Quilombolas e Ministério Público denunciam riscos com possível ampliação da base militar de Alcântara*
"Após uma visita à base espacial, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, teria dado declarações à imprensa do Maranhão dizendo que precisa de mais 12 mil hectares para a ampliação da base. Vazaram também informações sobre reuniões ocorridas no Palácio do Planalto do tipo: 120 dias para que as comunidades fossem deslocadas. E o ministro Raul Jungmann declarou nesta Casa, em audiência pública, que o governo brasileiro havia retomado as discussões internas a respeito de acordos da Base Alcântara e que já estava com diálogo aberto com os Estados Unidos".
Moradora da região, a quilombola Luzia Diniz disse que a comunidade não admite a repetição de erros do passado, como o que levou à remoção forçada dos quilombolas para agrovilas a fim de permitir a construção da base, 30 anos atrás.
"É muito triste a situação porque essas pessoas passaram a ser chamadas como 'os miseráveis das agrovilas'. Eu não aceito isso. É muito triste a gente ver os filhos da gente sofrendo sem a gente poder fazer nada. E ver eles (da base) passando por cima, de avião, e dizendo na imprensa que nós estamos bem nas agrovilas. Quando a Aeronáutica implantou o projeto deles lá, eles pensaram até em maternidade para porco, mas não pensaram em um hospital ou uma maternidade para as nossas mulheres ganharem seus bebês. A gente não aceita mais essa falta de respeito. E eu registro aqui o meu repúdio contra qualquer tipo expulsão de área de quilombo".
Os quilombolas denunciam ainda que a atual base militar funciona sem licenciamento ambiental adequado e que existe acordo assinado entre as comunidades e o governo federal para que a área não seja ampliada. Para a procuradora regional da República Eliana Torelly, o governo também estaria violando a convenção (169) da Organização Internacional do Trabalho, que exige consulta prévia às comunidades tradicionais em caso de possível deslocamento territorial. Torelly visitou Alcântara e disse que a falta de informações tem efeito "perverso" e cria "pânico" entre os quilombolas.
"A falta de transparência é tão completa que passamos lá, algum tempo, discutindo possíveis cenários. E essa situação tem causado um temor enorme nessa comunidade. Essas pessoas já passaram por situações extremamente traumáticas".
O Ministério Público e a Defensoria Pública já pediram informações precisas ao governo e não obtiveram sucesso. Em acordo com outros parlamentares da Comissão de Direitos Humanos, o deputado Zé Carlos, do PT do Maranhão, anunciou uma futura visita de parlamentares à região, além de um conjunto de ações, algumas ainda dependentes de aprovação do colegiado.
"Que a comissão cobre do Ministério da Defesa transparência sobre o Centro de Lançamento de Alcântara, especialmente quanto à situação das comunidades quilombolas que vierem a ser atingidas, à possível violação dos acordos firmados entre o Estado brasileiro e as comunidades quilombolas em 1983 e a eventuais negociações entre Brasil e outros países interessados no centro de lançamento. E que a comissão, por fim, convoque o ministro da Defesa para que ele preste explicações acerca do centro".
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas também participou da audiência e denunciou a existência de "racismo institucional" no Estado brasileiro, marcado pela demora na demarcação de terras quilombolas e redução no orçamento das políticas públicas voltadas para as comunidades. A Conaq também cobrou a elucidação dos assassinatos de lideranças quilombolas. Já são 14 em todo o Brasil, desde o início do ano: a mais recente ocorreu na terça-feira, dia 19, quando o líder do Terreiro Quilombola de Pitanga dos Palmares, na Bahia, foi morto a tiros na zona rural do município de Simões Filho.
Encaminhamentos
A partir das considerações feitas pelos convidados, parlamentares e o público presente, foram levantadas uma série de sugestões de encaminhamentos, que serão avaliados pelos deputados e assessores técnicos da CDHM. Confira:
- Que a CDHM adote providências e solicite audiência com o Supremo Tribunal Federal para tratar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3239, que questiona o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas;
- Que a CDHM peça informações e providências às autoridades competentes acerca dos recentes assassinatos de lideranças quilombolas no campo, especialmente aqueles ocorridos na Bahia;
- Que a CDHM cobre do Ministério da Defesa transparência sobre a construção do Centro de Lançamento de Alcântara, especialmente quanto à:
1) situação das comunidades quilombolas que podem vir a ser atingidas;
2) possível violação do acordo firmado entre o Estado brasileiro e as comunidades quilombolas em 1983, que delimitava a dimensão de espaço a ser utilizada pelo Centro de Lançamento de Alcântara;
3) eventuais negociações entre o Brasil e outros países interessados no Centro de Lançamento de Alcântara.
- Que a CDHM cobre do Ministério da Defesa o respeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), especialmente quanto à necessidade de diálogo entre o Estado brasileiro e as comunidades quilombolas sobre as temáticas que as atingem diretamente;
- Que a CDHM peça informações e providências às autoridades competentes acerca da falta de licença ambiental de funcionamento do Centro de Lançamento de Alcântara;
- Que a CDHM solicite uma audiência com o Ministério da Defesa para tratar da atual situação dos quilombolas da região de Alcântara;
- Que a CDHM convoque o Ministério da Defesa para que ele preste explicações acerca do Centro de Lançamento de Alcântara;
- Que a CDHM realize diligência à Alcântara para verificar in loco a situação de violações de direitos humanos de quilombolas na região