio da comissão.

“Como há impunidade, temos realmente que mexer no Código de Processo Penal [Decreto-Lei 3.689/41]. E podemos avançar se esta comissão cumprir o seu papel, que é delimitar um equilíbrio entre acusação e defesa”, disse.

Medidas polêmicas
Entre as medidas polêmicas previstas no projeto estão o chamado teste de integridade para funcionários públicos – que consiste em simular a oferta de propina para ver se o funcionário é honesto ou não – e a necessidade de o juiz ouvir o Ministério Público antes de conceder habeas corpus para réus que não estão presos.

O projeto também prevê o confisco de patrimônio do condenado por enriquecimento ilícito mesmo quando não existem provas de que aquele bem é fruto de corrupção, aumenta as penas para crimes contra a administração pública e permite ao juiz não aceitar recursos quando considerar que eles são apenas para atrasar o processo.

Defesa do teste de integridade
O procurador da República Hélio Telho, do Núcleo de Combate à Corrupção da Procuradoria da República em Goiás, defendeu os testes de integridade. “Foi dito aqui que o teste fere a presunção de inocência. Mas o teste não presume culpa. Ele é uma ferramenta de prevenção e de detecção de maçãs podres”, disse.

Ele defendeu que os testes sejam aplicados a todos os servidores públicos, e não apenas a policiais, com alguns critérios, como a exclusividade de órgãos como as corregedorias para sua aplicação.

“Eu tive casos de policiais e fiscais presos por achaques, que já haviam sido presos antes pelos mesmos crimes, e tinham sido absolvidos por falta de testemunhas. As pessoas têm medo na hora de depor na frente do juiz, e o teste facilita a punição ao corrupto”, explicou.

Habeas corpus
O procurador também rebateu uma das principais críticas ao projeto: a limitação da concessão de habeas corpus. Ele negou que a limitação seja um atentado às garantias individuais e apontou um “abuso” na concessão da medida.

Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Audiência Pública. Dep. Paulo Teixeira (PT-SP)
Paulo Teixeira: projeto cria um Estado policialesco e fascista

“O que a gente tem visto é a banalização de habeas corpus. Ele teria que ser usado só para garantir a liberdade do acusado preso injustamente ou evitar prisões ilegais. No Brasil, ele tem sido usado até para garantir imagem do réu, para conseguir direito a visita íntima, para liberar dinheiro apreendido, e até para rescindir contrato de trabalho”, disse.

Telho defendeu que o juiz conceda habeas corpus, por meio de decisões liminares, apenas em caso de iminente ilegalidade em prisões. “Para os demais casos, seria preciso uma decisão colegiada, ouvindo-se o Ministério Público. A banalização do habeas corpus fere o direito de defesa”, disse.

O procurador também argumentou favoravelmente no sentido de que o Congresso aprove o acordo penal, o “plea bargain” previsto na legislação dos Estados Unidos, pelo qual o réu obtém uma redução de pena caso admita o crime.

Corrupção sistêmica
O juiz federal Anderson Furlan Freire da Silva, da 5ª Vara Federal de Maringá (PR), foi na mesma linha. Ele foi colega de faculdade e ex-assessor do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba (PR), e defendeu a Operação Lava Jato, conduzida por este magistrado.

“Nós vivemos situação de corrupção sistêmica. A Lava Jato abriu oportunidade histórica para repensarmos a forma como a corrupção pode ser combatida no Brasil. Essas medidas podem representar uma virada na impunidade”, disse.

Anderson Furlan defendeu a criminalização do enriquecimento ilícito, os testes de integridade para servidores públicos, o uso de provas ilícitas quando obtidas de boa fé e a prisão preventiva para evitar dissipação de bens obtidos mediante corrupção.

O juiz defendeu a necessidade de aprovação das medidas, usando como exemplo caso de corrupção verificado em Maringá (PR) em meados da década de 90 e impune até hoje, apesar da comprovação de R$ 2,4 milhões em desvios e de confissões que apontam prejuízos de R$ 50 milhões aos cofres públicos.

Segundo ele, se a legislação permitisse na época a criminalização do enriquecimento ilícito, a prisão preventiva para evitar a dissipação de bens e uma restrição a recursos judiciais, os criminosos teriam sido punidos e a sociedade teria sido ressarcida.

Críticas
Na mesma audiência, o ex-reitor da Universidade de Brasília José Geraldo de Souza Júnior manifestou preocupação em relação à restrição de garantias constitucionais prevista nas medidas de combate à corrupção.

O jurista disse temer o resultado de mudanças provocadas pelo clamor popular em favor do rigor punitivo. E citou juristas que defenderam esta linha de raciocínio no Direito.

“Incorrem a erro a opinião pública e o legislador quando supõem que, com a edição de novas leis penais mais abrangentes e mais severas, será possível resolver o problema da criminalidade. Essa concepção é falsa por várias razões, já que o rigor punitivo não é uma panaceia, e o crime tem várias causas”, disse.

Para o ex-reitor da UnB, a proposta reforça o estado policial e deixa as pessoas à mercê de “autoridades muito entusiasmadas”.

Estado policialesco
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse que o projeto cria um Estado policialesco e “fascista”. “Essas medidas são de combate à Constituição e não à corrupção. Fazem parte de uma disputa de poder em que a acusação quer mais poder no sistema jurídico. Querem diminuir o poder do habeas corpus, e não podemos admitir um estado policialesco, fascista”, disse.

O deputado Édio Lopes (PR-RR) disse temer abusos de poder e criticou a manutenção sem prazo definido de presos provisórios pela Operação Lava Jato, em Curitiba (PR). “Será que Curitiba não está fazendo uma péssima escola para o Brasil? E se outros lugares copiarem isso e mantiverem pessoas presas indefinidamente até confessarem?”, perguntou.

Reportagem - Antonio Vital
Edição - Newton Araújo

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