20.04.2009

Jornal Folha de S. Paulo

Caderno: Mundo

Cúpula das Américas

O conceito geográfico de América é naturalmente verdadeiro, mas, além disso, o que significa a América?

QUANDO ESCREVO este artigo, não sei ainda qual foi o resultado da Cúpula das Américas, mas, apesar da esperança que o mundo deposita em Barack Obama, não creio que ele possa mudar um fato simples: a reunião é inconsequente, porque o conceito político e econômico de América não faz sentido. O conceito geográfico de América, ou das três Américas, é naturalmente verdadeiro, mas, além disso, o que significa a América?

Para que uma região do mundo tenha um sentido econômico e político, é necessário que entre os países que a compõem existam interesses comuns que não se estendem aos demais. Além de comuns, portanto, os interesses devem ser relativamente exclusivos. É difícil, porém, ver quais são os interesses exclusivos que os países em desenvolvimento da América Latina têm com os Estados Unidos e o Canadá. Esses dois países partilham interesses reais e exclusivos com os europeus porque seus níveis de desenvolvimento e de salários são semelhantes. Com os demais países do continente americano -sejam os pobres ou os de nível médio-, a relação ou é de conflito devido aos salários menores destes ou é simplesmente imperial. A relação dos Estados Unidos com a América Latina foi sempre a do império com a colônia. A célebre frase do presidente Monroe -"a América para os americanos"- poderia ser pensada como uma manifestação de solidariedade continental, mas é apenas a expressão do nacionalismo e do caráter imperial do grande país que estava então se formando. Até 1930, a América Latina era o "quintal dos Estados Unidos"; alcançou razoável autonomia entre essa década e os anos 1980, mas nos anos 1990 voltou à condição anterior, semicolonial, então expressa na subordinação ao Consenso de Washington. Desde os anos 2000, vários países vêm recuperando autonomia -algo que desagrada às elites americanas e principalmente às suas empresas multinacionais, que dispõem dos mercados internos da América Latina como seus mercados-reserva em troca de quase nada.

Barack Obama terá condições de mudar essa relação? Terá condição de abandonar a ideia de que os países latino-americanos necessitam da "ajuda" dos Estados Unidos e tratar de encontrar interesses realmente comuns?

 

Jornal Gazeta Mercantil

Caderno: Internacional

Cúpula das Américas marca o início de nova fase no hemisfério

A V Cúpula das Américas, encerrada ontem depois de dois dias de reuniões, abriu a esperança de uma nova era nas relações com os Estados Unidos, mas o embargo de Washington a Cuba impediu uma declaração final unânime. "A declaração em si não tem a completa aprovação dos 34 países presentes. Alguns deles manifestaram suas reservas", declarou o primeiro-ministro de Trinidad e Tobago, Patrick Manning, no encerramento da reunião continental. "O documento que emerge é um documento de compromisso, que recebeu a aprovação de alguns e a desaprovação de outros. Concordamos em adotar este documento, já que ao aceitá-lo, reconhecemos que não há unanimidade e sim um grande consenso sobre estas questões importantes", completou Manning.

A Cúpula foi o primeiro encontro do presidente Obama com os colegas latino-americanos e caribenhos. Para todos, o encontro continental pode marcar o início de uma nova era, depois de anos de falta de comunicação ou relações ruins com os Estados Unidos.

"Nunca havíamos assistido a uma cúpula com um nível de interação, franqueza e cordialidade que se sentiu em Trinidad e Tobago. Creio que estão estabelecidas as bases para relançar uma nova etapa nas relações hemisféricas", declarou o presidente mexicano Felipe Calderón. O chefe de governo do país anfitrião foi o responsável de assinar o documento final com o mandato de todos os líderes presentes, que não chegaram a um acordo sobre todos os pontos, mas quiseram mostrar um consenso, fruto do ambiente construtivo e cordial durante o encontro.

 

Jornal O Globo

Caderno: Mundo

Cúpula termina sem consenso

Reunião aproximou EUA de países latino-americanos, mas nenhum acordo foi alcançado

Gilberto Scofield Jr.

Depois de três dias de conversas sobre temas tão variados quanto o fim do embargo econômico a Cuba, o crescimento da ameaça do narcotráfico ou a necessidade de parcerias na área de energia, os 34 líderes dos países de todo o continentes americano encerraram ontem a Cúpula das Américas num ambiente de reconciliação, mas longe de um consenso. Tanto que o documento final do encontro, repleto de ressalvas, foi assinado somente pelo anfitrião da cúpula, o primeiro-ministro de Trinidad e Tobago, Patrick Manning, enquanto os líderes foram saindo apressados da cerimônia de encerramento sem sequer tirar a foto oficial.

Mas o processo de diálogo entre os países latino-americanos e os EUA, por si só, já foi considerado a grande vitória desta cúpula. Afinal, no encontro anterior, em Mar del Plata, na Argentina, os líderes passaram o tempo todo apontando dedos acusatórios, sem espaço para conversas. Em Port of Spain, as condições foram diferentes: de um lado, um novo presidente de uma superpotência disposto a ouvir e, de outro, um grupo de jovens democracias disposto a assumir suas responsabilidades e se engajar em novas parcerias.

 

Jornal Valor Econômico

Caderno: Internacional

Brasil e EUA debatem energia e comércio

Eclipsadas pelas discussões políticas na Cúpula das Américas, duas questões econômicas de interesse do governo brasileiro foram discutidas com autoridades dos EUA e devem levar a uma série de reuniões, a partir de julho. Os americanos querem aprofundar programas de cooperação com o Brasil em matéria de energia e garantem estar decididos a retomar as negociações para derrubada de barreiras comerciais na Organização Mundial de Comércio (OMC). Segundo num alto assessor da Casa Branca, Obama deve anunciar, nos próximos dias, um importante fundo para apoiar investimentos em energia nas Américas.

Os EUA querem financiar programas de energia renovável, como biocombustíveis, conservação de energia e combate às mudanças climáticas, e está interessado em parcerias com o Brasil em terceiros países, segundo disse o secretário de Energia dos EUA, Steven Chu, em reunião com o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. Chu mostrou interesse na proposta brasileira de projetos conjuntos na África e aceitou o convite para visitar o Brasil em breve. Amorim disse aos americanos que a discussão de projetos caso a caso é a melhor maneira de avançar com uma proposta defendida por Obama durante a Cúpula das Américas, a Parceria em Energia para as Américas, pela qual o governo americano quer promover ações de economia de energia e incentivo a fontes renováveis. Obama, ao falar em um dos painéis da cúpula dedicado ao assunto, lembrou que só o aumento de eficiência no consumo doméstico de geladeiras permitiu uma economia equivalente a toda a geração de energia eólica do país.