Em busca de uma política sobre as drogas

A guerra contra as drogas não é a solução, não há consenso sobre como tratar as pessoas que usam drogas e o governo do presidente interino Michel Temer está abandonando as medidas positivas adotadas pelos governos Lula e Dilma. Estas foram as conclusões da Audiência Pública “As políticas sociais do Governo Federal que dizem respeito às drogas”, realizada, dia 11, pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados.
11/08/2016 14h50

Câmara dos Deputados

Em busca de uma política sobre as drogas

Mesa da audiência

Ao abrir os trabalhos, a deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que a política sobre drogas ainda tem “caminhos por desbravar, que exigem coragem. Esta Câmara dos Deputados tem que se debruçar e analisar os acertos e erros do que está sendo feito, mas com a clareza de que o mais do mesmo não está resolvendo. O recrudescimento penal não tem resolvido os problemas do Brasil. Esta Casa tem que ter a coragem de discutir a descriminalização das drogas. A guerra às drogas é como se tivéssemos as drogas humanizadas, e não pessoas, isso quando temos um extermínio de jovens negros em curso”.

Rubens Adorno, presidente da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (ABRAMD), entidade que sugeriu a realização da Audiência, foi o primeiro convidado a falar. Para ele, “inexistem sociedades sem drogas. É bom lembrar que todos os medicamentos são drogas, muitos alimentos são drogas, como o café, por exemplo. Temos que fazer distinção entre as pessoas que usam drogas e as pessoas que desenvolvem problemas com o uso. Noventa e cinco por cento das que usam, não desenvolvem problemas; só 5% desenvolvem. É uma premissa para a discussão desse tema. O Brasil é o segundo consumidor mundial de cocaína, depois dos Estados Unidos. Somos o primeiro consumidor mundial do antidepressivo ritrovil, que é prescrito indiscriminadamente.”

Ana Ferraz, secretária Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) do Ministério da Justiça e Cidadania, explicou que “neste momento de transição, um dos grandes desafios é a recomposição da SENAD e a transmissão, ao novo ministro, dos projetos, ações e objetivos nossos. Até o momento não há indício de descontinuidade do que vem sendo desenvolvido, mas a questão do orçamento é uma grande preocupação nossa. A secretaria tem o foco na redução da demanda de drogas – a redução da oferta fica por parte da Segurança Pública”.

Telmo Ronzani, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), citou “a conquista que foi a formação do Sistema Único de Saúde (SUS), buscando a universalização da saúde, com perspectiva inclusiva. Mas existe a tentativa de destruir ou sucatear o SUS, e precisamos resistir a isso. Não podemos deixar na mão de poucos o acesso à saúde. Nossa visão é de que o usuário de drogas não é uma mercadoria, mas um cidadão com direitos, que precisa ser cuidado, com respeito aos direitos humanos”.

Luana Malheiros, representante da Rede Latino-Americana das Pessoas que Usam Drogas, criticou a política de guerra às drogas sem o respeito aos direitos humanos. “A estratégia de guerra tem se mostrado ineficaz para o controle à droga, mas tem servido para controlar setores da sociedade, em especial negros e pobres. O Estado atua na clandestinidade, ao arrepio da lei. No Brasil, são 50 mil mortos em embates com as forças de segurança, dos quais metade é atribuído ao combate às drogas. Mesmo assim, o mercado de drogas é o terceiro maior do mundo”, afirmou.

Maurício Fiore, coordenador científico da Plataforma de Políticas sobre Drogas, afirmou que “as drogas são prejudiciais e relacionadas a sofrimento, mas é preciso levar em conta as especificidades de cada droga. É uma política complexa, que envolve a produção, a comercialização e o consumo – sejam lícitas ou ilícitas. Nós temos centenas de milhões de consumidores de drogas ilícitas no mundo – dezenas de milhões, no Brasil. Todos têm acesso fácil às drogas, e a ‘solução’ apresentada é o encarceramento de usuários e traficantes – uma solução placebo, que não funciona nem aqui, nem nos Estados Unidos. No nosso país, morrem seis consumidores ou traficantes de drogas e um policial por dia na guerra das drogas. São 15 mil por ano – nenhuma droga causa tanta morte por ano! Portanto é preciso discutir a política de drogas, levando em conta o sofrimento humano, mas também a eficácia das medidas adotadas”.

Andrea Gallassi, coordenadora-geral do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades (CRR), historiou a reforma psiquiátrica que, no Brasil, excluiu os usuários de drogas ilícitas e álcool, “o que levou a que se tratasse o assunto com a ‘pedagogia do terror”, que não tem apresentado resultados positivos. É dever do Estado garantir a formação de profissionais que eleve o respeito aos direitos humanos e rebaixe as abordagens morais sobre as questões da saúde, inclusive o tema drogas”.

A íntegra da Audiência Pública pode ser acessada no endereço abaixo:

https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/clp/reunioes/videoArquivo?codSessao=57587&codReuniao=44769#videoTitulo