Notas Técnicas Nº 435, de 2006

Acerca de subsídios para respostas a entrevista (perguntas em anexo) com o Presidente da Representação Brasileira na Comissão do Mercosul.

 Consultoria Legislativa, 11 de abril de 2006

1) O Parlamento do Mercosul, composto inicialmente por 18 representantes por país, designados pelos respectivos congressos nacionais, não disporá de funções legislativas e, portanto, não se sobreporá aos parlamentos nacionais. Ele terá a competência para recomendar ao Conselho do Mercado Comum a adoção de determinadas normas para o bloco, podendo também enviar anteprojetos de lei aos congressos nacionais, que neles ingressarão por meio da respectiva Comissão do Mercosul, ou de acordo com os procedimentos internos de cada um. Nesse sentido, o Parlamento do Mercosul desempenhará importante papel no que diz respeito à harmonização das legislações dos países do bloco. 
Por outro lado, terá competências de controle, exercendo supervisão sobre o desenvolvimento da integração. O Artigo 4 do Protocolo dispõe que o Parlamento poderá solicitar relatórios aos órgãos do Mercosul sobre questões vinculadas ao processo de integração. Cabe-lhe, também, receber representante da Presidência pro tempore ao início e final de sua gestão, para que apresente o seu programa de trabalho e, posteriormente, o relatório das atividades realizadas. Terá, ainda, importante função consultiva, cabendo-lhe manifestar-se sobre todos os projetos de normas do Mercosul que requeiram aprovação legislativa nos Estados-Partes. Aquelas normas que forem adotadas pelo Conselho de acordo com o parecer emitido pelo Parlamento do Mercosul cumprirão tramitação mais rápida nos Congressos Nacionais.
Por meio deste dispositivo, o Parlamento contribuirá para solucionar uma grave debilidade apresentada pelo Mercosul, que se traduz no baixo volume de normas da integração efetivamente incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais. Este fato gera grande insegurança jurídica entre os operadores econômicos, afastando investimentos que poderiam beneficiar a região como um todo.
2) Segundo minha avaliação, o maior desafio que enfrentamos foi, em primeiro lugar, o de chegarmos a um consenso quanto à conveniência de se criar um Parlamento para o Mercosul. Alguns de nossos parceiros defendiam a idéia de que deveríamos fortalecer a Comissão Parlamentar Conjunta, ao invés de partirmos para a criação de um órgão muito mais complexo, como um Parlamento. No entanto, a debilidade da Comissão Parlamentar Conjunta era estrutural, porquanto provinha precisamente da sua forma de funcionamento, que fazia com que ela se assemelhasse mais a uma "assembléia de Estados", do que a um órgão de natureza parlamentar e plural. Para exemplificar, a Comissão decide por consenso, e não pelo voto individual dos membros das delegações.
Finalmente, esta pendência foi solucionada por meio de decisão tomada pelo próprio Conselho do Mercado Comum (Mercosul/CMC/DEC. nº 26/03) que incluiu a criação de um Parlamento do Mercosul no "Programa de Trabalho Mercosul 2004-2006."
Em segundo lugar, as enormes assimetrias existentes entre os países membros do Mercosul, em termos de população, extensão geográfica e PIB, naturalmente despertam desconfianças entre os sócios menores, o que dificultou o acordo a que tínhamos que chegar quanto ao número de parlamentares, por país, que deveriam conformar o Parlamento, para que este fosse minimamente representativo das populações dos Estados membros. Finalmente, chegou-se a um acordo político, para o qual desempenhou papel decisivo a Presidência pro tempore uruguaia. Por ele, acordou-se um período de transição, até o ano de 2011, durante o qual a integração do Parlamento será paritária, com 18 representantes por país. A partir daí, a representação obedecerá a uma "proporcionalidade atenuada", nos moldes do que ocorre no Parlamento Europeu, com eleições diretas dos parlamentares. 
3) O Parlamento do Mercosul será, sobretudo, um espaço para debates, audiências públicas e seminários sobre os temas da integração, onde estarão representados os interesses dos cidadãos dos Estados Partes. Servirá de "caixa de ressonância" para os anseios e preocupações dos diversos setores da sociedade civil, e ao mesmo tempo constituirá o canal de comunicação entre as populações e as instâncias negociadoras da integração. A participação da sociedade civil assegurará a transparência do processo de integração e contribuirá para que as normas do Mercosul passem por amplo debate antes de sua adoção pelo Conselho, o que ensejará o seu aperfeiçoamento, por meio das informações e contribuições de natureza técnica oferecidas pelos setores. Esta participação da sociedade civil, no momento da elaboração da norma facilitará, posteriormente, a sua efetiva incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais.
O Parlamento garantirá a participação da cidadania no Mercosul na medida em que ele seja capaz de atrair os setores produtivos, os movimentos sociais e as organizações não governamentais em geral, para o seu espaço de debates. Para tanto, é necessário que os pareceres, anteprojetos de normas e demais documentos emitidos pelo Parlamento estejam revestidos de consistência técnica e política, para que o órgão parlamentar possa efetivamente dialogar com o Conselho do Mercado Comum. É preciso que os parlamentares do Mercosul acompanhem de muito perto o desenrolar da integração, cujos temas são muito específicos, e que saibam cobrar ações efetivas do Conselho, por exemplo, em relação aos problemas fronteiriços, ou à implementação de projetos que, uma vez aprovados, deles não se tem mais notícia. Por exemplo, lembro o "Fundo para o Setor Educacional do Mercosul (FEM)" destinado a projetos de cooperação educacional entre os Estados Partes do Mercosul, aprovado em reunião do Conselho, em dezembro de 2004. O Parlamento deverá supervisionar a implementação destes projetos, bem como dos projetos financiados pelo Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM).
4) a. O Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul prevê diferentes maiorias para as distintas matérias em votação. Este complexo sistema de maiorias requer, em alguns casos, não apenas os votos de um percentual dos membros do Parlamento, como também que neste percentual estejam incluídos votos de parlamentares de todos os Estados Partes. Para a maioria qualificada, por exemplo, está fortemente presente a dimensão nacional, porquanto é exigido o voto afirmativo da maioria absoluta dos integrantes da representação parlamentar de cada Estado Parte. Vemos, assim, que em algumas votações, sobre temas altamente sensíveis para um ou mais países, prevalecerá a lógica nacional sobre a lógica regional. Caberá ao Regimento Interno estabelecer as maiorias requeridas para a aprovação dos distintos temas.     
4) b. Em minha opinião, o novo sistema decisório servirá para conferir equilíbrio à estrutura institucional do bloco. Atualmente, todos os órgãos negociadores do Mercosul são compostos por representantes dos governos dos Estados Partes, que decidem por consenso e, por conseguinte, têm em vista o interesse nacional. O Parlamento favorecerá à lógica regional, em contraponto à visão puramente nacional dos temas da integração, e sua contribuição será importante na medida em que oferecerá uma visão de conjunto dos problemas da região, possibilitando criar soluções também regionais.  



Maria Cláudia Drummond
Consultora Legislativa