Texto

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

 

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

 

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

 

PROGRAMA MEMÓRIA POLÍTICA - ENTREVISTA COM VERA SILVIA MAGALHÃES

EVENTO: Entrevista                   

N°: ESP004/03

DATA: 12/05/2003

INÍCIO: 09h00min

TÉRMINO: 10h39min

DURAÇÃO: 01h39min

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 01h39min

PÁGINAS: 36

QUARTOS: 20

 

 

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

 

VERA SÍLVIA MAGALHÃES – Economista e socióloga, ex-combatente contra a ditadura militar no Brasil.

 

 

SUMÁRIO: Entrevista com a Economista e Socióloga Vera Sílvia Magalhães - Programa Memória Política.

 

 

OBSERVAÇÕES

 

Há palavras ininteligíveis.

Houve intervenções ininteligíveis.

Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST  27/01/2009 (TT)

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Eu queria que você contasse para a gente, assim, onde você nasceu, sua formação, suas origens, seus pais.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Bem, eu nasci, como eu te disse, no Rio, na mesma... Eu esqueço a maternidade.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Arnaldo de Moraes.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Hã?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Arnaldo de Moraes.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Arnaldo de Moraes. Bom, nessa época, eu já pertencia a uma família, assim, de esquerda. Meu pai era mais pelo comunista, no sentido tradicional do termo, PCB. Minha mãe não era exatamente. Ela não tinha uma definição clara, mas ia bastante de acordo com as idéias dele. E eu já comecei, eu já comecei a viver, na minha casa era uma confusão de reunião, de sargento, de não sei o quê, era realmente... Eu nasci numa forma que dificilmente eu não seria de esquerda. Eu acho que não tinha jeito, tanto é que a minha irmã é, eu sou, meu sobrinho, e aí vai.

Agora eu acho que a minha mãe influenciou muito esse lado da mulher. Era uma mulher de vanguarda, no sentido dos costumes. Em Porto Alegre — imagine! —, casou grávida, essas coisas, realmente era tudo um escândalo. Porto Alegre ainda é uma cidade pequena, imagine em quarenta — quando a minha irmã nasceu —, 45. Foi um escândalo o casamento dela; famílias tradicionais e tal.

Agora, ela tinha esse lado, assim, de realmente colocar a questão da mulher permanentemente — entendeu? —, defender as nossas posições, ter itinerário próprio, não ir a reboque de marido. E essas idéias, para mim, foram fundamentais, não só vieram dela, vieram da minha prática social, posteriormente. Mas ela teve um papel.

O meu pai intelectual, do ponto de vista intelectual, um cara que lia 10 livros por semana, ele era advogado também — ele é hoje aposentado — do DNER, ele era Procurador-Geral. Então, era um cara que era um comunista. O irmão dele era do PCdoB, se escondia na nossa casa, no Rio.

E eu com 11 anos, esse meu tio, tio Carlinhos, me deu de presente o Manifesto Comunista. Onze anos! Daí meu pai disse: “Ela não vai entender”. (Risos.) A minha irmã 13. Para as duas. “Ela não vai entender.” “Ah, não tem problema, vou explicar para ele”.

O meu pai dava as roupas para ele dar para os companheiros e tal. Aí ele deu um terno para o tio Carlinhos. Aí o tio Carlinhos — 2 ternos —, aí o tio Carlinhos mostrou para mim e disse: “Olha, sabe o que que é? O que que esse livro quer dizer? Quer dizer o seguinte: chega um companheiro seu e precisa da calça, você dá a calça, e para o outro você dá o terno”. Aí o meu pai chiou. Ironicamente, disse: “Olha, comunista não é falta de gosto. Dá um terno inteiro para um, um terno inteiro para o outro, e vamos discutir com elas então esse Manifesto Comunista”.

Aí foi, eu sei que foi uma literatura, claro, difícil, mas eu me encantei: “Proletário do mundo, uni-vos”. Eu me encantei, achei uma coisa bonita. E saí dando as minhas bicicletas. Eu não entendi aquilo do tio Carlinhos, eu tinha que ficar despossuída. Como eu era uma filha de classe média alta, nós tínhamos uma vida bastante boa, meu pai ganhava bem, eu tinha um tio que era Ministro, a gente tinha uma vida boa.

E eu despiroquei. Saí dando as minhas bonecas. Minha mãe dizia: “Olha, minha filha, não é isso. Isso não é o socialismo”. Eu disse: “Claro que é”. Olha, foi uma loucura. A minha irmã, que era mais velha, mais ponderada, dizia: “Verinha, não é assim Verinha, não é assim. Essa revolução que o Marx quer dizer não é assim”. São os proletários, tentando me explicar. Mas não adianta, eu entendi o socialismo como dar tudo que é meu, e até hoje eu sou assim. Eu sou despossuída. Se você chegar aqui quiser um livro pode levar; se for lá dentro quiser uma roupa pode levar. Eu sou assim mesmo, e não é demagogia. E eu atribuo muito ao tio Carlinhos, que é vivo ainda e é advogado, mora em São Paulo. É Carlos Pestana Magalhães. Meu pai é Cláudio Pestana Magalhães.

E assim foi a minha trajetória. Quer dizer, eu entrei em colégios... Um primeiro colégio era bem tradicional, que era o Chapeuzinho Vermelho, que era bem tradicional, é até hoje, e eu brigava lá porque eles exigiam que a gente fizesse as coisas em inglês. Eu achava aquilo o máximo da colonização, ficava possessa, eu brigava com os professores. Mas eu tinha uma... A diretora me adorava, a tia Madalena. Então, eu não fui expulsa. Aí, quando acabou o primário, eu fui para o Colégio São Paulo, esse aqui do lado. É o mais tradicional do mundo. Porque a minha mãe, por um lado, ela tinha medo, medo de que eu tomasse condução, medo de que eu fosse para o Andrews — a minha irmã já estava no Andrews —, aí eu fiz uma greve lá no Colégio São Paulo, no retiro, fazer barulho no dia do retiro. A greve era o contrário. Não era não ir, era ir e esculhambar com o colégio.

Como eu era a primeira aluna, ela não me expulsou, mas me deu cartão vermelho. Eu me inscrevi no Andrews, passei com nota 10, eu era muito boa aluna, eu sempre fui, eu tive esse lado careta. Aí, passei com nota 10, e fui para o Andrews. E no Andrews eu realmente encontrei uma atmosfera liberal, porque o Flecha Ribeiro, a gente sabe muito bem, que é um homem liberal, no mal e no bom sentido da palavra. Mas, do ponto de vista da educação, a gente fazia o que queria. Eu era do Grêmio, eu era do setor cultural do Grêmio, a minha irmã do teatro, meus amigos eram todos comunistas. A gente lutava para quebrar...

Eu escrevi um artigo no Jornal Mural que era Ser Revolucionário. Era mais ou menos dar as bicicletas, dar os cadernos, dar o que eu achava que era ser revolucionário; passar fome. (Risos.) Quer dizer, claro que não era isso. Mas ele deixava. Tinha outro amigo meu que escreveu sobre como é a educação na União Soviética. Ele pesquisou e fez um artigo. Do outro lado tinha o Cacaso, que fazia caricatura de todo mundo: da direita, da esquerda, de todo mundo do colégio. E a gente acabou fazendo essa greve. Agora, essa greve foi um horror! A minha mãe era amiga do Edgar, do Flecha Ribeiro. Então, ela pediu: pelo amor de Deus... Ela fez os cartazes, porque ela sabia desenhar muito bem, ajudou a preparação da greve, que foi na minha casa, mas pediu para a gente não aparecer imediatamente, começando a greve.

Não só fizemos, eu e a minha irmã, mais os nossos companheiros na época, isso aí não era desorganizado. A gente chegou ao colégio e botou um cimento no portão. A greve foi muito bem‑sucedida. Ninguém entrou, mas eu fui suspensa — eu, minha irmã, o Jorge Eduardo, esse que hoje é da ONG. Era um grupo seleto, de gente intelectualizada. Eles faziam grupo de estudo, lia Marx, lia Lenin, lia literatura. Eu, por exemplo, nunca deixei de ler literatura, poesia, a gente tinha poeta dos grupos, que era o Cacaso. O Cacaso era o caricaturista, era do grupo, e casou com a minha melhor amiga, que era a Leilah — é a Leilah, a Leilah está viva.

Então, realmente, o ambiente do Andrews propiciou uma decolagem mesmo para esquerda, por incrível que pareça, porque era um colégio burguês, com um preço muito alto mesmo. A greve era contra o aumento da mensalidade, só que todo mundo podia pagar. Então, só botando cimento mesmo. Senão não ia ter greve.

No dia... Em 64, eu me lembro que a gente rachou lá, as turmas se racharam. Eu fui para o comício, aí eu já estava ligada a AMES, não era a organização, era a Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas. Fui com o pessoal do CAP, do Pedro II, já tinha me casado — me casado não, eu estava vivendo junto com o Zé Roberto, que depois foi assassinado — e já tinha uma vida política bastante rica mesmo. Eu queria... Mas eu não deixava de ler, era a nota 10 no colégio, no vestibular. A gente tinha uma visão de que para ser vanguarda a gente tinha que ser perfeito, que também é uma megalomania.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Vera, só um instantinho. Vou pedir para você abaixar...

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Ah, é. Eu sou...

 O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Está tudo bem. A quantidade está ótima.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)- Você foi ao comício da Central?

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Eu fui da Central, fui organizadamente. Fui com um grupo do CAP. O CAP é isso: colégio da UFRJ. Não sei o que quer dizer a sigla, meu Deus —, o CAP, que era um colégio “revolucionaríssimo” nessa época, só tinha professor de esquerda, o Andrews só tinha professor de esquerda, graças ao liberalismo do Flecha Ribeiro, e o Pedro II era de esquerda por definição. Era um colégio público, com professores de alto nível, todo mundo politizado. E a gente já fazia um grupo, a gente se reunia no Jóia, ali em frente ao CAP, que ainda tem até hoje o Bar Jóia, no Jardim Botânico. E dali nós fomos para o comício do Jango. Bom, ali estava na cara que não ia dar certo. O Jango não ia conseguir segurar. Foi uma grande discussão, eu briguei com a Leilah — a Leilah era meio de direita —, apoiava o golpe, não sei quem não apoiava o golpe. Foi uma confusão no Colégio Andrews assim enorme. Aí eu fui lá e dei uma aula dialética. Peguei o (ininteligível)... A minha dialética era um pouco primária. E aí dei uma aula. Foi o maior sucesso. Era aula de história. Ganhei 10, e todo mundo bateu palma. Agora, ninguém entendeu nada. Depois eles me disseram: “A dialética não dá para entender o “não”, o que é “não”, o que é “sim”, o que que é isso, esse movimento, esse troço. Você tem que dar outra aula”. Aí eu disse: “Então, tá bom. Vou dar uma bem primária. Transformação é o seguinte: eu pego o sapato e pinto de amarelo. Pronto. Transformou”. (Risos.) Aí foi primário demais. Eles acharam muita graça, isso os meus colegas.

            E, a partir daí, eu fui decolando mesmo. Eu entrei na base da dissidência da economia, porque eu ia fazer vestibular para economia.

Bom, aí, quando eu fui fazer esse vestibular, eu já estava organizada, eu já estava ganhando o Franklin, eu já estava ganhando o Zé Roberto, o pessoal do Aplicação e do CAP, do Pedro II, eu já estava fazendo trabalho político mesmo para eles entrarem na dissidência. E todos iam fazer economia. Então, era num cursinho pré-vestibular, esse trabalho era num cursinho pré-vestibular. Eu ia de manhã no cursinho, de tarde e de noite, para ganhar gente para a dissidência, e ganhei muita gente. Meus amigos até hoje, inclusive, apesar do Franklin hoje pensar muito diferente de mim, eu gosto dele, tem um afeto aí que transita, e é uma coisa que ninguém acredita, mas o que a gente fez de melhor, eu acho, foi isso: foi construir afetos, amizades, solidariedade e valores, uma ética de comportamento. Eu acho que isso foi o melhor que a geração de 68 fez, foi muito mais eficaz nisso do que na luta contra a ditadura, e nos costumes, nós realmente rompemos com vários costumes.

            Depois dessa minha entrada na dissidência, foi em 66, em 67 é o vestibular em que todo mundo entra, primeiros lugares, o Carlos Wainer, todo mundo, tudo primeiro lugar.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Quem eram os seus companheiros nessa época?

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Nessa época eu já vivia com o Zé Roberto. Agora, o pessoal da base, da economia, era o Marcão, que depois para o PCBR, o Marco Antônio Costa, o Samuel Aarão Reis, irmão do Daniel Aarão Reis, meu grande amigo até hoje, professor de História na UFRJ. Quem mais, a base era enorme, já esqueci o nome.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - O Franklin.

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - O Franklin, mas isso já em 68. O Franklin entra em 68, porque ele vai para o DCE, ele fica Presidente do DCE.

A gente ganhou a Faculdade de Economia, era da direita, e a gente ganhou para a esquerda. A nossa entrada na faculdade mudou completamente os rumos da faculdade. Por isso que a gente teve tanta sensação de vitória sem exatamente ser uma vitória. A gente não percebeu que aquilo eram etapas, que a gente podia levar uma grande porrada na frente, como levou. A gente tinha vitórias parciais, ganhava o DCH da Economia, ganhava Filosofia, ganhava o CACO. Então, parecia que éramos realmente a Marcha do Mao Tsé-Tung, quando absolutamente não éramos. Éramos estudantes, limitados do ponto de vista social, não tínhamos integração com as classes fundamentais, que, em princípio, faria uma revolução — nem sempre, mas que estariam preparados para uma revolução. Nós éramos estudantes e intelectuais, claro. Em 68 ampliou um pouco com a morte do Edson Luís. Enfim, o assassinato do Edson Luís deu uma ampliada para professores, para artistas plásticos, mas tudo na área intelectual e classe média. Ninguém ampliou para nada fora disso.

Em 68, quando Caio, Ibiúna e todos os líderes estudantis são presos, o que que a gente faz? A nossa perspectiva fica completamente sem perspectiva. O Arantes é preso, todos são presos. O Travassos é preso, o Dirceu é preso, o Vladimir, que era o grande dos grandes, é preso. Em Recife, os DCEs todos caem, em Fortaleza, caem, caem em todos os cantos, depois de Ibiúna. Também ele fez a burrice de reunir toda a liderança num mesmo lugar. É claro que a repressão ia seguir, saber onde era. Prendeu a liderança e ficou com os grandes líderes. Só sai o seqüestro do embaixador americano.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas eu queria que você falasse antes da Passeata do Cem Mil. Como é... Isso aí...

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Isso aí foi depois do Edson Luís.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Isso. Isso foi uma injeção de euforia para vocês de poder. O que isso representou? Como é que foi a sua participação?

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Foi, porque ninguém imaginava que nós íamos levar 100 mil pessoas para a rua.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como é que foi a tua participação nessa época?

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Eu, nessa época, eu era do Comitê Central. (Risos.) Desculpa. (Risos.) Ai, meu Deus, é ridículo! Tem coisas que são ridículas.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Mas nessa fase...

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Não, eu era secretária de Macias, do Comitê Central. Eu dava as ordens para o Vladimir. Vê se tem algum sentido? Eu tinha 19 anos, entendeu? E o Vladimir olhava para mim: “Tá bom, Vera, tá bom”. E ele fazia o que ele queria. Ele quem estava em contato com a massa. Eu era uma burocrata muito empedernida, bastante revolucionária, no bom sentido, queria que o processo avançasse, mas quem fazia avançar o processo era o Jean-Marc, da AP, enfim, eram os líderes. Na verdade, eu era vanguarda, entendeu a diferença? Vanguarda, liderança, vanguarda e liderança ao mesmo tempo, também existia, como o Vladimir.

Agora, realmente, ninguém imaginou levar 100 mil pessoas para a rua. Ninguém! Aquilo foi uma apoteose. Quer dizer, a gente ficou eufórico. E foi a única passeata pacífica. Nós já tínhamos feito milhões de passeatas no Rio, desde 64. Não foi uma nem duas. No Rio, São Paulo, nas grandes cidades, no Nordeste, passeata atrás de passeata. A nossa forma de luta era ir para a rua, brigar dentro da faculdade — entendeu — por bebedouro, mas ir para a rua contra a ditadura. Era essa a tática, a estratégia.

Então, a gente fazia isso continuamente, diariamente. Tinha vezes que eu ia todo o dia para a passeata, eu levava porrada, caíamos, íamos para o hospital, era uma verdadeira guerra na rua, e eles armados, se bem que eles não atiravam, eles jogavam lacrimogêneo, cacetada, e quando atiravam era para o alto. Mas era um terror.

Sei que quando o Costa e Silva, quando foi o Marcos Medeiros, Presidente do Diretório da Filosofia; Franklin Martins, Presidente do DCE... O Marcos não entrou por causa do cabelo grande; Costa e Silva não deixou entrar no Palácio da Alvorada. Ridículo! Bom, quem mais? Tinham outras lideranças.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – O Hélio Pellegrino, que foi.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - O Hélio Pellegrino foi, de outro setor. Ele não era nem professor, ele era...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Intelectual.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Intelectual. Ele foi, e o Costa e Silva o recebeu, e disse que a passeata seria pacífica. Eles iam deixar sem repressão. A gente não acreditou. Arrumou os grupos, a gente fazia uma tática guerrilheira — “guerrilheira”, entre aspas, não era uma guerrilha de verdade. Mas a gente tinha... Quando a gente saía na rua, a gente se organizava dentro da faculdade, em grupos, tinha encontros alternativos. A passeata saía na Cinelândia, mas podia sair na Rio Branco, dependendo da repressão estar aonde. Podia sair na Tiradentes. Quer dizer, a gente tinha, a gente tinha pontos de segurança depois da passeata para encontrar as pessoas. Era tudo em grupo. Ninguém era bobo. Quando caia alguém ou alguém ia para o hospital a gente sabia, sabia e tomava as providências.

            Mas, enfim, é o que estou dizendo, esse foi um momento apoteótico, foi um momento... Realmente, foi o ápice da nossa vivência enquanto revolucionários. Eu estou falando da vanguarda. A própria massa vibrou muito, foi realmente uma passeata, teve aquele discurso do Vladimir pelo socialismo, que foi uma das coisas mais bonitas que eu já ouvi pelo socialismo, porque ali não se falava em socialismo, falavam da ditadura. Ele abriu o campo para o socialismo ali onde é hoje a Câmara dos Vereadores. Na época era o quê?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Era a Assembléia.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Era a Assembléia Legislativa. Foi lindo.

Bom, no enterro do Edson Luís ele já tinha feito um discurso ali, mas não tinha 100 mil. Cem mil pessoas era muito para o Rio de Janeiro naquela época, era muita gente.

Mas depois o movimento estudantil começou a murchar, é aquilo que nós chamamos de descenso, descenso das férias, descenso das... chamava de descenso, agora é a hora do descenso. Mas sempre achando que ia voltar à rebarba. Mas, a verdade é que o Ibiúna, o AI-5, as duas coisas juntas foram demais para o movimento estudantil. Todo mundo foi preso. Ali, o Ibiúna — houve uma triagem, as lideranças ficaram 1 ano, sei lá quanto tempo — preso. Agora, o movimento estudantil se desmobilizou porque as pessoas começaram a ficar com medo, um medo concreto da prisão, da porrada, da tortura. Já foram ameaçados. E depois veio o AI-5, em dezembro, 13 de dezembro. Quer dizer, o AI-5 foi o golpe dentro do golpe. Sobe o Garrastazu Médici, e aí, vocês sabem, a porrada “comeu”. Aí ficou na vanguarda, no movimento. Aí já um movimento não mais estudantil, mas um movimento social, de tomada do poder — era isso o que queríamos — e transformação daquilo em socialismo. E nós não éramos exatamente contra a ditadura. Nós éramos contra a ditadura militar burguesa, mas nós éramos a favor da ditadura do proletariado. Isso ninguém diz. Mas tenho que dizer, faz parte da nossa história. Nós éramos leninistas. Não digo toda a esquerda, não posso falar por todos, porque tem o maoísmo, que tem uma outra posição; a AP tem uma outra posição — Ação Popular. Mas aí eu não acabo de falar. Tenho de falar do que eu vivi, não é? Mas na dissidência nós éramos leninistas, trotskystas, no sentido da revolução internacional. Nós tínhamos vários princípios. Agora, desses princípios “morreu Neves”, pois não foi possível aplicá-los. Nós não aplicamos. A gente teve... O nosso primeiro grande erro foi que a gente fez uma conferência em abril de 69 para mudar a linha política de 67, que era uma linha pacifista muito influenciada pelo Partidão ainda. Nós tínhamos acabado de sair do Partidão em 67. Em abril de 69, antes do seqüestro do embaixador americano, a gente muda a linha, e quem escreve essa linha sou eu e o Franklin Martins. Nós éramos bem esquerdistas dentro da organização — nós éramos bem esquerdistas, bem militaristas. Aí sai uma linha militarista, aprovada pelo congresso. Era um congresso, assim, de 10 pessoas. (Risos.) E a gente chamava de congresso. E eu fui destacada para a Frente do Trabalho Armado. Saí da direção-geral e fui para a Frente do Trabalho Armado. Realmente, eu detestava a luta armada, ou melhor, eu nem chamo de luta armada. Hoje, olhando para trás, eu sei que aquilo não foi uma luta armada, foram ações armadas e de propaganda armada. Agora, eu, individualmente, vou para essa tarefa porque baixaram. Eu morria de medo. Era mentira a loira, me chamam, a repressão, loira 90, como se eu usasse dois 45. Eu tinha mal um 38, que emperrava toda hora; uma metralhadora INA, que era ridícula, que nunca dava um metralhaço. Quer dizer, nós estávamos ali com a vontade e a coragem, realmente. E eu, quando fui para essa missão, eu disse: “Olha, eu não tenho aptidão para luta armada, eu não sou uma pessoa violenta, nem vocês são”. O grupo tinha 7 pessoas. “Mas vocês são homens...” — eu era a única mulher. Quer dizer, eu esqueci um pouco os dizeres da minha mãe e usei esse argumento: “Vocês têm... o Franklin é forte, é judoca; o Cid é judoca, tem intimidade com as armas...”. Quem mais? Tinha outro. Teve um lá que saiu. Teve uma ação e foi embora. Foi uma ação de banco. Tinha um banco que a gente fazia... era uma loucura! (Risos.) Era um banco em São Cristóvão, que tinha uma entrada, assim, imensa de carro. Então, ninguém via o assalto. E a gente só assaltava esse. Só! (Risos.) E ele ficou nervoso no meio da ação e despencou a atirar. Ficou nervoso. Aí voltamos para lá. Mas fizemos a ação. Ninguém caiu. Fomos embora. Fomos para a casa, vamos nos reunir e tal. “Olha aqui, não dá; esse cotidiano não dá. Eu não vou mais nesse banco, ninguém mais vai nesse banco”. E aí ele disse: “Olha, eu não vou mais a lugar nenhum. Eu vou para Frente de Trabalho Operário”. Porque a gente tinha Frente do Trabalho Operário, Frente do Trabalho de Camadas Médicas e Frente do Trabalho Armado. E aí eu disse para ele: “Vá mesmo”. E ele inclusive tinha uma origem operária. “Você vai se dar melhor lá”. Só que operário a gente não tinha mesmo. A gente ia para as fábricas, fazia panfletagem, enfim, todo mundo sabe que ninguém tinha operário, a não ser o Partidão, o pessoal que vinha de outra. Mas a gente nem ganhava. Os operários ficavam alardeados quando a gente ia fazer uma ação armada. Era um desespero.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Vera, vocês não tiveram nenhum treinamento para isso, não fizeram nenhum estágio...

 A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Não, nada. O meu treinamento dizem que foi em Cabo Frio, naquele... mas não, o meu treinamento foi na Floresta da Tijuca. O João Lopes Salgado, que é ex-militar, treinou todo mundo. Pegou umas balas de INA, que era a metralhadora que a gente usava, do Exército. A gente roubava nas guaritas aqui no Leblon. Era assim. Era um amadorismo total. E a gente ia com a INA que engasgava, com o revólver que... e fazia as ações. E quando tinha tiroteio, mandava ver.

Bom, o que que leva uma juventude a isso? Acho que havia um ideal, havia um ideal ético, épico, havia um ideal socialista. A gente queria um país muito diferente do que era. E a gente achava que tinha que fazer tudo o que a gente pudesse fazer para mudar, mesmo que... não reconhecia essa falta de apoio. A gente achava que nem precisava disso. Na luta armada, o exemplo cubano era o mais utilizado. Do Régis era Debret. Quer dizer, os piores exemplos possíveis, sendo que a revolução cubana não foi nada disso que o pessoal diz. Não foram as 3 colunas. Foi o movimento 26 de julho, de massa, embaixo, que parou a cidade, quando as colunas desceram e pegaram o Baptiste, entendeu? Não foram... As colunas foquistas tiveram uma função, mas eles tinham todo o apoio do Movimento 26 de Julho: para comer, para viver na Sierra Maestra, entendeu? Esse “foquismo” é uma coisa muito relativa. O Regis Debret é um foquista, inclusive foi eu que o trouxe do Chile, quando tirei férias, pois estava muito cansada na militância. Peguei as teses do Debret e traduzi. Foi um horror. Foi a pior coisa que fiz para a esquerda armada, porque aí todo mundo achou que era o Debret que tinha razão. Foi um “babado”.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Me diz uma coisa, Vera, eu quero saber agora um depoimento um pouco mais pessoal — o que uma garota de classe média...

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Faz nisso, não é?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Bonita!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Não. Sentiu — bonita, de classe média —, sentiu quando fez a sua primeira ação armada. Quando você estava com uma metralhadora ou um revólver na mão, você estava com uma peruca loira? Como é que você se sentiu? Você entrou em um banco — aquela coisa que você só vê em filme — e o que você realizou ali? O que te passou?

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - É, mas você não cai na real. É fundamental manter o sonho. Se você não mantiver o sonho, se você cair na real, você não vai se identificar com o que você está fazendo. Eu, sinceramente, tive medo. Tive medo da própria arma, da minha arma, quanto mais das outras que vinham contra mim. Eu, inclusive, achei que não tinha a menor capacidade para fazer a luta armada — e não é que eu não só me especializei como me tornei um quadro — eu era um quadro político, basicamente, como chamavam o “quadro de intelectualizado” — mas eu me tornei um quadro militar. Entendeu? É uma coisa que não dá para... não tem um raciocínio lógico. Nós queríamos uma coisa muito difícil a ser alcançada, que era o socialismo. Então, todas as dificuldades teriam que ser superadas: o medo, a falta de arma, o inimigo. Não nos dávamos conta do isolamento político em que estávamos, tanto é que a gente faz o seqüestro do embaixador americano. Quer coisa mais audaciosa do que essa? Qual foi a guerrilha que fez isso? E nós não éramos guerrilha. Nós éramos um grupo de 40 pessoas. O chefe, o chefe não, o nosso grande amigo Vladimir preso. Por isso que nós fizemos a ação do americano, para tirar o Vladimir. O resto a gente botou na lista com critérios políticos, como disse o Franklin. Eu dizia: “Não, temos que botar os quadros militares que estão sendo torturados”. E o Franklin dizia: “Não, temos que botar os quadros políticos, que são os estudantes, que não estão sendo torturados”. E aquele do Nordeste também entrou o...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Gregório Bezerra.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - ... Gregório Bezerra. Por critério político. Era um quadro representativo.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Me diz uma coisa: em que momento vocês resolveram seqüestrar o embaixador? Como é que isso foi decidido? O Vladimir ficou sabendo disso?

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES -  Ficou e foi contra.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Você foi lá na...

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Eu não. Quem foi foi o Cláudio Torres visitá-lo, lá no arsenal da Marinha. Nós éramos quadros legais — legais do ponto de vista de que a repressão não conhecia até o seqüestro do embaixador americano, com exceção do Daniel Aarão Reis, de pessoas assim, de liderança de massa.

O que nos ocorreu era o seguinte: nós temos que fazer uma ação que rompa a censura da imprensa, uma ação de propaganda armada que mobilize o povo, mostrar que é viável tomar em armas, desmoralizar o Governo. Era o triunvirato, era 7 de setembro — porque a gente escolheu a data propositalmente. Foi muito bem pensado. Só não pensamos na repressão que viria e destruiria não só nós, mas a esquerda toda, porque ali foi seqüestro em cima de seqüestro para tirar seqüestrador. Seqüestrava para tirar seqüestrador; seqüestrava para tirar seqüestrador; até que acabaram os seqüestradores, todos presos, banidos, exilados. Quer dizer, isso aí foi uma trajetória de derrota, no meu entender. Agora, nós fomos derrotados na nossa perspectiva mais profunda, que era criar o socialismo em um país subdesenvolvido, com a participação do proletariado, do campesinato. As nossas teses eram as teses da revolução russa e, vamos dizer, da chinesa, em alguma coisa, e trotskysta, do ponto de vista internacional. Imaginem! Tudo isso nós queríamos fazer. Um grupo de 40 pessoas! A dissidência tinha 40 quadros e 5 simpatizantes, no máximo. Entendeu? Como é que a gente ia fazer alguma coisa tão grandiosa? É isso o que eu digo: há uma defasagem muito grande entre a linguagem, entre o real e o sonho, entre o que nós queríamos eticamente e filosoficamente para o mundo, para o Brasil e para a humanidade e o que era possível fazer. A ficha não caiu. A ficha não caiu nem no exterior. No exterior, a gente ainda foi para Cuba se militarizar. Lá, em Cuba, é que a ficha caiu, entendeu? Senão, tinha voltado todo mundo e morrido, como foi com o grupo do Dirceu.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A ficha caiu como?

 A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - A ficha caiu que nós tínhamos sido, de fato, derrotados. Eu, pelo menos, pensava assim, o Gabeira, os mais sofisticados. Que nós tínhamos sido derrotados. A nossa perspectiva não teve trânsito, não teve apoio. Nós ficamos isolados. Não fizemos luta armada. Fizemos, no máximo, ações armadas que não tiveram a dimensão de uma revolução cubana, nada isso. Não houve isso. No Brasil, a “guerrilha rural” — entre aspas — foi um treinamento do Lamarca e um treinamento do PCdoB no Araguaia. Em 74, acaba a esquerda. Eles destroem Araguaia, destroem os militantes do PCdoB. Ali foi a última tentativa. E ali era um treinamento. Não era a guerrilha ainda. Quer dizer, cai a ficha quando o Lamarca é assassinado. Entra no MR-8. Ele sai da VPR, entra no MR-8 e é assassinado lá, na Bahia, a toque de caixa. O Marighella é assassinado a toque de caixa. Os grandes líderes, que eles tinham acesso, eles assassinavam. Não queriam nem torturar. E os outros, a gente via o quê? A gente via pessoas destruídas, porque a tortura destrói. Quando destrói, você sofre fisicamente, te destrói moralmente. É uma coisa feita para acabar com a pessoa mesmo, acabar com aquele militante, aquele revolucionário. Ele tem que parar de pensar — é isso o que tem que acontecer. Só que eles não conseguiram isso. A gente parou de agir dentro daqueles moldes anteriores. Hoje, a gente age. Eu acho que eu ajo. Quando eu posso, eu sou do PT, eu faço campanha — quando eu posso! Eu fiquei ruim mesmo. Fisicamente, eu me dei mal, muito mal na tortura. Eu trabalho em ONG, eu subo morro, eu vou às comunidades, eu levo cidadania e direitos humanos. Quer dizer, hoje eu faço a micropolítica. Mas aquela que eu queria era uma macropolítica enorme, tomar o Brasil de assalto. Como é que pode?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Agora, na sua biografia, na sua militância, na sua vida, tem um momento dramático: quando o oficial lhe prende, soltando panfletos em um morro. Não sei qual é o morro.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Jacarezinho.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Jacarezinho. Aí ele disse: “Olha, agora você vai ser tratada como homem, como soldado”. Não foi isso?

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Foi. Eu fui torturada.

(Intervenção fora do microfone. Ininteligível.)

 A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Levei um tiro quando fui cercada. Mas eram muitos, inclusive o Daniel estava comigo. Nós éramos 2 fuscas. Nós fomos cercados por causa da panfletagem. Eles achavam que a gente ia fazer uma ação de banco. A gente já estava no chamado recuo da luta armada. Era uma loucura. Recuo e todos armados no meio da rua. (Risos.) Não, é muito engraçado. Realmente tem que ter humor. Agora, a gente foi cercado pela RP lá no Jacarezinho, e eles se comunicando por rádio, com a gente vendo e deixando o cerco se fazer. Ele se cercou, cercou o bom. Aí começou: eu dei o primeiro tiro. Realmente, eu não gostava dessa coisa, mas eu tinha muita iniciativa na hora H. Eu dei o primeiro tiro num... Era Polícia Civil ainda. Depois que chegou a Polícia do Exército. Aí eles ficam inteiramente enlouquecidos. Acham que você está com milhões de armas, e saíram de perto. Aí nós corremos. Eu e o Zig entramos na favela. O Zig levou 3 tiros — hoje é um artista plástico bastante conhecido —, e eu levei um tiro na cabeça.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Na cabeça?

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Na cabeça. Eu tive uma concussão cerebral. Tem aqui o tiro. Mas ele não entrou na caixa craniana; ele saiu. Quando eu fui para o Hospital Souza Aguiar quem me recebeu foi um companheiro. Foi a maior coincidência: um médico lá, da Praia Vermelha, e ele viu que era eu. O Zé Roberto, esse meu primeiro marido, tinha acabado de ser assassinado. Então, ele estava extremamente mobilizado. Ele era estagiário. Ele me viu, me puxou de lado e disse: “Olha, é pouca coisa, mas para você não ser torturada hoje...” Aí eu tive uma concussão cerebral pelo impacto da bala. Aí eu fiquei no Souza Aguiar. Meu pai apareceu. E eu dei para esse amigo meu telefone, do meu pai, da minha irmã, da minha mãe, de todo mundo, do pai do Daniel, de todo mundo que eu sabia que tinha caído, e o cara foi legal. Deu os telefonemas anônimos. Porque isso impede a tua morte, não é? Quando a família, pelo menos a de classe média, chegava, impedia que eles te matassem até na tortura. Eles me torturaram na Sexta-Feira Santa. Foi a única pessoa torturada na Sexta-Feira Santa na PE. E eles me disseram: “Você vai ser torturada como homem, como Jesus Cristo”. E aí foi uma loucura o que eles fizeram. Porque eles estavam com ódio de mim. Não sei se porque eu era mulher, porque eu tinha... Sei lá, não sei. Não sei, acho que foi uma tortura inteiramente desmesurada, desproporcional à que os outros... muita gente não foi. A do Daniel foi barra pesada também. Mas para uma mulher, acho que exagerou, exageraram mesmo. Tanto é que eu nunca mais me recuperei fisicamente. Fiquei cheia de seqüelas, cheia de problemas. Agora, também não morri, não é? Eu saí logo. Eu fui trocada pelo alemão. Eu caí em 6 de março e fui trocada em 15 de junho pelo embaixador alemão. Eu ainda estava na tortura, estava na cadeira de rodas...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu agora não me lembro mais... Só para esclarecer: vocês foram trocados pelo embaixador alemão.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - É. E eu realizei o americano.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quem foi que destruiu a relação? Foi o François Bellout  da France L'express?

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Não. Eu não sei, isso eu não sei, mas deve ter em jornal aí.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Vera, esse filme que o filho do Barreto fez, o Bruno Barreto, colocou as pessoas assim como... Lembro que houve alguns protestos. Pessoas, sobretudo... Familiares dos outros...

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - A gente escreveu um livro.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Exatamente.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Seqüestro e seqüestrado.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Então, eu queria que você contasse um pouco, primeiro, qual foi o teu papel? O que você fez nesse seqüestro? E, segundo, esclarecesse, porque a maioria das pessoas realmente tomou contato com o cinema, coisa que pega mais gente, passou na televisão também. Então, tem mais...

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - É. Acho que o grande erro do filme é não colocar a tortura como uma política de Estado. Os torturadores têm conflitos, os revolucionários não têm conflitos, são lineares e burros. Eu apareço nas 2 mulheres. Eu faço o papel que as 2 fazem, também esteriotipado: loura. A Cláudia Abreu era mais ou menos o meu tipo físico.

            O SR. APRESENTADOR (Ivan Santos) - Você era loura? Você usava peruca loura como...

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHAES - Não, eu era bem clara, com o cabelo bem claro. A peruca era loura, nas ações. Mas eu, pessoalmente, eu era clara, bem clara. Ainda sou muito branca. O cabelo é que não deu, tive que pintar mesmo. (Risos.) Mas era bem claro.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E como é que foi sua participação? O que você...

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHAES - Quando nós decidimos essa ação, foi essa a decisão. A gente já tinha feito um cofre de um Deputado do MDB — devia ter pego um da ARENA, mas pegou um do MDB — e pegou o dinheiro todo. O cara morava na Nossa Senhora de Copacabana, a gente pegou dólares — ele tinha dólares que não era normal escondidos —, jóias e quadros, peças de artes, quadros de artes. A gente levou tudo. Então, com isso, a gente ficou com uma infra-estrutura — que a gente chamava de infra-estrutura — para uma grande ação. Aí, a gente ficou refletindo qual seria a grande ação para tirar o Vladimir. Primeiro, a gente pensou em fazer o resgate dele em São Paulo, quando ele fosse fazer o depoimento. Ele foi contra. O Vladimir era muito ponderado. Ele preferia a cadeia do que a nossa maluquice. Ele era muito ponderado. Depois que ele ficou mais, assim, esquerdista. Mas ele era muito ponderado. Aí, quando a gente disse para ele: “Bom, estamos...” O Franklin deu a idéia de fazer um seqüestro do embaixador americano — não é de qualquer um. O Franklin leva isso para a direção da organização. O Cláudio Torres topa — o Franklin era o outro da direção — a proposta dele, o Daniel vacila. Aí, vai para a Frente de Trabalho Armado. A Frente de Trabalho Armado por inteiro, unanimamente, topa. Quem ia fazer éramos nós! Bom, aí, continuou: se discutiu aqui, se discutiu ali. Aí, a gente convenceu o Daniel. Só faltava ele. E dissemos: “Bom, vamos pedir reforço para a ALN”. Mas foi uma bobagem. A ALN também não tinha arma (risos), não tinha dinheiro (risos). Vai lá um quadro nosso, para São Paulo, fazer contato com o Marighella. O Marighella foi contra a ação do americano. Ele foi contra. Toledo que era... Eles não tinham esse negócio de direção como a gente não. Era grupo de fogo. O Toledo é que quis, o Velho. Ele é que quis a ação do americano. Para o Marighella, ele ia lançar a guerrilha rural nos próximos meses, e com o Jonas. E o Jonas vai para a ação. O Toledo chama o Jonas, faz o grupo de fogo: Paulo de Tarso, Manoel Cirilo, Jonas e Toledo. Aí, chegam ao Rio sem armas, todo mundo com pistola, com umas bobagens. Aí: “Porra, cara, a gente pediu reforço. Gente, a gente tem para fazer essa ação”. Mas, aí, era importante colocar a ALN, por outro lado, porque o Marighella era bem conhecido da repressão, não estou dizendo da população. Metemos o Marighella, claro. Inclusive, o Franklin fala que vai lançar a guerrilha rural no manifesto. O manifesto também é do Franklin. O Franklin tinha idéias geniais, mas era completamente maluco. Aí, fizemos a ação. (Risos.) Ele tinha idéias; não parava de ter idéias. O cofre também foi ele que conseguiu.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Você chama de cofre o quê?

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Um cofre dentro de casa.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Um Deputado.

A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Era atrás da estante dele. Um Deputado. E ele era um cara... Essa ação foi muito engraçada, porque ele era um cara que tinha obras de artes. O apartamento era imenso, na Avenida Atlântica. A gente não tinha levantamento do apartamento. Então, eu marquei a entrevista como jornalista da revista Realidade. Botei salto alto, fui ao cabeleireiro — fui até ao Copacabana Palace —, me fiz assim bela, realmente irresistível. (Risos.) Aí, cheguei, e ele já ficou desesperado. Ele me ofereceu um uísque. Eu não bebo nem... Eu só bebo Coca-Cola, desde aquela época. “Ai, meu Deus! Vou ter que tomar um uísque, em nome da revolução.” Bom, tomei o uísque. Enquanto isso, o pessoal... Eu dizendo: “Olha, eu vou fazer esta reportagem sobre os seus quadros. E eu quero, eu preciso ver antes a sua casa”. Eu queria saber se tinha gente dentro da casa e quem. Aí, fui eu, o Franklin não subiu, sobe o Sérgio Rubens, o Salgado, o comando da ação.

E Ele vai comigo ver as obras de arte. A gente vai vendo, tem gente em tal quarto, tem gente em tal quarto. Aí a gente mapeia o apartamento e vai para a sala. Então eu disse que queria reunir todos os seus amigos. Esqueço o nome do Deputado, ele foi tão simpático. Um dia ele fez um depoimento tão favorável a mim, quando eu fui presa. A mim e a todos os que pegaram o dinheiro dele. Ele foi uma graça, uma pessoa incrível. Aí eu disse: “Chama todo mundo para cá, que nós vamos tirar uma fotografia de todo mundo”. Então vai subir o fotógrafo. Então o fotógrafo vai subindo com a metralhadora dentro daquele negócio de fotografia. Realmente... E a rendição tinha de ser com metralhadora, não podia ser com revólver. Revólver eu tinha, mas tinha de marcar posição. Então todo mundo se reuniu na sala, o João Lopes Salgado, que era o comandante da ação disse: “Sérgio, ilumina”. Era alguma coisa assim. Aí ele ilumina e tira a metralhadora. E todo mundo tira as carteiras do bolso e joga no chão. Foi uma reação imediata. “Não, isso não é um assalto”, a gente diz. “A gente quer os seus dólares, a gente quer as suas jóias. Não adianta fingir porque a gente sabe onde é o cofre”. Aí ele teve um “piripaco”. O João Lopes Salgado era médico. Então ele interrompeu a ação para atender o Deputado. Por isso é que ele ficou tão grato. Como médico. Ele me deu a metralhadora, eu fiquei com a metralhadora na mão, e o João Lopes Salgado atendendo a vítima. Rompe a ação, que é uma coisa inteiramente maluca, porque a gente podia ser preso a qualquer momento... Fazer uma ação dentro de um apartamento na Av. Atlântica. Ele interrompeu, medicou o senhor, botou num quarto separado, deixou o cara sozinho. Quer dizer, o cara podia sair pela porta e nos denunciar. E o que acontece é que a mulher do cara fez isso. A gente colocou‑os na cozinha, como é de hábito, os amigos todos — eram vários quartos de empregada —, e a mulher dele sai para nos denunciar.

Nesse entretempo, chega o filho, o neto, um garoto bem pequenininho, e leva um susto com tanta arma. E eu o chamo e disse que aquilo era um filme de caubói e perguntei de que lado ele estava, do meu lado ou do lado do seu pai. Ele disse que estava do lado do pai dele. O garoto era pequeno, mas entendeu que não era hora de fazer confusão. Aí ficou como um filme de caubói, e o garoto ainda pegou a minha arma. Eu disse: “Não, por favor, essa arma aí não é de plástico, não”. E ele devolveu. Foi uma situação realmente interessantíssima. Então nós saímos com as obras de arte, Portinari, e tantas outras, e tudo isso ia cair no aparelho.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - E dólares também?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Muito dólar, muito dólar. O cara escondia do Fisco mesmo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Quanto?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Não me lembro, isso eu não lembro. Eu sei que era tanto dinheiro que a gente parou de fazer ação de infra-estrutura. E esse dinheiro vai cair num aparelho que minha mãe alugou para mim na Santo Amaro, que era o aparelho do seqüestro do embaixador americano. Quando o seqüestro cai... Porque o seqüestro cai, no dia seguinte a repressão sabe quem fez, onde estava e tal... Porque  eles se informaram durante o seqüestro. Então a minha mãe foi presa.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A sua mãe foi presa?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Foi presa. Para ela dizer onde eu estava, mas ela não sabia, nem eu sabia.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ela foi torturada?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Não. Ela foi assim, com interrogatório, psicologicamente, não é? Mas ela bebia muito e fez um escândalo tão grande que acabaram dando uísque para ela! Mas ela ficou 3 dias. Éramos sobrinhas do Vila Machado, do Comando do Primeiro Exército.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  -  Ela era sobrinha?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Era. Ela era, eu não.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O Vila Machado era um general importante.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Então. Ele que a salvou da cadeia.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Você falou desse apartamento do qual vocês tiraram dinheiro e quadros valiosos e muitos dólares e o dono foi denunciar. Como é que terminou isso?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Pois é. Foi muito engraçado. Quando a gente desceu, eram 2 carros, um com o Franklin e com o Cid embaixo fazendo a  cobertura, o outro carro para quem tinha feito a ação, que éramos eu, Sérgio Rubens, João Lopes Salgado e um que morreu, eu esqueço o nome, um artista plástico. A gente não entende. Quando a gente saiu, a gente estacionou em cima da calçada em frente ao prédio. Quando a gente saiu, estava chegando a polícia. O João Lopes Salgado tinha ficado com o telefone do médico do Deputado.

Não é que a gente parou num orelhão, o João Lopes Salgado telefonou — isso com a polícia atrás — para o médico dizendo que ele tinha que comparecer imediatamente à casa do Deputado porque ele estava passando mal? E a ação acabou bem, porque a gente conseguiu fugir, o Deputado sobreviveu, o médico foi, a polícia chegou, e a mulher, que foi uma desgraçada, que viu o marido passando mal, ainda saiu para denunciar. Uma desgraçada, porque ela ficou histérica com as jóias. As jóias eram dela. Mas nós nunca vendemos nada, nós só usamos os dólares para a ação do americano. A gente trocou dólar, deu dólar para organizações, a gente só fazia ações com alguma inteligência, com algum raciocínio.

Esse negócio de assaltar banco a gente só fez no início, uma ou duas vezes. Brutalidade nenhuma. A gente não pegava a população civil nunca. Era sempre em hora que não tinha população civil. A dissidência era particular. A nossa idéia não era mostrar a força do militarismo, era mostrar a força das idéias, então a gente fazia panfletagem e divulgava as nossas idéias.  As armas eram para nos proteger.

Agora, de ataque, é claro que foi uma ação ofensiva do americano. Só que eu fiz o levantamento. Foi essa a minha grande função. Eu namorei o chefe de segurança da embaixada — mas não dei, não dei, isso é mentira do filme —, eu consegui que ele me dissesse. Claro, a vida dele era o embaixador, então com poucas perguntas eu consegui saber hora, roteiro, placa, entrei na garagem com ele. Ele queria me namorar, era evidente, eu era uma bela moça, só que não foi possível. No dia que ele marcou o encontro a gente fez a ação. Ele deve ter brochado para o resto da vida.

            Ele está impressionado. O que foi?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Eu estou achando ótimo você contar, porque é justamente isso que a gente quer, repor, por exemplo, a participação do Virgílio, o Jonas, que no filme ficou...

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Ficou muito estereotipada. Ele realmente nos disse aquela frase: “O companheiro que correr, que fugir da polícia, eu mato primeiro que a polícia”.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quem disse?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - O Virgílio, o Jonas, o comandante. Mas era uma frase de efeito. Ele achava que nós éramos muito jovens, muito intelectuais, todo mundo falava em inglês com o embaixador. Ele achava que nós não devíamos ser parceiros da ALN, que para ele era uma organização do Marighella, Toledo, gente importantíssima, e nós éramos ilustres  desconhecidos. Ele queria mesmo era lançar a guerrilha rural, antes de fazê-la, e ele era um cara que, no convívio, no cotidiano, se mostrou altamente afável. E tinha medo. Aquela história do filme é errada. Se alguém fosse matar o embaixador, seria o Jonas, porque nenhum de nós queria, nem o Toledo. Essa coisa de matar alguém é muito difícil. Nem em guerra, nem em movimento. Imagine parado dentro de uma casa. É difícil.

O Jonas tinha mais coragem. Parecia. Não sei se na hora ele vacilaria. Mas a possibilidade de matar o embaixador era quase nenhuma. A gente tinha certeza de que o Governo ia ceder. Aqueles vacilos que contam no filme, medo, não houve entre nós. A dissidência escolheu a ação porque sabia que ela era certa e segura. O que a gente não conseguiu raciocinar é que, em seguida à ação, viria uma nova lei de segurança nacional, uma nova pena. Eu recebi só 8 anos pelo seqüestro. Pelo resto eu recebi 30, 40, 50 anos. Agora, seqüestro era muito pouco... Não existia seqüestro político. Eles fizeram uma nova lei de segurança nacional, todas as penas aumentaram, e começaram o cerco. E aí eles usaram muito a inteligência, o trabalho de inteligência. Eles usaram seguir a gente, o que eles não faziam, torturar até a morte, torturar mesmo para ter informação, e as pessoas foram caindo.

A tortura destrói, só não destrói quando é uma revolução como a argelina. A revolução argelina foi uma revolução de independência nacional contra a França. Quando eu fui a Argel... Eu fui visitar Casbah, o lugar em que aconteceu a revolução deles. É um monte branco de pedra que eles construíram com túneis. O Saddam Hussein deve ter igual. Ninguém pega ninguém. Ninguém pega ninguém. Além de eles terem...

Na questão árabe, a morte não é fundamental, e não é mesmo. Eles resistiram muito à tortura dos franceses. Nós, aqui no Brasil, resistimos... Quer dizer, resistimos muito, porque era uma ferocidade, mas muita gente não resistiu. E foi uma grande arma, uma grande arma de destruição. Mas, se nós não estivéssemos isolados politicamente, era como em Argel, uma das armas da repressão, mas não a arma, como foi aqui.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Uma coisa: quem escreveu afinal aquele manifesto que foi considerado uma peça...

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - O Franklin.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Foi o Franklin?

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - É.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Não foi o Gabeira.

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Não, não foi o Gabeira. Tudo foi o Franklin. A idéia foi o Franklin, o manifesto foi o Franklin. A estratégia da ação, aí não, aí foi a frente do trabalho armado toda. O meu papel, o que eu faria, não sei o que....

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - Qual foi o papel do Gabeira, especificamente?

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Ficar na casa, porque nós não conseguimos alugar uma casa. Aquela casa era do off‑set. O Gabeira tinha entrado na organização há pouco tempo, uns 6 ou 7 meses. Ele era responsável pelo jornal Resistência. Era um jornal que nós tínhamos, que era muito bonzinho. Pelo menos, nós queríamos fazer um jornal, não era só luta armada. E ali tinha off‑set, e também tinha a Kombi verde, que nós usamos no seqüestro, que foi a maior bandeira para o vizinho reconhecer a casa. Foi a Kombi verde de outro jornalista, que já morreu. Coitado. Como era o nome dele? Foi meu namorado. Eu esqueci o nome dele. Não é o Lúcio Flávio. Esse morreu também. Como é que eu fui esquecer o nome... Bom, a gente esquece tudo.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Me diz uma coisa,  quando vocês finalmente viram a notícia do locutor lendo o manifesto e tiveram a certeza de que o pessoal chegou...... Foi ao México, se não me engano?

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - México.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Qual foi a sensação que vocês tiveram?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - A sensação era de vitória. A gente achava que dali para a frente ia ser tudo diferente.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)  - No momento em que você recebeu a notícia de que você ia sair? Como é que foi isso? Que você ia ser trocada.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Eu estava na cadeia, eu estava no HCE...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)  - Não, não, tudo bem. Só para saber, pulando de uma coisa para outra. Então vocês tiveram a sensação de vitória nesse dia e achavam que a coisa ia ...

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Total, total. A gente achava que ia realmente repercutir na sociedade de tal forma que as adesões viriam para a revolução. Era um ato revolucionário. O manifesto era altamente esquerdista. Quem topasse... Mas ninguém topou, não é? Aí nós parecíamos mesmo uns astronautas.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Estavam em alfa.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES – Alfa.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E a sua libertação?

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Quando você soube? Em que momento? Dentro da prisão...

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Eu estava no HCE, porque eu tive uma hemorragia renal na tortura. Hospital Central do Exército, aqui na Frei Caneca. É engraçado, porque às vezes eu trabalho na penitenciária e passo pelo HCE, fico com vontade de entrar para ver se ainda encontro algum enfermeiro. Mas eu fui para lá por causa da concussão cerebral. E por causa da tortura eu tive uma hemorragia renal. Então eles resolveram me tratar. Também, eu estava com 37 quilos. Estava muito fraca. Então eles resolveram me tratar, porque meus advogados foram lá. Aí eles me trataram mais ou menos, mais ou menos. Eu fiquei deitada na cama, porque eu não andava. Quando saiu a notícia, no HCE houve uma audiência. Eu não podia sair, porque eu estava de cadeira de rodas, e eles não queriam que a população visse. Então, onde eu estava... As audiências dos seqüestros iam para lá.

Inclusive teve uma dentro da PE. Foi a coisa mais dramática, mais enlouquecida que eu já vi. O Supremo Tribunal Militar dentro da PE, todos gritando, tortura comendo. Eu inteiramente ensangüentada. Eu saí de uma sessão de tortura para audiência com o Supremo Tribunal Militar. Foi um escândalo. Um escândalo realmente. E o meu pai entrou, porque era advogado, e também o meu advogado, o Evaristo.

            Eu fui para o HCE e fiquei no lugar dos desertores. Tem um lugar à parte para os desertores. Estava eu, a Regina Toscano, a Abgail, que já morreu, a Dalva. Tinha umas mulheres. Quando teve a audiência, a Iramaia, mãe do Cid, chegou ao meu ouvido e disse: “Você vai sair daqui a 15 dias.” “Enlouqueceu a Iramaia.” Ela era muito otimista. Eu disse: “Eu nem quero sair, estou toda quebrada”.  Ela disse: “Não, você vai sair”.  “Está bom.”

            Foi um escândalo, porque estavam todos os seqüestradores. Vieram até de São Paulo. E eu, sentada na cadeira de rodas, passando mal, enfim. E um desertor, quando eu cheguei de volta na cadeia — é uma cadeia — de deserção, ele me disse: “Vera, você tem problemas políticos”. O cara era piradão. “É, tenho. Políticos.” ”Porque eu posso ler jornal.” Eu disse: “Está bom, então lê. Lê todos os dias e me diz as novidades”. Em um determinado dia, ele chegou e disse: “Olha aqui, você vai sair amanhã. Olha o seu nome aqui”. Ele me mostrou. Eu era a última da lista, por causa do “v”. Vera Sílvia. Ele me disse.

            Eu estava sem andar. Eu disse: “Bom, agora que eu vou ficar sem andar mesmo, não é? Vai ser um escândalo internacional”. Como foi, realmente. Uma menina — eu era menina —, 21 anos, muito jovem, pesando 37 quilos, em uma cadeira de rodas. Eu tinha todos os jornalistas do mundo me esperando em Argel. Foi uma loucura. Eu fui o caso internacional de tortura da AMES mundial em 1970. Acredito que tenha tido gente mais torturada do que eu.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O que você fez nesses 10 anos?

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Lá? Eu mudava de país como quem muda de sapato.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda)  - Nesses 10 anos, o que você fez ?

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Eu mudava de país.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi para a Argélia primeiro?

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Argel, Cuba, treinamento militar, um ano e meio. Em Argel, só me tratei. Tratei das pernas, tratei do sangue, do rim. Só me tratei. Acabado o tratamento, fui para Cuba. Não sei quanto tempo. Fiquei o treinamento todo e fiquei esperando lá o passaporte falso da organização para poder sair de Cuba. Acabou chegando o passaporte falso. Eu fui para Praga, troquei o passaporte cubano e peguei o brasileiro, falso. Eu não tinha asilo em nenhum país. A gente era completamente desorganizado para o futuro. Eu não pedi asilo. A Argélia quis me dar asilo. Eu não pedi. Então, eu só fui recuperar a minha identidade... Eu fui para Paris, para pegar uma base lá da organização, que estava meio sem rumo. De Paris, fui para a Alemanha com o Gabeira. Nessa época, eu já era casada com o Gabeira.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Você se casou com o Gabeira?

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Eu casei. Casei em Argel.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Em que ano?

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - Casei, não. Vivi junto. O Zé Roberto morreu em fevereiro de 1970. Eu fui em junho. Comecei imediatamente a namorá-lo. Eu estava muito deprimida, porque a morte do Zé Roberto realmente foi...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Qual era o sobrenome do José Roberto?

            A SRA. VERA SÍLVIA MAGALHÃES - José Roberto Spigner. Ele era judeu. E ele morreu quando tinha 20 anos. A gente foi cercado na nossa casa, na Penha. Estávamos eu, ele e o Zílio , Daniel Aarão Reis e Sílvio, na reunião da organização.

            Eu já estava na geladeira, por causa do seqüestro do embaixador americano. Eu só saía para fazer ação. Eu fiz ação no Félix Pacheco, quer dizer, roubei os espelhos, para a gente fazer identidade falsa. Mas eu fiz pouca coisa. E eu tomava conta dos filhos da minha vizinha. E a minha vizinha andava com policial. Mas eu fui muito ingênua. Eu gostava de criança, eu não tinha nada para fazer, estava na geladeira, até livro não tinha na casa, não tinha nada. A nossa casa era um horror, não tinha nem onde dormir. Era aparelho mesmo. Acho que tinha uma cama para mim e para o Zé Roberto, uma cama de solteiro. E outra para o Zílio, eu acho. Sei lá. Era muito... Não era casa aquilo.

Ela deve ter percebido. Bom, mas eu não percebi e fiquei tomando conta do bebê, da criança pequena. E teve um dia que eu passo na casa dela e eu vejo um cara. Eu vejo a arma do cara. Eu digo: “Pô, esse cara é policial. Mas eu vou fazer o levantamento e volto”. Olha, tudo maluco, não é? Saí, fui fazer o levantamento, que era uma casa de armas que a gente faria se fosse necessário, lá na Leopoldina. Lá fui eu. Voltei para a Penha. Sozinha. Quando eu volto, o cara está lá. Ele me pergunta: “Você quer uma carona?” Eu disse: “Não. Para quê? Eu não quero carona nenhuma. Eu nem lhe conheço”.

Ele, aparentemente, foi embora. Mas a Míriam, essa mulher, chega para mim — isso naquela reunião dentro da casa, com toda a direção da organização, organização pequena —, e eu disse para ela: “Olha, Míriam”... Ela disse para mim: “Chegou uma RP para você aí. Uma radiopatrulha”. “Para mim, Míriam? Por que para mim? Quem namora policial aqui é você. Você é que trai o seu marido com os policiais. Eu dou cobertura. Fico com os seus filhos para você sair com ele”. Aí eu entro e disse: “Caiu. Caiu o aparelho. Vamos embora. Todo mundo embora”.

Foram o Daniel e o Zílio na frente. O Cid estava dirigindo um Fusca. Ele só usava Fusca. O Cid estava dirigindo o fusca, mas, claro, ele botou o Fusca bem longe do aparelho, por questão de segurança. E foram a pé. E a outra ordem era eu e o Zé Roberto, e o último a sair com a metralhadora era o Zílio, que é esse artista plástico atual. Quando eu saí, eu não resisti. Eu disse para a Míriam: “Míriam, se acontecer alguma coisa com algum de nós, eu volto aqui e te mato. Você  nos denunciou”.

Aí ela ficou assim: “Não, Vera.”  Vera, não. Ângela. “Ângela, de jeito nenhum eu denunciei”. Eu disse: “Ah, é? Pois eu desci. Por que você estava telefonando ali da padaria? Você tem telefone em casa”. Mas eu não tinha certeza. Eu disse: “Tudo bem. Eu pensei que, quando eu estivesse com o seu filho no meu colo” — que era o pequenininho — “você não ia fazer isso. Agora, tome o seu filho. Ele não tem nada com isso. Eu não vou raptar, não vou matar. Nada com essas crianças. Agora, você é uma pessoa que”...

Depois eu soube. Ela trocou o irmão que estava preso por estupro pelo nosso aparelho. Ela trocou a liberdade dele.

O Zé Roberto... Nós fomos cercados embaixo, eu e o Zé Roberto. O Cid e o Daniel já estavam longe, não ouviram, e começou o tiroteio entre nós e os caras da repressão. A gente via todo mundo à paisana. É fácil ver o cerco. A gente faz um pequeno cerco, um grande cerco, aquelas peruas verdes, não é? Porque eles não vêm de RP nem de... Vêm de carro civil, não é?

Eu abri fogo quando seguraram o Zé Roberto. Eu abri fogo, mas eu fui para um canto, assim. Um canto escuro. Eles não sabiam de onde vinham as balas. Mas só que, de repente, foi uma cambada de balas. E o Zé Roberto caiu no chão.

E aí, na minha fantasia, que eles alimentaram muito na tortura, que teria sido eu a assassina do Zé Roberto. E eu fiquei com essa idéia até o exílio, até encontrar alguém que me esclarecesse essa história. Eu entrei em uma depressão muito grande.

Por isso que eu te digo, quando vieram me dizer que eu ia sair, eu dizia para a Regina Toscano: “Eu não quero sair. Eu não tenho mais nada para fazer. Eu não acredito mais em nada que a gente fez até hoje. Mataram o Zé Roberto, entendeu? Eu não tenho vontade de mais nada, nem de namorar, nem de me divertir. Para mim, acabou aqui. Eu quero ficar aqui, paralítica, até morrer.” Ela olhava...

Na hora em que o cara entrou com a notícia, eu tive essa reação, mas eu não tinha opção, não é? Tinha que ir mesmo. Houve quem se negasse a ir, mas não podia. Eu estou dizendo isso por causa do estado patológico que eu fiquei com a morte do Zé Roberto. Eu fiquei realmente com... Na verdade, ele não morre ali. Eu consigo sair da sombra escura, quando acaba a minha bala. Eu saio correndo. Sou conhecida na área. Rendo um táxi. O cara levou um susto. Eu disse: “Sou Ângela, mas você vai me levar daqui”. Já não tinha uma bala no revólver. Rendi. Saí da área. O Zé Roberto levantou quando eu corri, só que ele ficou todo rasgado. Ele ficou ensangüentado, mas não de bala. Ele levantou, atirou em 2 caras, não sei se matou, saiu correndo para a Avenida Brasil. Nós fizemos o caminho oposto. E eu fui para a Lapa. Eu não sabia o aparelho de segurança dele. Era na Lapa. Ele foi, subiu no elevador — segundo o outro menino da organização que dividia esse aparelho de segurança com ele —, ele subiu com um militar. Aí o militar denunciou, porque ele estava todo rasgado. E ele ficou esperando. Ele não foi ao ponto de segurança. Ele tinha um ponto de segurança comigo. Não foi. O menino outro, que foi preso, hoje é um esquizofrênico, enlouqueceu de vez, coitado. Ele foi preso, torturado. E o Zé Roberto era judeu, não é? Então, tinha uma coisa que ele me dizia que eu contrariava ele muito. Ele dizia: “Eu prefiro a morte a ver o meu corpo decapitado.” Não era bem essa a palavra.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mutilado.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Mutilado. É uma frase bem judaica. E eu dizia: “Que besteira, Zé Roberto! Se você for preso, você vai ser preso como meu marido. Você não vai pegar barra pesada. Eles não sabem que você é um cara importante. Só se você disser.” Então, não adianta. Na hora H, ele pegou o revólver do ruivo, desse menino que estava com ele, saiu com o revólver dele, pulou do 8º andar para a sacada do 7º, para despistar a polícia que subia pela escada, cortou a polícia. Foi também a Polícia Civil. Cortou a polícia, desceu, chegou no hall e matou 2 antes de morrer. No hall, ele... Ele teve uma atitude, assim, inteiramente heróica, inteiramente épica e absurda. Eu nunca me conformei. É incrível. A história do Zé Roberto é uma história que entrou na minha vida e nunca mais saiu. Eu tenho pesadelo com ele. Eu tenho até o retrato dele lá, em cima da minha cama. Parece que ele vai baixar e dormir comigo. Por ter sido uma relação interrompida, num projeto que nós negamos posteriormente, não é? E ele era um menino muito inteligente, escrevia. Até isso eles tomaram de mim, porque ele escrevia muito bem. Escrevia prosa, verso. Eles tomaram de mim de maldade, não é? Não deixaram eu ficar com nada do Zé Roberto. Nada. Eu só tenho esse retrato da carteira de identidade dele.

Eu acho que essa foi a experiência mais trágica da minha vida.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E a família dele?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - A mãe ficou esquizofrênica. Enlouqueceu. Eu agora, recentemente, consegui uma indenização para ela. Batalhei muito, muitos anos. Mas ela nem sabe, não sabe mais quem eu sou. Eu tenho contato com a irmã. É tão dolorido esse contato para mim, para a irmã. Ela me procura porque ela quer que eu represente aquela perda. Eles não ficaram com raiva de mim, claro que não.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Você teve filho de algum desses...

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Eu tive filho do Carlos Henrique.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Carlos Henrique, quem é?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Carlos Henrique Maranhão. Era um exilado, ele era exilado, ele era Presidente do Diretório de Recife; ele é pernambucano. O meu filho mora comigo agora. Já morou com ele. Eu tive 2 cânceres; eu tive uma vida, assim, também barra pesada.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Só um?

 A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Eu tenho um filho, em 5 casamentos.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Vera, me diz uma coisa: você continuava na Europa ligada a que organização?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Só à Dissidência.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E a Dissidência continuava existindo depois desse tempo todo?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Chamou MR-8, no seqüestro do embaixador americano. Mas era um nome simbólico, em homenagem ao MR-8 de Angra dos Reis, que tinha sido destruído, em Niterói. Mas a gente sempre se disse Dissidência. E quando perguntam: “Qual foi?” Eu só tive uma organização na vida: Dissidência Comunista da Guanabara. Nunca mudei, nunca saí dela, nunca entrei em outra. 

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Você estava em Argel, você começou a namorar o Gabeira. Vocês ficaram juntos quanto tempo?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Ficamos bastante tempo. Passou por Argel, Cuba, Alemanha. Aí vamos para o Chile, golpe da lei. Nos refugiamos na embaixada argentina. Mudamos para a Argentina, não recebemos asilo político, muito pelo contrário. Ele não vai comigo. O meu habeas data, como é que chama?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Habeas corpus.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Não, também não. Quando você sai de um... O meu laissez-passer sai antes do dele. Então, eu venho sozinha, quer dizer, com um grupo, e vou para a Argentina. E lá na Argentina houve também uma maior confusão, porque o meu pai até vai. O Jean Marc, que é suíço, conseguiu tirar muita gente do Chile e teve um comportamento maravilhoso. Ele era da AP. Inclusive a nós, ele tirou: eu, o Gabeira, o Marcão, o Sérgio Pinto. Mas quando a gente foi para a Argentina, foi à época que o Perón está voltando. Ele recusa o asilo político. Aí foi complicado, porque nenhum país queria me aceitar por causa do seqüestro. O único que aceitou a mim e o Gabeira, porque era um reencontro familiar, foi a Suécia. Mas aí, na Suécia, a gente se separa, porque eu não agüento mesmo a Suécia. Fiquei 4 meses só esperando o passaporte da ONU.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Duas horas de sol por dia, não é?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - É. Uma depressão aquilo ali, uma tristeza! Comecei a ficar maluca mesmo. Aí eu vou para a França. Mas já entro numa vida semi-legal, porque eu não tenho visto.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não podia trabalhar.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Mas eu trabalhava clandestinamente. Clandestinidade é com a gente mesmo.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Você fazia o quê?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Se precisar entrar agora para a clandestinidade, eu entro. Eu sei exatamente o que fazer.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O que você fazia em Paris?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Em Paris eu era baby-sitter. Eu recebia dinheiro do meu pai. Não, na primeira vez de Paris, não; na segunda. Na segunda vez de Paris eu recebia. Não recebia mais da organização, porque não era mais militante. No Chile eu deixo de ser militante, em 73.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por quê?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Aí você já tinha feito aquela revisão.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Já tinha feito a revisão crítica de todo o nosso processo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Você não é mais leninista? por quê?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Ah, porque não. Não tem nada a ver. Troço mais fora de foco.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como é?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES  - Fora de foco. Você acha que ser leninista no Brasil adianta alguma coisa? Eu sou contra o estado da revolução, sou contra a ditadura do proletariado, sou contra qualquer ditadura. Não sei nem se existe proletariado, não sei se existe na concepção marxista. Não tem nada, não tem nada daquilo, acabou. O que não quer dizer que eu não deixo de, nas minhas aulas, na minha micropolítica, transmitir uma idéia socialista. Eu sou uma socialista. Minha casa é de todo mundo. O que eu tiver... O meu carro é de quem precisar. Eu sou uma pessoa que sei dividir. Divido marido, divido qualquer coisa. (Risos.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Qual é o seu modelo de país?

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Não tenho modelo. Está para nascer. Está para nascer. É uma democracia. Eu prefiro a democracia à ditadura. Agora, como é que vai ter uma democracia socialista? Realmente não sei.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Vera, me diz uma coisa: e a tua volta ao Brasil? Quando é que aconteceu e como é que se deu o teu retorno?

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - O meu retorno, foi a anistia.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Em 79.

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Em 79, final de 79. Eu já tinha tido meu filho, em 78, com o Carlos Henrique. Aí fui para Recife. Fui para um outro exílio. Custei muito a vir para o Rio. Não, eu vim ver aqui o pessoal, os amigos, a família. Mas eu vim, fiquei um mês e fui para lá. Fiquei 4 anos lá.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Aí já sem qualquer militância?

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Não, eu sempre trabalhei pelos excluídos. Eu fiz um trabalho no sertão, pelo Joaquim Nabuco. Eu sempre trabalho onde o pessoal está ferrado. O meu critério é este: exercer o que eu penso. Quer dizer, teoricamente, o que eu pensei, o que eu tentei, na atualidade, é me inserir onde estão os excluídos. Eu vou à penitenciária, que é uma coisa bastante perigosa, mas eu não sinto medo de nada disso. Claro que eu sinto medo, mas os meus medos são interiores. Esses são os piores medos. Agora, esse de ir numa penitenciária, dar uma aula, enfrentar um motim, não tem problema; enfrentar, não, porque hoje eu sou desarmada, mas viver. Não tem problema não. Eu subo favela com toda essa situação que está. Eu vou ao Complexo do Alemão. Eu vou lá em Santa Teresa. Em todas as favelas, todo mundo me conhece. Eu dou aula; dou aula do que for necessário, dou aula de pensamento. Eu quero que as pessoas aprendam a pensar. Que os excluídos aprendam por que eles estão excluídos. Então, minhas aulas vão da cidadania à história. Eu dou essa aula sobre a minha pessoa em todos os lugares que eu vou; não é sobre a minha pessoa, mas a minha geração, o que a gente queria, o que a gente não conseguiu. Certas coisas eu não digo, porque eu acho que são complexas para o entendimento. São jovens, não é? Tiro o pessoal da droga, entendeu? Sei fazer isso sem moralismo. Não é que eu tire o pessoal. Entre 10 alunos, 2 deixam de se drogar, 2 recomeçam os estudos, 3 vão trabalhar. Isso é uma vitória relativa, porque o que eu queria fazer não está dando para fazer. Coletivamente, não dá, não dá. A luta contra a droga é uma luta que beira ao moralismo. A gente tem que ter muito cuidado para fazer uma coisa politicamente boa. Então, eu faço com os meus grupos pequenos de jovens excluídos. Eu só trabalho com excluídos. Até com deficiente físico eu trabalho, com terceira idade, apesar de já ser de terceira idade, mas eu dou aula de cidadania, de geração 68, qualquer coisa; de história, o abc, alfabetização, o que for necessário. O único critério que eu tenho que ter é o meu limite. Fisicamente, eu sou uma pessoa que... Eu me aposentei no Estado, mas eu tenho limites. Tive doenças muito graves.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Aposentou como professora?

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Não, eu me aposentei como funcionária pública.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora era funcionária pública?

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Agora funcionária pública, depois da volta ao Brasil.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Vera, você tem todo o direito de não falar se não quiser, mas você pode contar que tipo de tortura você sofreu? Se puder tocar no assunto.

            A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Posso. Algumas, posso. Tem outras que são tão cruéis que eu acho que é desagradável até ouvir. Acho que a tortura pior foi a psicológica. Não é a psicológica que não toca em você, não é isso. Mas o Amilcar Lobo foi o chefe da minha tortura. Ele é psiquiatra. Ele me enchia de remédios psiquiátricos — eu nem sabia que isso existia — e me tirava a noção do tempo, do calor, do frio. Eu ficava numa sala escura e quando eu tocava num troço levava um choque elétrico, batia com a cabeça na parede. E eles não se apresentavam. De repente, eles entravam em cena. Era uma mise en scène incrível, uma mise en scène incrível. Para você derrubar aquela mise en scène, só fazendo outra, e foi o que eu fiz. Quer dizer, eu não derrubei; eu não disse o que eles queriam ouvir. Mas eu contei uma história inteiramente inverossímil que eles acharam por bem acreditar até um determinado momento. E tem aquelas coisas: muito choque elétrico. O pau-de-arara é uma coisa muito ruim. Eu fiquei paralítica, paralisada, por isso. A eletricidade contrai a musculatura toda e você fica sem andar mesmo; mulher, sobretudo mulher. Tem espancamento, fica sem feição. Nem me reconheci no espelho depois. Não tem fim, é uma história sem fim. Você vai, afoga aqui, choque elétrico ali, simulação de execução. Eles não param. É uma coisa, assim, muito bem articulada para te enlouquecer. Põem na geladeira e é um frio danado. Não dão comida. Tiram da cela, põem na cela, põem na coletiva. Ficam ouvindo o que você fala. Trazem para a tortura, aí você vê que eles ouviram. Olha, é uma coisa, assim, enlouquecedora, enlouquecedora. Eu acho que... Eu, inclusive, fiquei com problemas psiquiátricos graves. Agora, não, porque agora estou mais centrada, mas imediatamente à tortura fiquei. Fiquei muito desarticulada.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Você fez tratamento psiquiátrico?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Eu continuo fazendo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Lá na Argélia?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Não, eu fiz na França.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Na França.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Porque é a língua, não é? Ah, bom, se bem que na Argélia é francês também. Mas em Argel eu fiquei pouco tempo. Eu fiz na França e faço no Brasil até hoje.

Mas eu acho que o principal problema da tortura é te desarticular, porque as pessoas... Incrível, não é a informação sozinha que eles querem; eles querem te destruir como indivíduo. Então, é uma coisa que vai na tua auto-estima, no teu orgulho, na tua dignidade. Eu fui completamente suicida. Eu os agredi como eles me agrediram. Eu achava que era a forma de eu manter a minha responsabilidade de militante, e claro que isso é suicídio, porque a porrada é muito maior. E esse troço de espancamento é uma coisa dilaceradora. Você pensa que é fácil 8 homens te dando porrada em tudo que é canto? Eu fiquei roxa. Era um hematoma. Agora, tem outras coisas... Me queimaram também. Tem coisas que são cruéis mesmo. Arrancam unha, queimam a perna.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Me diz uma coisa: apesar da luta de vocês não ter tido uma conseqüência política, e se a gente for ver maniqueisticamente, quer dizer, vocês são os vencidos e os militares foram os vencedores; apesar disso, essa trajetória tão obscura de um grupo de jovens, num tempo muito curto e determinado, sob censura, apesar de tudo isso, essa história de vocês teve e continua tendo uma repercussão enorme.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Não, mas eu também acho.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Você entendeu?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Eu não considero vitoriosos nem vencidos não. Eu acho apenas que um projeto foi questionado. Nós ganhamos muitas coisas. Nós ganhamos valores, foi atingido. Nós ganhamos amizade. É um grupo fechado. Nós somos um grupo. A geração 68 formou um etos realmente exemplar. O meu filho tem orgulho de ser meu filho. Não é por que eu fiz essas coisas. É por que eu atuo no meu cotidiano de acordo com essas coisas que eu fiz. Não estou dizendo que são todos assim. O etos nunca é coletivo, mas é de uma grande parte. Eu acho que a ética que nós adquirimos, a questão da amizade que nós formamos e os valores adquiridos. E o questionamento... A gente não é conservador. Não adianta. Não é no amor, não é com homem, não é com trabalho, entendeu? Eu sou sempre uma pessoa revolucionária, por incrível que pareça. Eu sou revolucionária. Eu garanto que esses militares aí não são porra nenhuma, entendeu? Eles nem são torturadores mais. Não têm quem torturar.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E me diz uma coisa: como é que você vê, agora do ponto de vista mais político, mais geral, essa nova situação? Quer dizer, mal ou bem, a esquerda está no poder. Depois de tanto tempo...

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - José Dirceu está no poder.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - José Dirceu está no poder. Lula, que é um operário, que é uma figura exemplar dentro dessa...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Genoíno....

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – dentro da mitologia da esquerda, um operário está no poder. Um partido...

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - O Genoíno.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - O Genoíno. Um partido nascido da classe operária está no poder. Como é que você vê o Brasil agora, depois dessa história toda que você viveu?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Olha, eu não acho que há uma continuidade histórica entre aquele momento e o atual, apesar de alguns personagens estarem repetidos nas duas cenas. Hoje eu acho que é isto: temos possibilidade de uma democracia; de socialismo, jamais. Eu acho que nós temos condições de fazer reformas num país que precisa fazer reformas. Eu não sou reformista, eu sou revolucionária, mas eu considero que não tendo revolução para fazer, a gente faz reformas. Acho que isso o Lula tem força política para fazer e deve explorar isso, porque tem muita coisa para fazer. Foi um País que ficou 8 anos na mão do FHC, e não é fácil. O PSDB tinha uma estratégia bastante antinacional, bastante empobrecedora do País, uma pauperização crescente. Quer dizer, hoje você tem um Governo que tem como programa eliminar a fome... Não é eliminar não, como é?

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Combater.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Combater a fome. Eu já acho no Brasil um grande avanço, mesmo que não consiga acabar com a fome, porque acabar com a fome tem que haver aí, não sei, tem que haver revolução mesmo. Agora, ele pode fazer coisas muito positivas. Ele tem apoio para isso. Agora, qual é a relação? Por que o Dirceu está aí? O Genoíno? São pessoas que têm um passado político. Eu não estaria; eu estaria, por exemplo, num programa. Se tiver um programa social onde se insira, ou um projeto como esse de combate à fome e eu possa trabalhar dentro da ONG, eu estou nela. Eu não quero poder instituído; eu não gosto de poder instituído. Não gosto. Apesar de ter lutado tanto por um poder, ele não seria meu; ele seria do proletariado. Ele é plural. Eu acho que o Dirceu tem vocação, o Genoíno tem vocação, sem nenhuma crítica. Eu acho que eles têm vocação para o Legislativo, têm vocação para articulação entre os Poderes e de fazer um bom jogo. Eu, individualmente, gostaria de trabalhar para ele, o que não é fácil. Já mandei muitas cartas. Eu estou a fim de trabalhar para o social, porque aqui eu trabalho para o Cesar Maia. Eu não gosto nada dele, mas não é para ele. Eu sou terceirizada. Como ONG, é incrível. Estão todos lá, são todos meus amigos, mas eu não consigo um acesso. Eu não preciso ganhar dinheiro não. É um projeto só, social, que ligue o projeto do Lula ao meu projeto aqui no Rio. Eu tenho uma ONG, chama-se CESOP, todo mundo conhece. Uma ONG pequena, de alta responsabilidade. Enfim, eu queria ter acesso, e não trabalhar para um Prefeito tão babaca como esse, que quer ser Governador, ainda por cima. Eu não vou votar nele. Agora, por outro lado, para eu fazer esse trabalho social nas comunidades, por enquanto, eu preciso do financiamento dele, porque não tem outro. No Rio, não tem outro. É neste sentido que eu te digo: o meu projeto seria me encontrar com o PT. O PT do Rio é muito queimado, como esquerdista. Conheço o pessoal do PT do Rio, o (ininteligível), o Minc, esses são os meus amigos do PT do Rio. São todos 40. Você vê que não mudou muito meu núcleo de amizades.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Por tudo isso que você passou, tudo isso que você viveu, toda essa experiência, o sofrimento, tudo. Valeu a pena?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Ah, valeu! Só não valeu para quem morreu. É contraditório o que eu estou dizendo, mas é... Como eu te digo, eu adquiri... Não tinha nada melhor a ser feito na minha geração. Eu acho que o que havia de melhor na minha geração fez o que eu fiz. Essa era a nata da geração. Se fez errado, não importa. As intenções e a experiência que acumulou estava nesse núcleo que resistiu à ditadura, tenho certeza. Quem não resistiu está por fora. Não está por fora de nada, na verdade, mas não resistiu, simplesmente. Eu acho que quem resistiu tem honra ao mérito, mesmo que tenha sido equivocadamente; métodos e formas de luta equivocados. Eu acho que o PCB resistiu da forma dele. Eu saí do PCB, mas eu posso, eu sei valorizar o Prestes, o Gorender. O Gorender também era do PCB.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mataram 8 dos 11 membros do Comitê Central.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - É.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - É verdade, do PCB.

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - É. Eu acho que muita gente resistiu, e não foi armadamente. Nem por isso perdeu o mérito. E nós não perdemos o mérito porque nos equivocamos na forma de luta. Como enfrentar um Exército com um bambolê na mão? Não dá. E sem apoio popular? Com apoio popular você consegue fazer revolução até com o negócio da cana-de-açúcar. Eu sei fazer armadilha que os vietnamitas faziam para o inimigo, eu aprendi a fazer em Cuba. Eu sei fazer uma armadilha. Mas o que adianta se eu não tiver quem caia nela? Eu acho que realmente nós ficamos reféns das nossas próprias idéias, essa é a verdade.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Tem mais alguma coisa, assim, que você gostaria de deixar claro? Gostaria de falar mais alguma coisa?

A SRA. VERA SILVIA MAGALHÃES - Eu nem sei, falei tanto, que não sei.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Deu um depoimento maravilhoso.

A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Maravilhoso!

           O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Superlúcido, superpedagógico.