DECISÃO SOBRE REFUGIADOS POLÍTICOS NO BRASIL É CONTESTADA PELO ESTADO PARAGUAIO

O Estado paraguaio, réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos por delitos de lesa humanidade contra paraguaios refugiados políticos no Brasil, questionou pela quarta vez decisão soberana do Estado brasileiro, concedida em 2003.
12/11/2018 15h55

Os cidadãos paraguaios Juan Francisco Arrom Suhurt, Anuncio Martí Méndez e Víctor Antonio Colmán Ortega, são as vítimas nesse processo que está fase final na Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual pode resultar em uma condenação do Estado paraguaio por delitos de lesa humanidade. O caso de Arrom e Martí está em fase final, e o de Colmán ainda deve seguir a etapa de admissão.

O caso tem sido acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias por demanda das vítimas, desde a solicitação de refúgio dos mesmos no Brasil.

Em 2004, 2006 e 2010, todos os pedidos foram desconsiderados por carecer de provas é, ainda, como constatado pelo jornalista da Rede Bandeirante, Fábio Pannunzio, o governo paraguaio mentiu e apresentou provas falsas.

Processo na Comissão IDH e Corte IDH

O Estado paraguaio é réu, no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, no Caso N° 12.685[1]. A Comissão IDH no Informe de Fundo, concluiu que “O Estado do Paraguai é responsável pela violação dos direitos humanos protegidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura”; diz ainda que “há múltiplos elementos que apontam para a participação direta de agentes do Estado, elementos que não foram diligentemente investigados. A CIDH considerou esta participação credenciada” e que “foi violada a presunção da inocência das vítimas” em uma propaganda oficial do governo que apresentou aos mesmos como criminosos[2].

Os delitos de lesa humanidade contra os refugiados paraguaios

Os fatos se remontam ao sequestro e torturas que sofreram estas lideranças do movimento político Pátria Livre do Paraguai em janeiro de 2002, quando o governo montou um teatro de operações para sequestra-los, tortura-los e tentar arrancar deles uma confissão sobre suposto envolvimento em atividades de derrubada armada do governo e de crimes comuns em aliança com outros partidos e empresários, para “desestabilizar e incendiar a república” como declarado por um senador governista.

O governo do então González Macchi não contava com que os mesmos seriam resgatados do local de cativeiro por familiares e ativistas de direitos humanos com transmissão ao vivo da mídia. Foi considerado um dos mais graves episódios de terrorismo de Estado no incipiente processo democrático paraguaio, inaugurado com um golpe militar contra o ditador Stroessner em 2 e 3 de fevereiro de 1989[3]. Motivou dois processos de impeachment: contra Oscar Latorre, então fiscal (procurador) geral do Estado, e o González Macchi, então presidente da república, por graves violações aos direitos humanos. A procuradoria levou o caso à impunidade e, mesmo sem provas e com grave atropelamento das garantias legais dos hoje refugiados no Brasil, tentaram leva-los a júri para condená-los por crime comum de sequestro.

 Refúgio sob proteção do ACNUR em 1 de dezembro de 2003

Por decisão do CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados), o Estado brasileiro concedeu o status de refugiados aos três cidadãos paraguaios, havida conta da comprovação de graves violações aos direitos humanos cometidas por agentes estatais do Paraguai. Isso foi confirmado nos processos de impeachment contra o procurador geral e o presidente paraguaios, e admitido até pelo próprio ministro da Justiça do governo, o Dr. Diego Abente Brun, que disse à época que “há Terrorismo de Estado” e que se não for investigado e punido apresentaria renúncia ao cargo[4]. Em tanto que o procurador que iniciou as investigações foi enfático ao declarar ao jornal ABC: “a investigação fiscal de sequestro e tortura confirma Terrorismo de Estado”[5] e o presidente do Supremo paraguaio (Corte Suprema da Justiça), o Dr. Raúl Sapena Brugada, prometeu “castigo com todo o peso da lei” aos sequestradores das lideranças políticas[6].

O Estatuto de Refugiados da ONU foi incorporado à legislação brasileira por meio da Lei 9.474/97[7] no período do governo do Fernando Henrique Cardoso, visando que o Estado brasileiro atendesse os melhores estândares de defesa dos direitos humanos dos perseguidos por motivos de raça, religião, guerra, ideológicos, políticos etc. Foi criado o CONARE como organismo autônomo do Estado que leva a cabo uma análise rigorosa dos processos de refúgio, não dependendo suas decisões do humor ou simpatia política ou ideológica dos governos, e sendo acompanhadas suas decisões por organismos externos como as Caritas Internacional e garantidas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) que é o responsável da proteção aos refugiados.

Tudo isso não foi assimilado pelo Estado paraguaio que, ainda não sendo parte do processo de refúgio, o qual admite só duas partes no julgamento -CONARE e solicitante-, veio se opondo de forma estridente às decisões desta instituição.

Jornalista brasileiro afirma que “o governo paraguaio mentiu e que os refugiados “são objeto de perseguição explícita”

Segundo relatou o jornalista Fabio Panunzzio da Rede Bandeirantes, que viajou ao vizinho país para investigar o caso, “o governo do Paraguai mentiu e apresentou provas falsas para tentar obter a extradição dos três supostos guerrilheiros daquele país que foram acolhidos como asilados pelo governo brasileiro” e diz ainda que “Por duas vezes, autoridades da diplomacia do governo Lugo encaminharam dossiês volumosos com informações falsas vinculando os três perseguidos aos guerrilheiros das FARC”.

“Juan Arrom, Anuncio Marti e Victor Colman foram alvo de um processo de perseguição explícita movida pelo governo Lugo. Ex-militantes do Movimento Pátria Livre, que se opôs à ditadura Stroessner, os três foram acusados do sequestro de Maria Edith Debernardi, mulher de um dos empresários mais ricos e controvertidos do País”.

A matéria ressalta que segundo o governo paraguaio, supostamente teriam sido encontradas “centenas de e-mails” que ligariam os refugiados paraguaios a crimes praticados pela guerrilha das FARC da Colombia, mas que “A fraude foi confirmada pelo investigador antiterrorismo da polícia judiciária da Colômbia Ronald Coy, que declarou ao Ministério Público daquele país não terem sido encontrados e-mails no computador que pertencia ao comandante Raul Reyes, morto no ano anterior. De acordo com o policial, havia apenas documentos elaborados em um processador de texto” e manifesta que “A perseguição aos três militantes do Movimento Pátria Livre, que jamais teve qualquer tipo de ação armada ou violenta foi denunciada em primeira mão por este Blog”[8]. Mesmo que os textos simples em formato word não continham nenhuma referência que pudesse comprometer a conduta dos refugiados paraguaios, a Sala de Cassação Penal da Corte Suprema de Justiça da Colômbia declarou a nulidade de tais “provas”[9].

A tentativa com grande destaque midiático por parte do governo paraguaio vem num momento em que seu Estado está prestes a ser julgado na Corte IDH por delitos de lesa humanidade contra os refugiados Arrom e Martí. Constitui, no entendimento de defensores de direitos humanos, uma nova tentativa de protelação da decisão soberana do Estado brasileiro e do ACNUR; em resumo, uma tentativa de deixar estes crimes de lesa humanidade na impunidade e criminalizar as vítimas.