Procedimentos Metodológicos

Projeto Assessores do Caramujo – Procedimentos Metodológicos

 

“Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiros, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar. Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio.” Ulysses Guimarães – Discurso proferido na sessão de 5 de outubro de 1988, publicado no DANC de 5 de outubro de 1988, p. 14380-14382.

 

Em busca de explicitar o interesse que desperta a História Oral entre pesquisadores de diversas áreas, Verena Alberti (2003)[1] argumenta que, frente a um mundo cada vez mais fragmentado, ela oferece uma interpretação do passado a partir da perspectiva de um indivíduo que vivenciou esse passado. Esse “fascínio do vivido” é essencialmente o trabalho de memória em que se envolvem entrevistador e entrevistado ao registrarem por meio da escrita ou de recursos audiovisuais o conhecimento construído do passado. A história oral é, assim, um caminho para a elaboração do conhecimento histórico que tem como base o testemunho, a experiência singular de um indivíduo.

O procedimento metodológico da história oral pode ser aplicado a um vasto campo de práticas sociais que vão da recuperação da trajetória de uma empresa até a sala de aula de uma escola do ensino básico, variando seus usos conforme as finalidades a que se destina. Segundo Meihy (2002)[2], há três grandes modalidades de história oral. Uma que é tradição oral, dedicada a coletar a memória coletiva por meio de seus mitos, rituais e práticas culturais. Outra que é a história oral de vida, que focaliza a trajetória da vida de um indivíduo em uma narrativa que compreende diversos eventos e períodos temporais. Uma outra que é a história temática, destinada a iluminar determinados acontecimentos tomados como foco do depoimento. É nesta última modalidade que se insere o Projeto Assessores do Caramujo.

O projeto Assessores do Caramujo - História Oral da Constituinte de 1987-88 na perspectiva dos servidores foi instituído pela Coordenação de Arquivo – COARQ do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados – Cedi para compor um painel da memória do processo de elaboração da Constituição de 1988, tendo como horizonte a perspectiva multifacetada dos servidores que participaram do processo.

Embora o processo constituinte de 1987-88 tenha sido amplamente documentado, o registro de memórias pessoais busca enriquecer o acervo da Câmara dos Deputados sobre um evento de inegável magnitude histórica para a instituição e para o Brasil. Além disso, como o princípio da coleta é a multiplicidade de perspectivas, o projeto abarcará experiências de atores que usualmente não são registradas nos documentos oficiais, permitindo leituras diferenciadas desse processo histórico.

Após três décadas da promulgação da Constituição de 1988, o resgate e o registro da experiência daqueles que participaram diretamente do processo de elaboração é uma medida necessária e até mesmo urgente. Em primeiro lugar, porque não sendo feita a coleta, há o risco de se perder a memória pessoal de primeira mão. Depois, porque essa memória pessoal tem um papel fundamental de contraste, confronto e conformidade em relação aos documentos escritos, oferecendo diversas possibilidades de retificação e ratificação de dados do registro oficial. Por fim, porque a memória pessoal construída na escala da experiência humana contém uma riqueza de detalhes que faltam aos outros tipos de registro documental. Além disso, ao se privilegiar um grupo determinado de informantes, no caso os servidores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que participaram do processo, tem-se um rico contraponto ao acervo documental com informações que, por serem da ordem do cotidiano, não foram, nem poderiam ser computadas nos documentos oficiais.

A base do projeto são entrevistas com servidores que foram tratadas na forma de depoimento a fim de constituírem um acervo histórico-documental de apoio para o entendimento do processo de elaboração da Constituição. A seleção teve como princípios a relevância de atuação, comprovada por documentos, associada à diversidade da participação no processo. Os colaboradores foram selecionados a partir de cinco grupos, recobrindo as diversas frentes de atuação dos servidores no processo constituinte de 1987/1988: Grupo 1 – Gerencial: ocupantes de cargos gerenciais diretamente ligados às atividades da Constituinte ou da alta administração da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; Grupo 2 – Assessoria Técnico-Administrativa: servidores de órgãos ligados à Constituintes, compreendendo o Departamento de Comissões; Assessoria de Orçamento e Fiscalização Financeira; Centro de Documentação e Informação; Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação; Assessoria Legislativa, Secretaria de Apoio e Informação e Prodasen; Grupo 3 – Assessoria e Secretaria das Comissões (9) e Subcomissões (24) e Relatoria: aqueles que atuaram como assessores e secretários das comissões e relatoria, independentemente se convidados, efetivos ou requisitados; Grupo 4 – Divulgação: servidores que atuaram nos meios de comunicação da Constituinte – Jornal da Constituinte, Diário da Constituinte e A voz da Constituinte, independentemente se convidados, efetivos ou requisitados; Grupo 5 – Lideranças Partidárias e Gabinete do Presidente– aqueles que trabalharam nos gabinetes das lideranças e no gabinete do presidente, atuando diretamente com os parlamentares. De cada grupo, foram entrevistados, prioritariamente, pelo menos dois servidores, podendo ser um número maior conforme a disponibilidade de colaboradores e/ou da abrangência do conteúdo coletado em cada entrevista. 

Para a realização das entrevistas, foi feita consulta aos dados funcionais dos servidores e em outras fontes que pudessem ilustrar sua trajetória. Para cada servidor, elaborou-se ficha de entrevista com dados pessoais e dados da realização da entrevista (local, duração, equipe, etc); síntese biográfica; termo de cessão dos direitos autorais; roteiro de entrevista semiestruturada composto de quatro partes: a) a história de vida do colaborador (origem econômica e social, nascimento, família, formação, profissão, infância, adolescência, redes de sociabilidade – políticas, interpessoais, sociais, afetivas, intelectuais); b) a história profissional do colaborador (ingresso na instituição de trabalho, início e desenvolvimento da vida profissional); c) a Assembleia Nacional Constituinte (visão pessoal do contexto em que se deu o processo Constituinte); d) a atuação do colaborador na Constituinte (detalhamento de sua atuação profissional na Constituinte). Durante a entrevista, os itens a e b receberam menor ênfase frente aos itens c e d. Todas as entrevistas foram gravadas em vídeo e foi feita uma sessão de fotografias para acompanhar o texto final da entrevista.

Todas as entrevistas passam por diversos procedimentos para gerar o depoimento-documento final. O primeiro deles é a transcrição integral da entrevista. Esse texto é lido e conferido com o vídeo. Nesse momento, também é feita a primeira revisão do texto escrito, complementando as denominações das siglas e suprimindo itens ininteligíveis. Após a primeira revisão, o texto é compartilhado com o colaborador para correção, retirada ou acréscimo de alguma fala. As alterações que modificam substancialmente a fala original são destacadas em itálico ao lado do trecho original. Aquelas alterações de pouca monta são incorporadas diretamente no texto sem destaque. Em seguida, é feita a segunda revisão que consiste em editar o texto seguindo diretrizes de textualização (correção ortográfica e gramatical, eliminação das marcas mais evidentes de oralidade, clareza e outras regras do registro escrito formal), transcriação (transformação da entrevista em um depoimento, com supressão das perguntas e topicalização das falas) e documentalização (conferência dos dados, com a inclusão de notas explicativas sobre dados históricos e outros que se façam necessários ao entendimento e contexto do depoimento). Este texto último é considerado o documento final. Em paralelo, também são elaborados uma síntese biográfica do servidor e um sumário do depoimento a partir da organização dos tópicos. Todos os textos são acompanhados de fotografias que registram o momento da entrevista, juntamente com a entrevista em vídeo, constituem o dossiê do entrevistado.

           

Rildo Cosson

Gerente do Projeto

 

Vanderlei Batista dos Santos

Diretor da Coordenação de Arquivo



[1] ALBERTI, Verena. O fascínio do vivido, ou o que atrai na história oral. Rio de Janeiro: CPDOC, 2003. 4 [f].

[2] MEIHY, J.C.S.B. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 2002. 246p.