Texto

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

 

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

 

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

 

PROGRAMA MEMÓRIA POLÍTICA - TV CÂMARA

EVENTO: Entrevista

N°: ESP007/03

DATA: 15/05/2003

INÍCIO:

TÉRMINO:

DURAÇÃO: 1h21min

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 1h21min

PÁGINAS: 27

QUARTOS: 17

 

 

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

 

CARLOS DE MEIRA MATTOS - General reformado do Exército e integrante da Força Expedicionária Brasileira – FEB.

 

 

SUMÁRIO: Entrevista com o General Carlos de Meira Mattos.

 

 

OBSERVAÇÕES

 

Há palavras ininteligíveis.

Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST 16/03/2010

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Vamos começar o depoimento com o senhor falando das suas origens, onde o senhor nasceu...

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu pus aí, foi em São Carlos.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A sua família, o seu ambiente familiar.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Queríamos que o senhor falasse.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS – Quando é? Já?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Já.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Olha, eu nasci em São Carlos, no Estado de São Paulo. Sou, por parte de mãe, de uma família tradicional, até dos fundadores da cidade. E por parte de pai, o meu pai era um espírito-santense que, na sua juventude, foi trabalhar em São Carlos e casou com a minha mãe. Então, de parte de mãe, sou Meira Botelho e, por parte de pai, sou Mattos, daí vem o meu nome.

Vivi em São Carlos até o curso secundário. Quando chegou a época do curso secundário, não havia curso secundário ali que não fosse para formação de professores. Aí minha mãe mudou-se para São Paulo — já era viúva —, e eu fiz o meu curso secundário em São Paulo, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, que é da rede do Colégio Diocesano.

No fim do curso, no 5º ano — naquele tempo, o curso secundário era o 5º ano —, houve a Revolução de 1932. Abriram o alistamento de voluntários. Eu me apresentei e fui incorporado num batalhão...

(Toque de telefone.)

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Quer atender?

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor quer que eu atenda?

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Atende. Você diz que é da casa do General Meira Mattos.

Por favor, tire o telefone do gancho, para ele não tocar, tá?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas o senhor não disse que pode ser...

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Vamos correr com isso.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor estava falando da Revolução de 1932.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Bom, aí, quando eu estava no último ano do ginásio, houve um voluntariado em 1932. Eu me apresentei no primeiro dia e fui incorporado ao batalhão que se formou só de voluntários, o 1º Batalhão 9 de Julho. Aí nós fomos para a fronteira de São Paulo com Minas, na região de Atibaia, perto da cidade mineira de Santa Rita de Extrema.

Ali nós ficamos, até que o meu batalhão foi engajado, e metade do meu batalhão veio prisioneiro aqui para Ilha Grande. Mas eu não fui. Sobrevivi nesse combate. Não fui nem morto, nem ferido, nem preso.

Terminou a revolução e eu resolvi fazer exame de admissão para a Escola Militar de Realengo. Lá em São Paulo, nessa época, ninguém sabia que existia essa escola. Foi difícil encontrar um formulário para inscrever-me e saber o que eu devia estudar, mas vim para o Rio fazer o concurso. Fiz o concurso nos meses de janeiro e fevereiro de 1933 e fui matriculado nesse ano.

Fiz o curso da Escola Militar de Realengo para surpresa da minha família, que não tinha nenhum militar. Em São Paulo, não havia oficiais paulistas. Só depois que abriu o colégio lá em São Paulo, a Escola Preparatória de Cadetes, é que começou a ir paulistas para o Exército.

Fiz o curso e o terminei em 1936. Servi aqui no Rio e em Mato Grosso, até que veio a guerra. Eu me apresentei para participar da guerra e fui incorporado. Quando veio a guerra, eu servia com o então General Mascarenhas de Moraes.

O Mascarenhas de Moraes era Comandante da 2ª Região Militar em São Paulo. E ele recebeu uma mensagem do Ministro Dutra cujo texto era o seguinte: “O Exército pretende organizar uma divisão para participar da 2ª Guerra Mundial. Consulto V.Exa. se aceita o comando”. A mensagem era cifrada. Naquele tempo, o sistema de cifra era complicado. Tinha que encher num papel, trocar as letras, era uma coisa. Fui eu que cifrei, com um outro companheiro meu, e levamos para ele em casa. Ele disse: “Responda imediatamente dizendo que eu aceito”.

Com isso, eu já vim para o Rio com ele para nós organizarmos a Força Expedicionária Brasileira. Eu era Capitão, não tinha curso de Estado Maior, mas era um homem de confiança dele. Aí vim com o Marechal e aqui organizamos a Força, que foi de navio para a Itália. Foram 3 ou 4 escalões. Fui no primeiro escalão com ele e desembarcamos em Nápoles.

Uma coisa que nos impressionou em Nápoles é que o porto estava cheio de balões cativos. Nós nunca tínhamos visto aquilo. Os balões cativos eram contra os aviões de vôo baixo. Então, aquilo evitava que o avião voasse baixo. O avião alemão que viesse bombardear tinha que fazê-lo bem do alto. Então, estaria sujeito a muito mais erros.

É preciso considerar que nessa época a aviação não tinha os recursos de hoje. Não havia direção de tiro, não havia direção eletrônica, não havia radar, não havia nada, compreendeu? De modo que o bombardeio dependia muito da altura do avião para haver mais precisão de tiro.

Daí houve os acontecimentos todos na Itália e eu fiquei no quartel-general do General Mascarenhas, que era o Comandante da Força Expedicionária Brasileira. Como eu falava inglês — muito pouca gente falava línguas nessa época; dos americanos, quase ninguém —, fiquei no quartel-general.

Mas houve uma crise lá na Itália e eles precisaram de capitão de infantaria. Aí assumi o comando de uma companhia de infantaria. Foi bom para mim, porque servi no Estado Maior fazendo a ligação entre o 4º Corpo de Exército Americano, comandando pelo General Grittenberger, e a divisão brasileira. Essa foi a minha maior parte na guerra. E fiz uma parte da guerra comandando uma companhia de fuzileiros do 11º Regimento de Infantaria, que tem a sua sede em Juiz de Fora. Não, não é em Juiz de Fora. Ele tem sua sede em São João Del Rei, tá? E existe até hoje. Terminada a guerra, voltei para o Brasil e fui matriculado na Escola de Comando e Estado-Maior, que é essa escola aqui da Praia Vermelha.

Na guerra, tornei-me muito amigo do depois Presidente Castello Branco, que era o Tenente-Coronel Humberto de Alencar Castello Branco. Tornei-me muito amigo dele. Eu já era amigo dele porque tínhamos servido juntos na Escola Militar de Realengo, mas na guerra nós nos estreitamos. Foi uma amizade que durou até o fim da vida dele.

Como aluno, terminei o curso da Escola. Servi aqui, servi acolá, até que, terminado o curso da Escola...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - É. Aí... Me deu aqui uma falha. Dei a relação para você.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Em que ano foi isso?

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu terminei em 1945. Logo depois...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Depois foi adido militar na Bolívia.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Ah, fui adido militar na Bolívia. Vivi em La Paz 2 anos e meio. Em La Paz, a situação era muito conflitante. Era tiroteio que parecia guerra. Havia tiroteio toda noite, porque tinha havido a Revolução de 1952 lá.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Haya de la Torre.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não. Ali, não. Esse não é boliviano.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ah, é peruano.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Lá eram Paz Estenssoro e Siles  Zuazo. E foi uma revolução verdadeira, porque eles consideraram essa revolução a reintegração do índio à sociedade boliviana. Sendo um país de maioria indígena, o índio não tinha lugar na sociedade. O índio não votava. Então, essa revolução reintegrou o índio, mas foi com muita luta. E a revolução, para consolidar-se, demorou muito. Havia grupos armados de campesinos, grupos armados de mineiros, grupos armados disso, que se digladiavam dentro da cidade quase todo dia.

Nós tínhamos problemas sérios, na Embaixada, com exilados. Mas acabou. Terminou isso, eu voltei da Bolívia e fui para São Paulo. Servi em um quartel-general em São Paulo e, depois disso, começou o problema da conspiração para a Revolução de 64.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas houve 1955, 1961...

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Em 1955 eu estava na Bolívia. Quando houve aqui o problema do Lott...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor estava com o Lott?

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não, eu estava na Bolívia.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ah, sei, sei.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu não estava no Brasil, eu estava vivendo na Bolívia.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Em 1961?

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Hein?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Em 1961.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Em 1961. Aí veio 1964. Em 1964, eu participei, ativamente, da conspiração.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A partir de que momento o senhor participou da conspiração?

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu participei da conspiração a partir do momento da renúncia do Jânio. Porque o grande divisor se deu na hora da renúncia do Jânio. Foi com a renúncia do Jânio que apareceu a ala da legalidade, que se dizia da legalidade. E o Brizola era o líder dessa ala, compreendeu? Mas essa ala se espalhou e toda a esquerda brasileira se aliou a ela, compreendeu? E se instalou no Governo João Goulart.

O João Goulart, politicamente, havia duas pessoas que o conduziam: um era o Brizola e o outro era o General Assis Brasil — todos de esquerda, tá? E o sonho deles era transformar o Brasil numa república sindicalista. E eles, no governo, promoveram atos sucessivos.

Você sabe que, antes do dia 31 de março, que foi a Revolução, uns 15 dias antes, houve 3 movimentos em que eles tentaram tomar o poder e fechar o Parlamento. Isso aí vocês sabem muito bem. Houve a revolta da Armada, revolta da Marinha, houve o comício da Central do Brasil e houve o comício do Automóvel Clube.

Foi o comício do Automóvel Clube que deu o sinal final da conspiração. Foi aí que o General Mourão saiu sozinho, mas, como estava tudo pronto, deu certo. Mas ele saiu sozinho, ele saiu sem avisar ninguém de Juiz de Fora. Mas a conspiração estava montada, então, todo mundo teve a inteligência de não barrar o Mourão: já que ele estava fazendo o que nós queríamos fazer, agora que resolveu fazer por conta própria, vamos engrossar, porque está tudo pronto.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não houve resistência.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não houve resistência dos conspiradores. E, do Governo, nenhuma, porque o João Goulart era um blefe, o João Goulart era um blefe. Ele dizia para nós, que éramos conspiradores: “Se vocês se meterem a fazer uma revolução, nós vamos fulminá-los com o nosso dispositivo sindical e com o nosso dispositivo militar”.

Nós fizemos a revolução e não houve nenhum morto, não houve ninguém que quisesse reagir. Com toda a organização que eles tinham feito do Grupo dos Onze, o Brizola ameaçava com o Grupo dos Onze. Em todas as cidades, ele tentava fazer o Grupo dos Onze, compreendeu? Mas, na revolução, só houve um tiro: foi um major de aviação que deu um tiro no Brigadeiro Wanderley, e pegou de raspão.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Lavanere Wanderley.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - É, no Lavanere Wanderley. E pegou de raspão. E um dos acompanhantes do Wanderley deu uma rajada e matou esse major. Foi o único tiro da Revolução de 64.

Porque, o povo estava nas ruas pedindo a revolução, não sei se você sabe. Não sei se você assistiu ao comício de São Paulo, ao comício do Rio. O povo estava nas ruas pedindo a revolução. Você pode até dizer que o Exército fez a revolução atendendo a um apelo popular veemente.

Então, houve a revolução. Em virtude da revolução, o Presidente Castello me convidou para Vice-Chefe do Gabinete Militar. Eu era Coronel. Então, eu servi no Gabinete Militar até que houve a crise da República Dominicana.

Na Crise da República Dominicana, veio um apelo da Organização dos Estados Americanos para que o Brasil integrasse uma força internacional para uma intervenção coletiva.

Então, o Castello me mandou para lá para ver como estava aquilo, para opinar, antes dele tomar uma decisão. Eu fui, opinei e fiquei comandando a força.

O Brasil mandou um contingente. Os americanos aceitaram que o comando geral da força fosse brasileiro. Aí tivemos de mandar um general de 4 estrelas para lá, que comandou inclusive os americanos, o General Panasco Alvim. E foi organizada uma brigada com todos os latinos que estavam lá, chamada Brigada Latino-Americana, e eu assumi o comando.

O Exército mandou para a República Dominicana um batalhão de infantaria do Exército e foi também um efetivo de quase um batalhão de fuzileiros navais. Nós tínhamos 1.200 homens lá. Os americanos chegaram a ter 35 mil; depois, baixaram para 10 mil. Sempre tiveram muito mais efetivo do que nós, mas o comando sempre foi nosso. Foi o General Panasco Alvim e depois o General Álvaro Braga.

Bom, terminada a missão da República Dominicana, eu vim aqui... Na República Dominicana foi a missão de paz mais perfeita que houve. Nunca houve uma missão de paz tão perfeita. Tínhamos como missão restaurar a ordem, restabelecer a paz e instaurar uma democracia no país. Nós cumprimos as 3 coisas: conseguimos um governo provisório que conciliasse os grupos que estavam disputando o poder; este governo provisório convocou a eleição; nós presidimos a legalidade dessa eleição, inclusive com convidados da imprensa e do governo de vários países, todo mundo foi assistir à eleição, mas conquistou o poder o Presidente Balaguer. Esse Presidente foi reeleito 4 ou 5 vezes. Nós ainda acertamos no homem! (Risos do orador.) que devia ser eleito. Mostrou-se que aquele conflito na República Dominicana foi uma tentativa de Fidel Castro de expandir a área geográfica do seu poder. Vocês sabem que a República Dominicana fica numa ilha. Ela partilha essa ilha com o Haiti. Parte dessa ilha é o Haiti e parte dessa ilha é a República Dominicana, que está muito próxima de Cuba.

            Então, todo o conflito foi gerado na República Dominicana por um grupo fidelista.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Coronel Caamaño, não é?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Coronel Caamaño. É exatamente. Você está se lembrando bem.

            Terminada a República Dominicana, cheguei aqui, como tendo restaurado a democracia!  Tinha que completar o tempo de arregimentação para sair General. O Exército tem uma série de exigências. Eu não tinha o tempo de arregimentação necessário. Então, fui-me arregimentar por alguns meses, tempo de que precisava, no Batalhão de Polícia do Exército, em Brasília.

            Eu estava há uma semana, tinha chegado há 15 dias, e recebi um telefonema, que era do Ministro do Exército. O Ministro do Exército era o... Eu já me lembro dele. Eu me dou muito bem com ele. É até muito meu amigo. Ele me telefonou...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – O Castelo Branco? Era o Castelo Branco ou o Costa e Silva?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não. Era o Ministro do Exército General Adhemar de Queiroz.

            E aí, o pessoal que foi me dizer que o Adhemar de Queiroz queria falar comigo me disse que eu tinha que ir atendê-lo no telefone do Palácio do Planalto, porque era o único telefone que tinha o misturador de voz. Eu fui ao Palácio do Planalto. Ele me atendeu e disse: "Olha, o Presidente quer falar com você ". O Presidente estava no Rio e eu em Brasília. Aí, o Presidente me disse. “Olha, você ouça a missão que o General Adhemar vai dar para você e depois fale comigo". Bom, aí o Adhemar me disse: "Olha, Meira, há uns Deputados e uns poucos Senadores que resolveram abrir ilegalmente o Congresso. O Congresso está em recesso, e estes não têm o poder para reabri-lo, mas eles reabriram e estão fazendo sessões clandestinas. Convocaram a imprensa toda. Porque, de acordo com o regulamento do Congresso, o Congresso só pode ser reaberto pelo Presidente, pela Mesa. Não pode chegar um Deputado lá e reabrir o Congresso, já que eles estão em recesso. Então, você vai lá e esvazia aquilo”. “Mas como?”, perguntei. “Vá lá no Congresso e esvazia. Tem que esvaziar, porque aquele pessoal está lá ilegalmente.", respondeu. E eles fizeram um escândalo: levaram colchões, levaram travesseiros para dormir. Diziam que não iam sair lá de dentro, compreendeu? Foi o primeiro “cham li” que houve! Antes do “cham li” lá da França, houve o nosso aqui!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas, General, é preciso relembrar que tinha havido a decretação do Ato Institucional nº 2.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Tinha, tinha!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Com cassação de mandatos, não é?

             O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS -  Tinha, tinha! Mas a cassação de mandatos foi o Ato nº 1. Aí, foi a cassação. Agora, o Ato nº 1 tinha um limite de tempo para as cassações. O Presidente poderia cassar ou suspender direitos políticos até 3 meses ou 6 meses, algo assim, não me lembro agora. Já tinha extinto esses limites. Então, o Ato nº 2 restaurou. Está certo? Bom, então, perguntei ao General Ademar de Queiroz: “Mas isso para quando?” Eram 9 horas da noite. Ele me disse: “A teu critério, até o amanhecer.” Eu fiquei meio atrapalhado, porque aquilo de surpresa, até o amanhecer, uma missão daquele tamanho. Eu não conhecia bem nem a unidade. Tinha assumido o comando fazia uma semana mais ou menos, mas eu procurei ouvir um e outro, e houve um oficial que me disse: “Olha, eu tenho um mapa de todas as instalações do Congresso Nacional.” Aí, ele me deu a luz. Perguntei: “Você tem todo o sistema elétrico?” Disse: “Tenho”. “Tem o sistema de abastecimento d’água?”. “Tenho”. “Tem o sistema de central de telefone?” Ele disse: “Tenho”. “E você é capaz de cortar tudo isso?” “Sou. Se o senhor me der gente, eu posso fazer tudo isso”, respondeu. Então, disse a ele ...

Antes, quero dizer o seguinte: a última palavra que o Presidente me disse, depois que o Adhemar terminou e voltou para o Presidente, a última palavra que ele me disse foi a seguinte: “Meira, você entendeu bem o que o General Adhemar disse para você?” Disse: “Entendi”. “Você entendeu tudo?” “Entendi”. “Então, você vai levar minha única recomendação: você vai fazer isso, sem que ninguém tenha um arranhão sequer, tá?”

            O pessoal estava agressivo. Esse grupo estava agressivo. Eu pensei: “Eu vou privar as condições de vida lá dentro e eles saem.” Naquele tempo, não havia muito anexo. Aquilo é subterrâneo, como vocês sabem, compreendeu? Então, cortando a luz fica tudo escuro. Cortando a água, cortando o telefone, não serve mais de palco para eles, tá? Então, foi o que fiz. Chamei o Oficial de Engenharia e disse: “Você, às 5 horas da manhã, corta a luz, corta o telefone, compreendeu? e corta a água”. Aí, deu-se o tumulto lá dentro. O pessoal acordou e havia uns 100 Parlamentares mais ou menos. Eles acordaram com o barulho e foram lavar as mãos, foram lavar o rosto, não havia água, estava tudo escuro. Tentaram acender a luz, não acendia, tentaram falar no telefone, não havia telefone. Aí, eu me aproximei daquela porta central, embaixo daquele túnel. Fiquei lá. E aí, eles mandaram um Parlamentar falar comigo. Eu disse: “Não há nada. O único problema é vocês saírem daí. Podem sair, viajar, vai para onde quiserem. Não há punição nenhuma! Agora, vocês não podem continuar aí, porque a presença de vocês aí é ilegal”. 

            Aí, foi saindo um, saindo outro, saindo outro, até que vejo que vem descendo pela escada um grupo grande fazendo uma gritaria. Eu procurei afinar o ouvido para entender o que era aquela gritaria. Com aquela gritaria eles diziam: “O Presidente do Congresso, o Presidente da Câmara não se identifica!” Porque a pessoa, quando saía, se identificava. Aí, pensei: “Ah, se é por isso, está resolvido”. Eu cheguei e disse: “Olha! Eu reconheço o Presidente da Câmara. O senhor pode passar!”.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era o Adauto.

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Era o Adauto. Aí, esvaziou aquele negócio.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas houve um diálogo entre o senhor e...

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Aí, ele me disse: “General...” Eu não era General! Ele disse: “General, eu me surpreendo muito ver o senhor aqui comandando a força de cerco do Congresso Nacional”. Isso que ele me disse.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - “Eu sou representante do poder civil”.

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Não, ele não disse isso. Então, você vai ouvir o diálogo até o fim, porque o que está registrado não é o diálogo. O que registraram foi o que ele mandou registrar com os jornalistas. Porque não tinha nenhum jornalista, porque antes eu esvaziei. Só tinha jornalista no Hotel Nacional. Quando ele chegou lá, ele contou e o diálogo que ficou consagrado e que todos os jornais publicaram foi o que ele contou para os jornalistas, quando chegou ao Hotel Nacional.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como foi o diálogo?

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS – O diálogo foi o seguinte: Ele me disse: “General, eu me surpreendo muito de ver o senhor, que eu considerava um democrata, estar aqui comandando as forças de cerco do Congresso Nacional”. Eu digo: “Deputado, eu me surpreendo muito de ver o senhor, que eu considerava um autêntico revolucionário, comandando as forças da antirrevolução e da esquerda”. Ele aí ficou meio embaraçado e disse: “Mas eu comando o poder civil, eu represento o poder civil.” Foram as palavras dele, e eu respondi: “E eu represento o poder revolucionário do qual o senhor está desertando”. Porque ele sempre esteve conosco antes. Quando ele contou aos jornalistas, ele falou: “Eu represento o poder militar e eu represento o poder  civil”. Eu poderia ter dito que eu representava o poder militar, não teria nada demais, mas o que eu disse realmente foi isso que eu li, tá?

            Então, terminou aquele episódio. E terminado esse episódio, em seguida eu terminei o meu tempo, fui servir na ESG, na Escola Superior de Guerra, e fui promovido a General. Promovido a General, eu tive várias funções, fui Comandante da Academia Militar das Agulhas Negras, fui Vice-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, que hoje é o Ministério da Defesa e fui Vice-Diretor do Colégio Interamericano de Defesa, em Washington, nos Estados Unidos. E aí terminou a minha carreira.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas antes disso o senhor foi interventor em Goiás.

            O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Sim, eu fui interventor em Goiás; eu não me esqueci dessa passagem.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como foi essa história de Goiás?

            O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - A história de Goiás foi a seguinte...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O senhor quer tomar um copo d'água?

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS – Vou. Vou fazer um......

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Deixa que ele pega!

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Viveu sem limites! Ele era muito boêmio, né! E toda noite estava na noite!

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Que papel, né!

            O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Você sabe que, na história dele, tem uma coisa interessante. Você lembra quando pegou fogo nesse hotel aqui?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Eu sei, o Volpe!

            O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS – É, no Volpe! Ele estava no sexto ou sétimo andar, pegou uma série de lençóis, fez uma corda e desceu.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Mas, ele desceu com uma pistola na mão! aí, os caras lá embaixo... ele me contou...

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS – Morreu menino!

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Mas, o senhor conheceu muita gente!

            O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS – Conheci muita gente! Eu fiz uma viagem de navio com Getúlio. Eu era cadete. O Getúlio foi visitar a Argentina e o Uruguai e quis levar os cadetes. Fez uma comitiva de cadetes. Eu viajei com Getúlio.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Conta isso também.!

            O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Não, aí fica complicado.

            Oh! Nice!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – O senhor quer o quê?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor quer alguma coisa?

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Quero que ela ponha o telefone no gancho, porque eu tirei.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Pera aí!

 (Pausa)

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS – É! Tira do gancho! Agora tira do gancho!

(Pausa)

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Precisamos também pedir ao senhor — porque o senhor tem uma gama muito grande de informação —, dar uma análise de 1964, na sua visão, analisar 1968, por que houve o AI-5, a morte do Castelo.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Vamos fazer Goiás logo.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - A intervenção de Goiás.

            O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Mas já está gravando, não?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Já. Já está.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora está. A intervenção em Goiás!

            O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Então, o que aconteceu... A intervenção de Goiás, eu vou antecipar um pouco para ver como chegamos à intervenção em Goiás. Na época da conspiração, eu servia no Estado-Maior do Exército, era Coronel, um dia o Ministro do Exército, Jair Dantas Ribeiro, mandou me chamar, queria falar comigo. Eu fui lá e ele me disse: “Olha, o senhor está conspirando. Eu não quero mais o senhor no Rio de Janeiro, vou-lhe mandar ao Mato Grosso”. Bom, eu então recebi o Comando 16 de batalhão de caçadores em Cuiabá. Fui para lá em outubro de 1963. E a conspiração correndo, e o grupo de João Goulart tentando se apoderar do poder, tentando a hierarquia paralela, compreendeu? A hierarquia paralela, vocês sabem o que é. Ele tinha uma rede de pessoas leais, fiéis ao grupo do Governo, o grupo que tinha ocupado o poder, o grupo do João Goulart, compreendeu? que procurava suplantar a verdadeira hierarquia, quer dizer, eles davam ordens através de tenentes e sargentos que eram do grupo eles. E esse grupo se comunicava diretamente, conseguia favores. Nisso, estava uma perturbação danada nas unidades. Uma porção de coisas acontecia e você não sabia como tinha acontecido. É que um sargento diretamente com o General Assis Brasil, que era Chefe do Gabinete do Presidente João Goulart, e ele tinha autorizado e mandado fazer. Então, no meio dessa confusão toda, a nossa conspiração continuou. Quando houve o movimento de 31 de março, eu fui avisado de que ia haver naquele dia e resolvi ocupar Brasília. Saí de Cuiabá para Brasília. Requisitei os aviões que havia no aeroporto de Cuiabá, à noite, e requisitei uns 100 caminhões. Meti minha tropa toda parte de avião, parte de caminhão. Eram 1200 quilômetros de estrada de terra e me toquei para Brasília. A primeira tropa que chegou a Brasília foi a minha.

            Era a Governador de Goiás o Coronel Mauro Borges, que tinha sido meu aluno por 2 vezes, e com o qual, nesse primeiro momento, eu me entendi muito bem. Ele me disse: “Olha, eu não sei bem dessa revolução, mas eu estou do lado do Magalhães Pinto”. Foi o que ele me disse. Então, se ele está do lado do Magalhães Pinto, ele está do nosso lado. Aí veio a revolução. A revolução foi vitoriosa e, no dia 15, eu fiquei lá comandando a Vila Militar de Brasília, ninguém quis reagir, todo mundo queria aderir. Eu tive um trabalho danado com as adesões. As adesões me deram muito trabalho. E o João Goulart fugiu para o Rio Grande do Sul e o Comando Militar de Brasília fugiu também com ele. Largaram aquilo, ficou meio no espaço. Então ficaram uns dias de confusão lá, quando houve então o primeiro... Quem assumiu o Governo foi o Mazzilli, que era Presidente da Câmara. Até que no dia 15 houve uma eleição, pelo Congresso, do Presidente Castelo Branco. O Presidente assumiu no dia 15 de março, 15 dias depois de irrompida a Revolução. Eu estava lá no meu comando, na vila militar de Brasília, recebi um chamado, o Castelo queria falar comigo. Fui lá e ele me disse: “Você vai ser o meu Vice-Chefe do Gabinete Militar”. Fui então para o Palácio e comecei a trabalhar no Palácio com o Presidente Castelo Branco, o Geisel era Chefe do Gabinete Militar, o Luiz Viana Filho era Chefe do Gabinete Civil, o Juarez Távora era Ministro dos Transportes, o Milton Campos era Ministro da Justiça e nós começamos o Governo com essa gente.

Mas aí começou a se complicar o caso de Goiás, porque o Mauro Borges... Toda revolução cria uma série de problemas de grupos revolucionários. Eu poderei dizer que o Presidente Castelo Branco teve muito mais dificuldade em dominar os grupos revolucionários do que em dominar aqueles que foram punidos. Os que foram punidos foram embora, não amolaram mais, e os que eram do lado dos punidos ficaram quietos. Agora, os grupos revolucionários, cada grupo quer dominar a revolução, quer ter o poder. Deram muito mais trabalho.

Havia um grupo revolucionário em Goiânia que resolveu abrir um inquérito e punir pessoas por corrupção ou por serem comunistas. E entre os punidos eles puseram 3 Secretários do Governo do Mauro Borges. Aí começou um problema muito sério. O Mauro Borges vinha e falava comigo e eu dizia a ele: “Mauro, se você não demitir esses 3 Secretários, quem vai acabar rodando é você.” Porque revolução tem uma hora muito quente, eu até definia assim: revolução é como você montar em cima de um  tigre; se você cair do tigre, ele te come. Você tem que deixar o tigre saltar, pular, espernear, mas você não pode cair. Se você cair, será comido. Em toda revolução, você está montado em cima de um tigre. “Não adianta, você não contém esse grupo revolucionário. E o Presidente Castelo não pode ficar contra eles. O Presidente Castelo modera tudo isso, ele tenta moderar, mas com as provas que vocês levantaram contra esses três...” Aí foi um conflito que foi crescendo e crescendo, e o Presidente Castelo não queria cassar o Mauro Borges. Houve uma pressão enorme para ele cassar o Mauro Borges, e ele não o queria cassar.

Acontece que o Mauro Borges, com medo de ser cassado, pediu um habeas corpus preventivo ao Supremo, que o concedeu. Aí o Castelo ficou desesperado. O Castelo, que não o queria cassar, ficou desesperado, porque para conceder o habeas corpus é preciso caracterizar a figura do agressor. E o Supremo deu como figura do agressor o Presidente da República. Aí, quando veio essa sentença, ou esse acórdão do Supremo, foi um tempo quente no Palácio nessa noite e nessa noite eles decidiram pela intervenção, compreendeu? Aí me pediram para propor 3 nomes. Propus os 3 nomes. O Presidente não quis nenhum dos 3. E no meio daquela confusão, naquela pressa, eles disseram: “Então vai você.” E eu, de manhã cedo, fui assumir o comando lá.

            Eles tinham uns grupos armados que disseram que iriam reagir. O Mauro foi muito imprudente, mandou assaltar tiro de guerra, mandou roubar armas dos tiros de guerra, compreendeu? armou uns jagunços. Então, esperava-se uma resistência.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O pai dele era coronel!

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Não, o pai dele, não.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Coronel do interior.

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Ele era coronel. O pai dele era um político lá, até foi fundador da cidade de Goiânia. Era um Senador, na época.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Pedro Ludovico.

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Pedro Ludovico, exatamente.

Bom, aí me disse: “Vai você”. Aí eu fui, esperando uma resistência, porque todas as informações eram de que tinham grupos armados, tinha isso, tinha aquilo, compreendeu? E o Castelo reagia muito aos atos de força. Então, ele me disse: “Você vai ao Milton Campos para ver um decreto de intervenção.” Eu fui falar com o Milton Campos, que, relutantemente, fez o decreto de intervenção, porque ele também não gostava muito dessas coisas, de intervenção, e pôs uma intervenção por 6 meses.

O Castelo leu o decreto, concordou com tudo, mas onde tinha 6 meses ele pôs 15 dias. Aí armou-se outro problema. Eu disse: “Como eu posso ser interventor por 15 dias? Como é que eu vou constituir um Governo? Quem é que vai querer ser Secretário?”

Com muita relutância de 2 amigos da geração dele, que eram o Ademar de Queiroz e o Oswaldo Cordeiro de Farias, ele passou de 15 dias para 60 dias. Mas, antes de 60 dias, ele pôs no decreto: até 60 dias. E me disse: “Você vai acabar isso antes.”

E eu cheguei lá com esse encargo difícil. Eu tinha que agir pela Constituição de Goiás. Ele dizia: “Você vai fazer tudo como está na Constituição de Goiás.” Pela Constituição de Goiás, se o Governador fosse impedido de governar antes de terminar o mandato, teria que haver uma eleição indireta. A eleição indireta era feita pela Câmara. Na Câmara, a maioria era do Mauro Borges e do Pedro Ludovico, eles dominavam a política local, compreendeu? Foi uma negociação difícil para eles aceitarem o nome do Marechal Ribas.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Emílio Ribas.

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - É. Emílio Ribas. Eles aceitaram, foi feita a eleição e eles elegeram o Emílio Ribas.

Aí eu deixei, voltei para o Palácio, na minha função de Vice-Chefe, quando houve o problema da República Dominicana — já te contei anteriormente.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como é que o senhor hoje vê 64 e 68?

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Em 64, como eu já disse, o poder da República estava na mão de um grupo que queria transformar o Brasil em uma república sindicalista. E eles diziam isso publicamente, não é preciso... Se você pegar as fotografias dos comícios deles, do comício da Central do Brasil, você vai ver os cartazes.

O SR. ENTREVISTADOR  (Tarcísio Holanda) - Eu estava lá!

O SR. CARLOS DE  MEIRA MATTOS - Você estava lá? É só ler os cartazes! E isso provocou uma reação muito grande da sociedade brasileira. Aí começaram os comícios contra isso em São Paulo — que foi o maior —, em Belo Horizonte, em Pernambuco. A coisa foi esquentando, esquentando, esquentando, e o Exército, então, derrubou João Goulart — com o aplauso geral da imprensa. Se você quiser ler a imprensa da época também, leia.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu assisti àquilo tudo.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Você assistiu! Não houve jornal que não... A imprensa toda. Tinha o Correio da Manhã na época, que trazia uma série de artigos: Basta, basta, basta desse Governo. O Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, a Folha de S.Paulo...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas depois esses jornais ficaram todos contra.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Todos contra aquela situação.

            Então, a vitória da Revolução de 32 foi, inequivocamente...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - De 64.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - A Revolução de 64. A vitória da Revolução de 64 foi, inequivocamente, aplaudida pela Nação, pela maioria — não há dúvida, basta consultar os jornais da época.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por que o senhor acha que o Castelo não fez o sucessor?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Porque o Castelo era constitucionalista. Ele não deveria ter sido o primeiro chefe da revolução, porque ele não tinha espírito revolucionário. Foi ele que forçou que se fizesse o ato institucional mantendo a Constituição de 1946. Você sabe que os 2 funcionavam paralelos. Nunca se extinguiu a Constituição de 1946. E, dentro do espírito constitucionalista, ele achava que, quando terminasse o mandato do Presidente eleito, que era João Goulart, deveria haver eleição para o outro mandato.

            Então, aquelas medidas rigorosas que foram aplicadas em outras pessoas: em Deputados, em Senadores, em outros políticos que perderam o mandato... Ele não admitiu governar um mandato inteiro. Não admitiu. Porque ele dizia: “Pela Constituição, o mandato deste Governo termina”. Então, foi por isso; não foi por outra razão.

            Olha! o que se lutou com ele para que ele não fizesse isso! Foi uma luta tremenda, mas ninguém o convenceu.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E esse fato favoreceu Costa e Silva.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Favoreceu o Costa e Silva.

            A respeito do Costa e Silva, eles foram colegas de turma desde a escola de Porto Alegre. Havia lá uma escola, um colégio militar. Não era o colégio militar, não chamava colégio militar, mas era uma escola de curso secundário. Eles foram alunos juntos. Eles se davam bem. Agora, o Costa e Silva se cercou de um grupo que quis fazer o Presidente, e se estruturou para fazer o Presidente. E o Castelo sempre dizia — ele sempre me disse: “O Costa e Silva tem direito de pleitear a Presidência”. Ele sempre me disse isso. “Agora, que isso não me venha como uma imposição militar.” E foi o que aconteceu.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – E veio como uma imposição!

             O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Você se lembra de que houve um Deputado que propôs na Câmara a candidatura do Costa e Silva.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Anísio Rocha, né?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - É verdade. Foi aprovada unanimemente a candidatura. A candidatura do Costa e Silva veio por uma manifestação política.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Todo mundo sabia que era uma imposição militar.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Hein?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Todo mundo achava que era uma imposição militar.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não era uma imposição militar!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Porque, quando ele viajou para Europa, ele deu uma declaração dizendo assim: “Vou e volto Ministro”.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Pois é. É o tal negócio dos boatos. Alguém foi dizer a ele que ele ia para a Europa... Alguém foi dizer, conforme constava na época, que essa viagem... Primeiro, o grupo que o cercava achava que ele não devia sair do Brasil. E ele achou que, antes de assumir a Presidência, devia visitar alguns países europeus. Então ele foi. Agora, esses que achavam que ele não ia sair do Brasil espalharam o boato de que, se saísse, ele não voltaria, iria se cassar o direito dele retornar ao Brasil. Aí ele fez essa declaração. Eu estava no aeroporto quando ele saiu, quando aconteceu isso; eu estava no aeroporto com ele, com o Costa e Silva, porque o Presidente não foi e me disse: “Você, Meira, vai me representar na despedida do Costa e Silva”.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Castelo não queria o Costa e Silva. Ele publicou uma relação e incluiu o Etelvino Lins...

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - O problema do Castelo... Quais eram as preferências do Castelo eu não sei. Eu não sei quais eram as preferências. Não acredito que a preferência dele fosse esse ou aquele. O que ele me dizia sempre é que ele não queria interferir no problema da substituição dele: “Eu acho que o Presidente da República não deve interferir”.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele fez uma relação. A relação incluiu o Marechal Cordeiro de Farias, o Etelvino Lins, o Bilac Pinto, o João Agripino, Daniel Krieger. Lembra?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Olha, você não pode admitir que uma pessoa que está Presidente da República não procure fazer uma visualização de como vai ser quando ele sair. Então essa relação existia. Quem é que pode substituir? O próprio Presidente Castelo dizia: “Tem os civis e os anfíbios”. Essa era a palavra dele. Os anfíbios que poderiam substituí-lo era o Ney Braga, que era militar mas já estava na política, compreendeu? Tinha um outro anfíbio....

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O Cordeiro.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - O Cordeiro de Faria era anfíbio.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era general da ativa.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não, já estava na reserva.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Estava ainda não.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS – Estava! Na Revolução de 64, eu acho que estava — eu não sei. Bom, e tinham civis. Dos civis, eu sei que, entre os nomes cogitados, um era o Magalhães Pinto — não o Magalhães Pinto —, era o Bilac Pinto. Era um dos nomes cogitados.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era amigo do Castelo.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Era.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E o Ato 5? Como é que o senhor vê hoje, com a distância, o Ato Institucional nº 5?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - O Ato Institucional nº 5 saiu porque começaram... O pessoal que estava na oposição, o Governo que tinha caído, resolveu organizar a guerrilha. Então começaram os problemas de ameaça de guerrilha aqui e ameaça de guerrilha ali, sequestro de um coronel americano, um coronel em São Paulo...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) Assassinato!

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Um assassinato, compreendeu? Então começou esse problema. Então, o tal grupo revolucionário, que é inquieto... Porque os primeiros anos de revolução são muito difíceis, em qualquer país. Você já imaginou o que aconteceu nos primeiros anos de revolução na França?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – O senhor falando com o Castelo Branco, o jornalista, o senhor comparou esses grupos radicais a uma “cavalhada de potros”. Não lembra não?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu me lembro.

            Então, esses grupos radicais fizeram uma pressão enorme para que o Ato Institucional nº 1, que dava direito de punir, fosse restabelecido. E venceu a pressão. Fala-se muito na repressão. Depois que o Castelo assumiu, toda repressão que houve foi contra a violência que vinha do grupo que foi deposto. Começaram as guerrilhas, apareceram os Marighellas. Tinha outro muito famoso, que faleceu velho, que esteve na guerrilha.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Lamarca...

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Teve o Lamarca, compreendeu?

            Eu considero que 68 foi uma pressão dos grupos revolucionários, que ainda estavam numa fase quente da revolução, para que o Governo retomasse poderes excepcionais, a fim de punir e conter a subversão e a guerrilha.

            O SR.  ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General, isso que o senhor está dizendo é verdade. Agora, houve muita violência também, a tortura.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS – Bom, a violência é resultante de determinadas pessoas. A instituição não praticou violência, o Governo nunca quis violência, o Exército nunca quis violência. Agora, você não pode evitar que o grupo que é encarregado de uma missão haja, dentro desse grupo, alguns tarados. Você não pode evitar! Se você der força para um tarado desse, você está perdido. Agora, quando você descobre, ele já fez!

            Olha, em todos os meus comandos, em tempos de paz, eu tive que perseguir os tarados. Existem sujeitos a que você não pode dar um pedacinho de poder para eles que eles vão longe! Então, você tem que conter.

            O SR.  ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como é que o senhor viu o Governo Geisel.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu acho que o Governo Geisel teve uma boa aceitação da Nação. A Nação aceitou o Governo Geisel. Então, eu não vou discutir minúcias. (Ininteligível.)

            O SR.  ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele teve que demitir o Ministro do Exército.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS  - Teve. Pois é. Então, vamos para a síntese! Ele fez muitas coisas certas. Pode ter feito coisas erradas, mas ele teve uma aceitação nacional. Ele tem o nome respeitado! Não há dúvida!

            O SR.  ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Você não vai perguntar nada? (Pausa.)

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS  - Não, não. Eu acho que não tem mais pergunta. Vamos para a minha vida civil agora!

            O SR.  ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Pergunta alguma coisa.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Não ficou claro. O senhor falou assim: em todo regime há tarados. Existiam tarados no governo? Porque nesse episódio....

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu chamo de tarado gente que tem gosto, tem prazer em ver o outro sofrer. Na coletividade você vai descobrir que tem muito mais gente do que você pensa. Na hora em que uma pessoa dessa tem poder, ela exerce.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas a repressão militar foi muito intensa, então....

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não foi muito intensa.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Houve muita tortura. Houve muitos mortos.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS  - Se você se informar, todo mundo diz que foi torturado. De toda essa gente que diz que foi torturada, você pode encontrar uns 200 que foram torturados fisicamente. Agora, eles consideram tortura o interrogatório. Então você começa a interrogar: onde é que você estava no dia tal, às tantas horas? Ele diz: “O senhor está me torturando”. Agora, tortura física, eu acho que você não soma umas 200 pessoas. Hoje em dia há um festival com esse negócio de tortura. Todo mundo diz que foi torturado. Tem até uma verba, uma gratificação. Criaram uma Comissão no Ministério da Justiça. Você sabe muito bem disso. Tem até um benefício financeiro para quem chegar lá e disser que foi torturado. Tem uma Comissão para apurar que não apura nada!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas tem que provar!

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Provar como? Como é que esse pessoal prova?

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É, isso aí não prova. Só pode provar que foi perseguido.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas tem gente que foi morta! Foi torturada e morta!

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Tem. Tem torturados e mortos. Teve. Mas você veja o seguinte: vocês, de uma maneira geral, aplaudem o Fidel Castro. Num país pequeno, um país que tem uma população que não chega a 20 milhões de habitantes, 2 milhões são obrigados a viver fora, para não serem torturados. Dois milhões não podem viver no seu país. Veja a quantidade de gente que ele já matou! Agora, se eu pegar uma revolução que durou 20 anos, se você somar, são centenas as pessoas que realmente foram torturadas.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas havia necessidade da tortura?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não havia necessidade! Eu estou dizendo que a tortura é um desvio de pessoas da organização. É um desvio! São pessoas que...

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O Comando dessas pessoas não tomava conhecimento?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não é tomar conhecimento! Quando tomava conhecimento, a tortura já tinha acontecido. Muita gente foi punida por causa disso. Eu me lembro que o General Frota, quando era Comandante aqui do 1º Exército, se preocupou muito com esse assunto de tortura. Então, ele começava o dia visitando todos os prisioneiros políticos, perguntando se tinham sofrido alguma coisa — ele começava o dia assim, tamanha foi a preocupação dele.

            A senhora nunca se envolveu em problemas de comandos políticos, de comandos militares. A senhora não sabe o número de pessoas que gostam de fazer, de ver o sofrimento alheio. Isso, até em sociologia, em psicologia, tem um nome que me escapa agora.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Sadismo.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS – É! Sadismo. São pessoas sádicas. Você deu a palavra. Estava me faltando essa palavra. No dia em que a senhora tiver que comandar um grupo, uma comunidade de mil pessoas, numa ação em que a senhora tem que intervir e praticar um ato de força, a senhora vai ver que, entre as pessoas que a senhora confia, há sádicos, uma meia dúzia de sádicos. O que se tem que fazer é que não pode dar poder ao sádico.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General, o que o senhor quer falar mais, assim?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não, eu acho que você... Tem a segunda parte da minha vida civil, se você quiser. Eu saí do Exército em 1977. Então, você tem aí pela frente 25 anos.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - São 26 anos, né?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Quando saí do Exército, eu fui convidado pela Universidade Mackenzie para dirigir um curso de pós-graduação de estudos brasileiros. Esse curso de pós-graduação eu dirigi durante 20 anos. Passaram por esse curso mais de mil professores, de várias universidades. Depois, eu o deixei, já porque estou em idade avançada. Não estou na hora mais de ter obrigações com horários e com essas coisas.

            Eu, também, na vida civil, fui Presidente da Montreal Empreendimentos. A Montreal Empreendimentos era a companhia holding do grupo Montreal. Durante 15 anos eu fui Presidente. O grupo Montreal foi um dos principais na construção de plataforma submarina, das primeiras plataformas, e de Itaipu; foi o grupo líder da construção da usina de Itaipu. Ela acabou, não existe mais.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor fez curso de doutorado em Ciências Políticas?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu fiz um curso de doutorado em Ciências Políticas na Universidade Mackenzie. O meu orientador foi o Prof. Gilberto Freire. Quando eu fui convida-lo para orientador, ele me disse: “Olha, eu só aceito se o senhor escrever um livro sobre a geopolítica dos países tropicais. O assunto, o tema da sua tese vai ser esse.” E eu escrevi esse livro, o Geopolítica e Trópicos.

            Desde 1958 que eu escrevo. Eu tenho mais de 10 livros escritos, a maioria sobre geopolítica. Eu tenho muito boa aceitação nos Estados Unidos e na França. Tenho livros sobre geopolítica traduzidos nos Estados Unidos e na França.

            Sobre história, eu escrevi o livro O Marechal Mascarenhas de Moraes e sua Época. Servi intimamente com ele e conheci-o muito. Ele me pediu para fazer o prefácio do livro dele, das memórias. Eu fiz, e escrevi O Marechal Mascarenhas de Moraes e sua Época. Também escrevi o livro Castelo Branco e a Revolução, um livro de história. De geopolítica tenho uns 8 livros.

            Aqui estou agora. Minha única função agora é ser conselheiro da Escola Superior de Guerra.

            Acho que vocês têm aí uma parte mais saliente da minha história.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O senhor acredita que a revolução precisava ter durado 21 anos?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Bem, a revolução durou 21 anos devido à guerrilha. Se não tivesse havido a guerrilha... Porque toda hora que se queria acabar com a revolução se montava uma guerrilha. E, para combater uma guerrilha, com poderes excepcionais é melhor que ter poderes constitucionais. Com poderes constitucionais, cumprindo-se a Constituição, dando-se todas as regalias ao Fernandinho Beira-Mar, assim não se faz nenhum combate.

            Quando começou a Guerrilha do Araguaia, houve sequestros, assassinatos, o Marighella pregando a revolução no Brasil inteiro, o outro pregando a revolução agrária, mas sob outro título. Qual era o título do Romão, do... ? Eles não chamavam de revolução agrária, mas era isso o que eles queriam, uma revolução agrária.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Reforma agrária?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS – Não, não é. A reforma agrária foi uma lei do Castelo, e é a melhor lei que existe sobre isso. Ninguém saiu disso até agora.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas nunca foi aplicada.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Ninguém sai disso. Eles não sabem aplicar.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Porque é muito violenta, de ação progressiva.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - O princípio da reforma agrária é que ela tem que ser feita em benefício da produção agrária. É com a riqueza da produção que se enriquece o trabalhador. Você não pode fazer uma reforma agrária só dando benefícios. A base da reforma agrária é o enriquecimento da produção. Através do enriquecimento da produção, você beneficia o trabalhador agrário. Essa é a tese da lei de reforma agrária, que até hoje essa tese está viva!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas nunca foi aplicada.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Entra muita demagogia no assunto, muitas autoridades fracas que são intimidadas. Há muita intimidação nisso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O que o senhor está achando do Governo Lula?

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Eu queria que o senhor analisasse essa questão do Governo Lula, porque está hoje no Governo boa parte das pessoas que combateram o regime militar, a começar pelo próprio José Dirceu, que teve treinamento militar, que foi da luta armada, e pela Ministra Dilma Rousseff.

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu acho que no Governo Lula tem muita gente que agora voltou ao bom senso. Naquele tempo de juventude havia muito espírito de aventura. Agora eles voltaram ao bom senso. Eu tenho ouvido vários líderes do Governo Lula dizerem que a fase do Governo revolucionário foi uma fase feliz para o trabalhador porque não havia desemprego. Já vi vários daqueles que mais combateram a revolução hoje reconhecerem isso. O pessoal envelheceu. Depois de 25 anos, eles agora estão raciocinando com o pensamento puro.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como é que o senhor está vendo a política econômica dele?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - A respeito do Governo Lula eu não posso dizer nada, porque o Governo Lula está começando.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ainda tem muito tempo, né?

 O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Tem muito tempo para se fazer uma análise do Governo Lula.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O senhor quer dizer alguma coisa?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não. Eu acho que eu falei demais.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Não!

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Não. Tá bom.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Alguém quer perguntar  alguma coisa?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Eu quero ver a minha imagem como é que ficou!

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Sobre aquela declaração que o senhor fez, como é que o senhor vê as perspectivas do Brasil neste novo contexto que está armado, com a hegemonia americana declarada em todos os cantos? Como é que o senhor vê a perspectiva do Brasil?

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Sobre esse assunto eu escrevi um artigo que saiu sábado último na Folha de S.Paulo, intitulado A Temporalidade das Hegemonias. Começo dizendo que houve no mundo várias hegemonias. Houve hegemonia desde antes de Cristo, com os babilônios, os assírios, egípcios... Todos tiveram uma duração finita. Depois vieram os romanos, que foram os que tiveram maior duração. Depois veio a hegemonia da Inglaterra. Depois a da França. Todos com duração finita.

Hoje, uma cogitação muito grande nos Estados Unidos é qual será a duração da hegemonia americana, desta atual hegemonia. Os acadêmicos americanos estão escrevendo sobre isso intensamente. O senhor vai encontrar livros enormes sobre isso. Agora mesmo eu recebi 3 ou 4.

Um professor da Universidade de Georgetown fez uma consulta aos professores das melhores universidades dos Estados Unidos, da Alemanha e da França. O resultado dessa consulta é que a hegemonia americana vai ser bem duradoura porque os Estados Unidos atingiram, hoje, uma superioridade muito distanciada das outras grandes potências, quer sob o aspecto militar, quer sob o aspecto econômico, quer sob o aspecto técnico, quer sob o aspecto científico, quer sob o aspecto de imagem mundial, e nenhuma hegemonia do passado foi hegemônica em todos esses aspectos.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E que papel cabe ao Brasil nesse...?

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS – Então, eu termino dizendo o seguinte: se acontecer, e parece que vai acontecer, de a hegemonia americana durar, é preciso que o Governo e a Diplomacia brasileira se ajustem a isso. E como se ajustar a isso? Procurem um lugar neste mundo hegemônico em que consigam preservar a nossa soberania e o nosso desejo de desenvolvimento econômico e social.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E a nossa identidade cultural.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Exatamente. A nossa soberania... Eu não falei em integridade cultural, mas falei na nossa identidade cultural e na nossa vontade de nos desenvolvermos política e socialmente.

Este é o meu ponto de vista. Acho que devemos ter uma posição de luta neste mundo que vai se armar. Mas essa posição de luta não vai nos obrigar...

Olha, você quer passar por lá?

(Pausa.)

Passa pela outra porta.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É a sua senhora?

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - É a minha senhora, é!

Então, é este o meu ponto de vista.

Tem esse artigo aí. Eu posso até dar para vocês. Tenho cópia aí.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu li.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Você leu?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Li na Folha.

O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS – Então, acho que está terminado.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – Tá ótimo!

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A menos que o senhor queira dizer mais alguma coisa, pode falar!

            O SR. CARLOS DE MEIRA MATTOS - Não. Acho que eu não tenho mais nada a dizer. Se eu falar é capaz de eu falar besteira. Agora deixem eu ver a imagem.