Boate Kiss seis anos depois; o caso na justiça e campanha de conscientização

Há seis anos familiares das vítimas do incêndio da boate Kiss em Santa Maria (RS), onde morreram 242 pessoas e 630 ficaram feridas, esperam a punição dos responsáveis pela Justiça. Recursos atrasam o processo em diversos níveis do judiciário. Agora, as famílias das vítimas aguardam uma audiência com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para uma possível federalização do caso. Enquanto isso, pais fazem da saudade força para conscientizar jovens sobre segurança na balada.
18/02/2019 15h45

Foto: Sul21

Boate Kiss seis anos depois; o caso na justiça e campanha de conscientização

Familiares de vítimas do incêndio

Em janeiro deste ano, a Associação de Vítimas e Familiares da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), pediu apoio da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para a realização do encontro na PGR. A CDHM enviou ofício e a procuradora-geral afirmou que não poderia receber a associação, e uma nova data deve ser agendada.

A AVTSM também enviou uma petição à Corte Interamericana de Direitos Humanos em janeiro de 2017, onde já houve a primeira audiência. A associação representa cerca de 3.500 familiares das vítimas e sobreviventes.

A associação quer, ainda, a realização de um júri popular dentro do que sobrou do prédio da boate. Porém, não se sabe se haverá um júri para julgar o caso.

Em 2017, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul havia decidido que os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffman e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Luciano Bonilha e Marcelo de Jesus, os quatro apontados como responsáveis pela tragédia, deveriam ir a júri pelo homicídio de 242 pessoas e a tentativa de homicídio de outras 636. 

Mas, um recurso da defesa foi julgado no fim de 2017 e o Tribunal de Justiça decidiu que eles não iriam mais a júri popular, que é reservado para os crimes mais graves. Foi desconsiderado que tenha havido dolo, ou seja, intenção de matar. Os quatro réus aguardam em liberdade.

Nesse meio tempo, alguns pais de vítimas foram processados pelo Ministério Público gaúcho porque criticaram a condução no andamento do processo. Esses processos já foram encerrados.

Já em 2018, o TJ/RS negou um recurso do Ministério Público que tentava reverter a decisão que suspendeu o julgamento popular para os quatro réus do caso.

Diante do pedido negado, o Ministério Público e a Associação dos Parentes das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria entraram com Recursos Especiais e Extraordinários no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, para tentar reverter a decisão do TJ/RS.

“Conselheiros do bem”

Santa Maria é conhecida como cidade universitária. Tem oito instituições de ensino superior com um total aproximado de 40 mil alunos. Nos finais de semana, bares e casas noturnas ficam lotados de jovens em busca de diversão.

Sergio e Flávio Silva, pais de jovens que morreram no incêndio, fizeram do luto uma forma de ajudar a prevenir que outras famílias passem pela tristeza que viveram. Eles trabalham como motoristas de aplicativo nas madrugadas, levando e buscando jovens em festas ao mesmo tempo que alertam para a segurança nos locais de baladas, aconselhando a observarem se existem saídas de emergência, a superlotação e os equipamentos para combater o fogo.

“Estamos ajudando a nós próprios e também tentando orientar esse jovens que saem para divertir nas baladas”, afirma Flávio. “São jovens que estão começando a vida e é como eu estivesse trazendo meu filho e eu gostaria que ele fosse tratado assim”, pondera Sérgio.

A ideia surgiu de duas estudantes de relações públicas da Universidade Federal de Santa Maria, para um projeto chamado “Conselheiros do bem” sobre a preocupação dos jovens que frequentam bares e boates, sobre segurança.

Andressa Menezes e Eduarda Marcuzzo, escolheram esse formato para evitar a abordagem direta nas filas das festas e, além disso, propiciar a experiência dos jovens conversarem diretamente com pais de vítimas da boate Kiss.

“Além de vivermos a tristeza e a saudade, estamos vivendo a indiferença e o abandono. Já corremos atrás de todas as instituições possíveis neste país em busca de justiça”, acrescenta Sérgio Silva, que perdeu o filho de 20 anos no incêndio

Vida que segue

De acordo com a AVTSM, ao menos seis pais morreram em decorrência de doenças que podem ser relacionadas à perda dos filhos. Já no serviço municipal Santa Maria Acolhe, criado depois da tragédia, 80 pessoas ainda seguem em tratamento psiquiátrico ou psicológico. 

A associação também fez um vídeo mostrando o que tem acontecido com o caso nos últimos seis anos. O documentário foi apresentado em praça pública no último dia 27 de janeiro, nas homenagens pelo sexto ano da tragédia.

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados já promoveu audiências públicas,  acompanhamento e cobrança de providências em órgãos responsáveis e na avaliação de uma eventual federalização do caso.

O incêndio

Durante um dos shows programados para a noite de 27 de janeiro de 2013, um músico acionou um sinalizador de uso externo. As faíscas atingiram o teto da boate e incendiaram a espuma do isolamento acústico. Não havia proteção contra o fogo. A maioria dos estudantes correu para os banheiros pensando que tinha saída de emergência. Não tinha. Na porta principal, os seguranças exigiam as comandas pagas para os jovens saírem. Em três minutos a fumaça se espalhou por todo o lugar com gases tóxicos e fatais, como cianeto e monóxido de carbono.

Pedro Calvi / CDHM

Fonte: Associação de Vítimas e Familiares da Tragédia de Santa Maria / Arquivo de Notícias CDHM