Apesar de avanço legal, direitos de crianças e adolescentes ainda são violados, dizem participantes de audiência

Apesar das “inegáveis conquistas”, ainda falta muito para que todos os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, lei 8.069/90) se tornem realidade, afirmaram participantes de audiência pública sobre os 26 anos da lei realizada nesta quarta-feira (13) pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Problemas como violência, inclusive abuso sexual, proposta de redução da idade penal com aumento de tempo de internação, além da possibilidade da diminuição dos recursos para educação e saúde, estão entre os mais graves, segundo os debatedores.
13/07/2016 20h20

Dentre os avanços ocorridos desde a publicação da lei, a vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Ana Lúcia Starling, destacouqueda drástica da mortalidade infantil e universalização da educação de crianças e adolescentes, principalmente negros”. Starling lembrou ainda a redução da extrema pobreza, principalmente na última década, mais acentuada entre crianças de até 5 anos.

Representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Erivan Hilário, que é mestre em educação, concorda que foi nesse campo que o país mais avançou. No entanto, reclama que “não no mesmo ritmo do encarceramento”.

Além disso, relatou que no campo há anos ocorre uma “política sistemática” de fechar escolas. Seriam mais de 37 mil na última década. “Agora essa luta se mostra também no espaço urbano, o que resultou em escolas ocupadas”, destacou.

Para Hilário, a ocupação de escolas é um sinal de que os jovens não aceitam mais que adultos escrevam a história deles. “Eles querem colocar a mão na massa, é a afirmação como sujeitos que constroem a sua própria vida”.

Representante dos adolescentes na comissão organizadora da Conferência da Criança e do Adolescente, Djeison Rique Barazatti concordou que os jovens assumem protagonismo ao participar de movimentos como esse de ocupação de escolas. “Estamos também em busca de democracia com direitos, mobilizados porque é mais do que inaceitável, é burrice aceitar esse ataque a nossa democracia”.

“Golpe político”

Apesar de concordar com os progressos possibilitados pelo ECA, o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Fábio José Garcia Paes, ressaltou as deficiências, que, para ele, tornam-se ainda mais graves no contexto do “golpe político”.

Paes defendeu que o governo interino, “em nome de princípios neoliberais, promove privatização da saúde e educação ao negar recursos para garantir serviços públicos de qualidade, estratégicos para alguns grupos”.

O deputado Pepe Vargas (PT-RS) explicou que a Proposta de Emenda à Constituição 241/16, “que o governo ilegítimo encaminhou ao Congresso, significa acabar com a vinculação mínima para saúde e educação, com perdas consideráveis”. O deputado lembrou ainda que a mudança de regime de exploração do petróleo no pré-sal, também vai significar menos recursos para esses setores. Atualmente, pela legislação, parte da arrecadação do Estado com o pré-sal deve ser destinada exclusivamente às duas áreas.

Outra representante dos adolescentes da comissão organizadora da Conferência da Criança e do Adolescente, Carolina Nunes Diniz lamentou que, em vez de comemorar os 26 anos do ECA com defesa de novos direitos, “o memento seja de fincar o pé no chão para não perder nenhum dos que já foram conquistados”.

A deputada Luiz Erundina (Psol-SP) fez coro com demais participantes ao afirmar que não basta a lei existir, porque o simples reconhecimento de um direito não garante que seja respeitado. “A lei existe, é avançada, uma conquista do povo”, disse. “Mas ainda tem tanta violência, o que significa que a sociedade ainda não se apropriou desse avanço, vai ser preciso muita mobilização para que não seja letra morta”.

Violência e discussão de gênero

O presidente do Conanda ressaltou também que atitudes conservadoras de integrantes do atual governo, como as que negam a discussão sobre a diversidade de gênero, geram estupros e outras violências contra meninos e meninas.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias e autor do requerimento para realização do debate, deputado Padre João (PT-MG), é preocupante o aumento dos casos de gravidez de crianças entre 10 e 13 anos. Na opinião do deputado, essa realidade preocupa ainda mais porque significa que a cultura do estupro ainda é encarada com “certa normalidade”. Até porque, conforme acrescenta, “os dados mostram que o principal violador é próprio pai”.

Romper com essa realidade, na concepção da subsecretária de Política para Crianças e Adolescentes do Distrito Federal, Perla Ribeiro, requer realmente a discussão de gênero. “Sem essa discussão, associada a racismo e direitos da população LGBT, todas interligadas com direitos humanos, vai ser muito difícil conseguir avançar”, sustenta.

Trabalho infantil

O vice-coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho (Coordinfância), Tiago Ranieri de Oliveira, chamou a atenção para o fato de o trabalho infantil continuar a ser “uma violação invisível”. Esse fato, para ele, fica claro quando se constata que a maioria dos brasileiros ainda concorda que é melhor estar no trabalho que nas ruas.

Ao contrário do que se acredita, segundo Oliveira, o trabalho infantil não dignifica. Ao contrário. “É o trabalho que adoeça e mutila crianças e adolescentes, que afasta da escola”, o que vai significar a perpetuação da violência, uma vez que um adulto sem qualificação não vai conseguir inserção satisfatória no mundo do trabalho.